Um livro que precisaria ser lido nestes dias conturbados é “A
transfiguração do político, a tribalização do mundo”, de Michel
Maffesoli (Sulina), que traduzi há alguns anos. Quem ainda lê livros?
Quem, fora das universidades, lê obras sobre filosofia política? O
filósofo francês da pós-modernidade mostra que somos comandados mais
pela emoção do que pela razão, mesmo em política, e que de nada adianta
insultar as pessoas por elas serem assim como de fato são.
Maffesoli resume: “Esse clima emocional é particularmente perceptível
na implosão, em cadeia, que atinge o Estado-nação e os grandes impérios
ideológicos. Uns e outros estão cedendo lugar a confederações que, de
maneira mais leve, cimentam comunidades, de proporções diversas,
repousando mais sobre um sentimento de vinculação que sobre a moderna
noção de contrato social, ao qual se atrela uma conotação racional ou
voluntária”. Se as nações continuam e o nacionalismo renasce, a escolha
eleitoral mescla ideologia, temas comportamentais e percepções sobre a
personalidade dos candidatos.
O eleitor, sugere o sociólogo, parece se divertir desmentindo, com
suas “sinceridades sucessivas” e oscilações, os especialistas: “Os
números mudam de uma eleição para a outra; as análises dos cientistas
políticos sofrem alterações espetaculares, continuando, porém,
perfeitamente racionais. Quanto aos políticos, é outra história: são as
suas próprias análises sobre um tema qualquer que deveriam constituir
objeto de reflexão”. Ninguém se sente obrigado a ser fiel a um partido.
Vota-se em mais de uma sigla, mesclando direita e esquerda e nomes que
podem até se opor. Um amigo me mostrou a sua colinha de votos: João
Amoedo para presidente; Paulo Paim para senador”.
Eu mesmo votei em candidatos de quatro partidos nestas eleições.
Deixemos o mestre falar: “Assim, a versatilidade do povo é uma constante
nas histórias humanas e que se manifesta nos períodos de efervescência
pelas traições, pelos levantes repentinos, pela apatia de modo algum
prevista, por uma súbita euforia ou pelas identificações sucessivas com
figuras em oposição. Em períodos calmos acontecem variações eleitorais
imprevisíveis; no popular: ‘uma tentativa a direita, outra a esquerda’;
ou as súbitas abstenções”. Nada é fixo.
Cansado de um lado, o eleitor não se constrange em guinar para o
oposto: “Essa versatilidade, portanto, está aí para perguntar de maneira
lancinante: quem te fez rei? Como disse lindamente Michel Foucault a
propósito da precariedade dos destinos políticos: ‘Os povos amam retirar
os favores que concederam por um momento’”. O político ilude-se
pensando que conquistou a fidelidade que ele mesmo não pratica. Mesmo
experiente, surpreende-se quando se vê abandonado.
Para Michel Maffesoli se trata de uma maneira instintiva da população
lidar com esses representantes que frequentemente se esquecem de
representá-la: “Há nisso uma sabedoria bastante rude, uma lucidez
fortificante, temperada com um pouco de cinismo, mas que exprime bem,
cruamente, o relativismo das massas, as quais, fundamentalmente, não
querem ser enganadas, conscientes de que sempre pagam os custos da
operação uma vez os chefes instalados no poder”.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Jornalista.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/10/11257/transfiguracao-da-politica/
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