018 Foto:
Reprodução/YouTube Transmitido
pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores concentrados em SP, em
21 de outubro,
e afirma que vai ‘varrer do mapa’ os ‘bandidos vermelhos’
Em
entrevista ao ‘Nexo’, ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro analisa o
acirramento das tensões entre eleitores e o clima pós-eleições Eleições 2018.
O
discurso extremado de Jair Bolsonaro contra imprensa, organizações da sociedade
civil e adversários políticos é apontado como uma das evidências de que sua
chegada ao poder traz consigo riscos às instituições democráticas.
Mas, para
além das falas e ações do próprio presidente eleito, como sua atitude se
reflete no comportamento da sociedade? Sobre o tema, o Nexo conversou com
Renato Janine Ribeiro, professor de Ética do Departamento de Filosofia da USP e
ex-ministro da Educação no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Isso
diante de episódios recentes, que vão da autorização por parte de juízes
eleitorais de batidas policiais em universidades públicas, passam pela criação
de um canal de “denúncia” contra professores “doutrinadores”, por ameaças a
jornalistas e autoridades e desembocam, também, em episódios de violência nas
ruas.
A campanha e a vitória de
Bolsonaro são elementos para constituição de um clima de permissividade na
sociedade em relação ao seu discurso, de investidas contra o que chama de
‘comunistas’, por exemplo, e também contra ativistas e minorias em geral?
Renato Janine Ribeiro Aparentemente sim. Como
tudo isso é novo no Brasil, é difícil de dizer. Tivemos uma ditadura, muita
gente foi perseguida, mas em nenhum momento ela teve um apoio popular
comparável ao que Bolsonaro teve nas eleições. Então, os grupos que o apoiaram
com mais intensidade parecem estar se sentindo autorizados a fazer vários
ataques.
No
próprio caso da USP, uma página do Facebook teve mais de 2.000 confirmações no
domingo (28), no sentido de fazer um ataque à Faculdade de Filosofia que, ao
tudo indica, a ação do reitor e da diretora da faculdade impediram que
ocorresse.
Por outro
lado, é bom notar que nos dias anteriores e mesmo no dia da eleição teve muito
pouca gente nas ruas com propaganda de qualquer um dos candidatos, camisetas,
adesivos etc, ao contrário de eleições anteriores. Na verdade, eu considero
que, apesar da votação grande que Bolsonaro teve, já no primeiro turno, não
existe um entusiasmo social tão grande a ponto de significar uma caça às bruxas
generalizada. Me parece mais possível que grupos pequenos, aguerridos, se
sentindo autorizados a atacar, participem disso. Mas eu não creio que isso
constitua um clima generalizado na sociedade de ódio ao que eles chamam de
esquerda.
A circulação de armas em
ambientes públicos também pode ser impactada mesmo sem mudanças formais na lei
sobre armamentos?
Renato Janine Ribeiro Bom, isso continua
proibido. Resta ver como vai acontecer. Há pessoas fazendo várias coisas que
não são permitidas. Há pessoas que estão fazendo uso da violência e é provável
que tenhamos excessos desse tipo, mas não sabemos se vai perdurar ou não. Isso
depende da atuação de outros órgãos.
As
instâncias superiores do Judiciário, na última semana, colocaram limite na
proibição de discussões de matéria política nas universidades. Resta ver então
se o Judiciário vai colocar um obstáculo ou não. Os dois poderes eleitos, o
Executivo e o Legislativo, foram maciçamente tomados pelo grupo de Bolsonaro,
pelo grupo mais conservador do Direito.
É curioso
porque o Judiciário foi, de certa forma, o poder que sobreviveu mais tempo ao
“harakiri” efetuado nos últimos anos. Depois que o Executivo se liquefez nos
últimos anos, em parte com Dilma Rousseff e Michel Temer, e o Legislativo
também, com Eduardo Cunha, o Judiciário assumiu um protagonismo, seja pelo
Supremo, seja pelo juiz Sérgio Moro. É difícil saber agora se o Judiciário vai
retomar esse protagonismo ou se vai ficar silencioso frente a essa situação.
Em um dos seus discursos da
vitória, Bolsonaro disse que vai governar para todos. Essas declarações podem
limitar eventuais excessos, ou seria preciso ser mais categórico?
Renato Janine Ribeiro Claro que precisaria ser
mais categórico. Agora, o fato é o seguinte: tivemos uma vitória acachapante da
chamada extrema direita. Acontece que esses grupos são muito despreparados para
o exercício do poder, inclusive para a gestão da economia.
Enquanto
a antiga direita, podemos chamar de direita democrática, o PSDB histórico e o
MDB, foi praticamente esmagada, essa nova direita, mais extremista, conseguiu
uma votação extraordinária se beneficiando das acusações de corrupção contra a
antiga direita. Mas ela carece de projetos. Ela se beneficiou do quê? De um
lado, de uma pauta anticorrupção a qual se somou uma pauta conservadora nos
costumes. São duas coisas diferentes, mas ficaram mais ou menos associadas.
Como se atacar a corrupção e atacar homossexuais fossem a mesma coisa.
Por outro
lado, do ponto de vista econômico, eles são muito despreparados. Pode parecer
um pouco atrevido, mas de um modo geral, tirando os economistas da educação,
que estudam educação, os economistas brasileiros são pouco preparados para uma
pauta moderna. Estão muito mais preocupados com o que o Estado deve ou não deve
fazer do que com a formação de uma mão de obra mais qualificada.
Em
qualquer autor internacional, Neil Ferguson, por exemplo, referência de um
pensamento estritamente liberal, você vê que um dos pontos cruciais é ter uma
mão de obra qualificada graças à educação. Esse ponto em nenhum momento esteve
na pauta do candidato Bolsonaro, nem dos outros candidatos que ganharam como
[Wilson] Witzel, [João] Dória e [Romeu] Zema. E esse é um ponto muito delicado,
pois indica que eles não sabem direito como governar. Então me parece que vão
ter um período todo de muita instabilidade, caminhando para um lado francamente
mais reacionário, da repressão aos costumes, repressão política, ou tentando às
vezes entrar numa pauta econômica, o que é muito difícil.
Mesmo os
economistas mais respeitados do Brasil, se não forem economistas da educação,
têm dificuldades de sair da repetição, do mantra da privatização, da
desregulamentação, da reforma trabalhista, que podem ter um papel para você
ter, vamos dizer, um ambiente mais pró-negócios, mas que não resolvem o
problema de ter uma mão de obra que está há 40, 50 anos estagnada na sua
qualificação. Qualquer pessoa que acompanha o debate internacional vê que o
debate brasileiro de economia está defasado. Ele já estava defasado com o
governo Temer, e com este governo também fica. Mas acho que o crucial é, se nem
os economistas do governo Temer souberam reconhecer a importância da educação
para a economia, nesses governos novos vai ser ainda mais difícil. Acho que vão
fazer muitas experiências. Os dois discursos do Bolsonaro ilustram essa dificuldade:
governar com a pauta do combate, da destruição do inimigo, e governar para
todos -- ocasião em que você não pode mais falar em inimigo, porque você
governa para todos.
Uma deputada catarinense
criou um canal de denúncias contra o que chama de doutrinação de esquerda em
sala de aula, incorporando um discurso que foi recorrente na campanha do
presidente eleito. Qual impacto que atitudes dessa natureza podem ter no
ambiente educacional?
Renato Janine Ribeiro Esse é o problema de toda
a dinâmica da chamada Escola Sem Partido, que na verdade é uma escola
doutrinadora, com partido, apenas não aceita uma visão de mundo que é diferente
da dela. O problema crucial que vejo nisso é o seguinte: você teve toda uma
deterioração do prestígio do papel do professor.
Houve
perda de poder aquisitivo, sobretudo na educação básica, que é realmente
essencial porque é aí que você gera a gigantesca desigualdade que há no Brasil.
É aí também que você inibe e destrói uma quantidade enorme de talentos, que
nunca chegam a ser descobertos. Então, houve um desprestígio nisso.
Eu
entendo esses canais de denúncia como um fator a mais para tornar a profissão
de professor pouco atrativa. Além de você receber pouco, além de ter uma
valorização social baixa, você passa a ficar na mira da polícia, de ter de se
defender. Para a educação, tudo isso é muito ruim.
Se eu
somo isso com a declaração do general [Aléssio Ribeiro Souto, responsável pelo
plano de Bolsonaro para a educação] que queria que ensinassem o criacionismo na
educação básica, o que eu vejo é que o ponto crucial para o desenvolvimento
econômico do Brasil, que é a qualificação da mão de obra, em matérias
científicas, matemática, química, física e biologia, no ensino médio e até
antes dele, fica sob sério risco. Já temos uma dificuldade enorme de ter bons
professores de ciências no Ensino Médio. Às vezes, você tem turmas nas quais
não há professor para isso e é o professor de outra matéria que tem de
lecionar. Então, se além disso, você tiver a intenção de ensinar religião, pois
criacionismo é religião, e a profissão de professor estiver visada, por
exemplo, se alguém falar em Darwin e Teoria da Evolução puder ser denunciado ou
algo assim, vai ser ainda mais difícil de ter professores.
A atual onda política brasileira, seu resultado nas urnas e sua capacidade de pautar o debate público pode influenciar as instituições brasileiras em geral?
Renato Janine Ribeiro No caso do Legislativo e
do Executivo, eles já foram preenchidos com uma maioria extremista. Tirando os
governadores do Nordeste, você tem praticamente a eleição de governadores de
extrema direita. Mesmo quando você tem partidos tradicionais, como em São
Paulo, onde o governador eleito se colocou sob a égide do Bolsonaro. Ele se
separou da linhagem, dos conceitos e dos valores históricos do PSDB. Não tem
nada de social-democrata nele, que ele deve considerar algo de esquerda e
repudiar. No caso do Judiciário e do Ministério Público, há uma interferência
sim do poder Executivo na nomeação dos seus membros. Assim como os ministros
dos tribunais superiores são nomeados pelo presidente da República como o aval
praticamente automático do Senado, a mesma coisa para o procurador-geral da
República. Tudo indica que não vai mais haver um sistema de escolha pela
própria comunidade do seu chefe. Então, a interferência do Executivo nesses
poderes provavelmente vai ser muito grande.
--------------------------------
Por Camilo Rocha 30 Out 2018 (atualizado 31/Out 01h02) Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/10/30/Como-os-discursos-de-Bolsonaro-podem-afetar-a-sociedade?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo
Como os discursos de
Bolsonaro podem afetar a sociedade
Camilo Rocha
30 Out 2018 (atualizado 31/Out 01h02)
Em entrevista ao ‘Nexo’, ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro
analisa o acirramento das tensões entre eleitores e o clima pós-eleições
Eleições2018
Foto: Reprodução/YouTube
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
O discurso extremado de Jair Bolsonaro contra imprensa, organizações da
sociedade civil e adversários políticos é apontado como uma das
evidências de que sua chegada ao poder traz consigo riscos às
instituições democráticas.
Mas, para além das falas e ações do próprio presidente eleito, como sua
atitude se reflete no comportamento da sociedade? Sobre o tema, o Nexo
conversou com Renato Janine Ribeiro, professor de Ética do Departamento
de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação no segundo mandato de
Dilma Rousseff.
Isso diante de episódios recentes, que vão da autorização por parte de
juízes eleitorais de batidas policiais em universidades públicas, passam
pela criação de um canal de “denúncia” contra professores
“doutrinadores”, por ameaças a jornalistas e autoridades e desembocam,
também, em episódios de violência nas ruas.
A campanha e a vitória de Bolsonaro são elementos para constituição de
um clima de permissividade na sociedade em relação ao seu discurso, de
investidas contra o que chama de ‘comunistas’, por exemplo, e também
contra ativistas e minorias em geral?
Renato Janine Ribeiro Aparentemente sim. Como tudo isso é novo no
Brasil, é difícil de dizer. Tivemos uma ditadura, muita gente foi
perseguida, mas em nenhum momento ela teve um apoio popular comparável
ao que Bolsonaro teve nas eleições. Então, os grupos que o apoiaram com
mais intensidade parecem estar se sentindo autorizados a fazer vários
ataques.
No próprio caso da USP, uma página do Facebook teve mais de 2.000
confirmações no domingo (28), no sentido de fazer um ataque à Faculdade
de Filosofia que, ao tudo indica, a ação do reitor e da diretora da
faculdade impediram que ocorresse.
Por outro lado, é bom notar que nos dias anteriores e mesmo no dia da
eleição teve muito pouca gente nas ruas com propaganda de qualquer um
dos candidatos, camisetas, adesivos etc, ao contrário de eleições
anteriores. Na verdade, eu considero que, apesar da votação grande que
Bolsonaro teve, já no primeiro turno, não existe um entusiasmo social
tão grande a ponto de significar uma caça às bruxas generalizada. Me
parece mais possível que grupos pequenos, aguerridos, se sentindo
autorizados a atacar, participem disso. Mas eu não creio que isso
constitua um clima generalizado na sociedade de ódio ao que eles chamam
de esquerda.
A circulação de armas em ambientes públicos também pode ser impactada
mesmo sem mudanças formais na lei sobre armamentos?
Renato Janine Ribeiro Bom, isso continua proibido. Resta ver como vai
acontecer. Há pessoas fazendo várias coisas que não são permitidas. Há
pessoas que estão fazendo uso da violência e é provável que tenhamos
excessos desse tipo, mas não sabemos se vai perdurar ou não. Isso
depende da atuação de outros órgãos.
As instâncias superiores do Judiciário, na última semana, colocaram
limite na proibição de discussões de matéria política nas universidades.
Resta ver então se o Judiciário vai colocar um obstáculo ou não. Os
dois poderes eleitos, o Executivo e o Legislativo, foram maciçamente
tomados pelo grupo de Bolsonaro, pelo grupo mais conservador do Direito.
É curioso porque o Judiciário foi, de certa forma, o poder que
sobreviveu mais tempo ao “harakiri” efetuado nos últimos anos. Depois
que o Executivo se liquefez nos últimos anos, em parte com Dilma
Rousseff e Michel Temer, e o Legislativo também, com Eduardo Cunha, o
Judiciário assumiu um protagonismo, seja pelo Supremo, seja pelo juiz
Sérgio Moro. É difícil saber agora se o Judiciário vai retomar esse
protagonismo ou se vai ficar silencioso frente a essa situação.
Em um dos seus discursos da vitória, Bolsonaro disse que vai governar
para todos. Essas declarações podem limitar eventuais excessos, ou seria
preciso ser mais categórico?
Renato Janine Ribeiro Claro que precisaria ser mais categórico. Agora, o
fato é o seguinte: tivemos uma vitória acachapante da chamada extrema
direita. Acontece que esses grupos são muito despreparados para o
exercício do poder, inclusive para a gestão da economia.
Enquanto a antiga direita, podemos chamar de direita democrática, o PSDB
histórico e o MDB, foi praticamente esmagada, essa nova direita, mais
extremista, conseguiu uma votação extraordinária se beneficiando das
acusações de corrupção contra a antiga direita. Mas ela carece de
projetos. Ela se beneficiou do quê? De um lado, de uma pauta
anticorrupção a qual se somou uma pauta conservadora nos costumes. São
duas coisas diferentes, mas ficaram mais ou menos associadas. Como se
atacar a corrupção e atacar homossexuais fossem a mesma coisa.
Por outro lado, do ponto de vista econômico, eles são muito
despreparados. Pode parecer um pouco atrevido, mas de um modo geral,
tirando os economistas da educação, que estudam educação, os economistas
brasileiros são pouco preparados para uma pauta moderna. Estão muito
mais preocupados com o que o Estado deve ou não deve fazer do que com a
formação de uma mão de obra mais qualificada.
Em qualquer autor internacional, Neil Ferguson, por exemplo, referência
de um pensamento estritamente liberal, você vê que um dos pontos
cruciais é ter uma mão de obra qualificada graças à educação. Esse ponto
em nenhum momento esteve na pauta do candidato Bolsonaro, nem dos
outros candidatos que ganharam como [Wilson] Witzel, [João] Dória e
[Romeu] Zema. E esse é um ponto muito delicado, pois indica que eles não
sabem direito como governar. Então me parece que vão ter um período
todo de muita instabilidade, caminhando para um lado francamente mais
reacionário, da repressão aos costumes, repressão política, ou tentando
às vezes entrar numa pauta econômica, o que é muito difícil.
Mesmo os economistas mais respeitados do Brasil, se não forem
economistas da educação, têm dificuldades de sair da repetição, do
mantra da privatização, da desregulamentação, da reforma trabalhista,
que podem ter um papel para você ter, vamos dizer, um ambiente mais
pró-negócios, mas que não resolvem o problema de ter uma mão de obra que
está há 40, 50 anos estagnada na sua qualificação. Qualquer pessoa que
acompanha o debate internacional vê que o debate brasileiro de economia
está defasado. Ele já estava defasado com o governo Temer, e com este
governo também fica. Mas acho que o crucial é, se nem os economistas do
governo Temer souberam reconhecer a importância da educação para a
economia, nesses governos novos vai ser ainda mais difícil. Acho que vão
fazer muitas experiências. Os dois discursos do Bolsonaro ilustram essa
dificuldade: governar com a pauta do combate, da destruição do inimigo,
e governar para todos -- ocasião em que você não pode mais falar em
inimigo, porque você governa para todos.
Uma deputada catarinense criou um canal de denúncias contra o que chama
de doutrinação de esquerda em sala de aula, incorporando um discurso que
foi recorrente na campanha do presidente eleito. Qual impacto que
atitudes dessa natureza podem ter no ambiente educacional?
Renato Janine Ribeiro Esse é o problema de toda a dinâmica da chamada
Escola Sem Partido, que na verdade é uma escola doutrinadora, com
partido, apenas não aceita uma visão de mundo que é diferente da dela. O
problema crucial que vejo nisso é o seguinte: você teve toda uma
deterioração do prestígio do papel do professor.
Houve perda de poder aquisitivo, sobretudo na educação básica, que é
realmente essencial porque é aí que você gera a gigantesca desigualdade
que há no Brasil. É aí também que você inibe e destrói uma quantidade
enorme de talentos, que nunca chegam a ser descobertos. Então, houve um
desprestígio nisso.
Eu entendo esses canais de denúncia como um fator a mais para tornar a
profissão de professor pouco atrativa. Além de você receber pouco, além
de ter uma valorização social baixa, você passa a ficar na mira da
polícia, de ter de se defender. Para a educação, tudo isso é muito ruim.
Se eu somo isso com a declaração do general [Aléssio Ribeiro Souto,
responsável pelo plano de Bolsonaro para a educação] que queria que
ensinassem o criacionismo na educação básica, o que eu vejo é que o
ponto crucial para o desenvolvimento econômico do Brasil, que é a
qualificação da mão de obra, em matérias científicas, matemática,
química, física e biologia, no ensino médio e até antes dele, fica sob
sério risco. Já temos uma dificuldade enorme de ter bons professores de
ciências no Ensino Médio. Às vezes, você tem turmas nas quais não há
professor para isso e é o professor de outra matéria que tem de
lecionar. Então, se além disso, você tiver a intenção de ensinar
religião, pois criacionismo é religião, e a profissão de professor
estiver visada, por exemplo, se alguém falar em Darwin e Teoria da
Evolução puder ser denunciado ou algo assim, vai ser ainda mais difícil
de ter professores.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/10/30/Como-os-discursos-de-Bolsonaro-podem-afetar-a-sociedade?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo
© 2018 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
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Como os discursos de
Bolsonaro podem afetar a sociedade
Camilo Rocha
30 Out 2018 (atualizado 31/Out 01h02)
Em entrevista ao ‘Nexo’, ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro
analisa o acirramento das tensões entre eleitores e o clima pós-eleições
Eleições2018
Foto: Reprodução/YouTube
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
O discurso extremado de Jair Bolsonaro contra imprensa, organizações da
sociedade civil e adversários políticos é apontado como uma das
evidências de que sua chegada ao poder traz consigo riscos às
instituições democráticas.
Mas, para além das falas e ações do próprio presidente eleito, como sua
atitude se reflete no comportamento da sociedade? Sobre o tema, o Nexo
conversou com Renato Janine Ribeiro, professor de Ética do Departamento
de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação no segundo mandato de
Dilma Rousseff.
Isso diante de episódios recentes, que vão da autorização por parte de
juízes eleitorais de batidas policiais em universidades públicas, passam
pela criação de um canal de “denúncia” contra professores
“doutrinadores”, por ameaças a jornalistas e autoridades e desembocam,
também, em episódios de violência nas ruas.
A campanha e a vitória de Bolsonaro são elementos para constituição de
um clima de permissividade na sociedade em relação ao seu discurso, de
investidas contra o que chama de ‘comunistas’, por exemplo, e também
contra ativistas e minorias em geral?
Renato Janine Ribeiro Aparentemente sim. Como tudo isso é novo no
Brasil, é difícil de dizer. Tivemos uma ditadura, muita gente foi
perseguida, mas em nenhum momento ela teve um apoio popular comparável
ao que Bolsonaro teve nas eleições. Então, os grupos que o apoiaram com
mais intensidade parecem estar se sentindo autorizados a fazer vários
ataques.
No próprio caso da USP, uma página do Facebook teve mais de 2.000
confirmações no domingo (28), no sentido de fazer um ataque à Faculdade
de Filosofia que, ao tudo indica, a ação do reitor e da diretora da
faculdade impediram que ocorresse.
Por outro lado, é bom notar que nos dias anteriores e mesmo no dia da
eleição teve muito pouca gente nas ruas com propaganda de qualquer um
dos candidatos, camisetas, adesivos etc, ao contrário de eleições
anteriores. Na verdade, eu considero que, apesar da votação grande que
Bolsonaro teve, já no primeiro turno, não existe um entusiasmo social
tão grande a ponto de significar uma caça às bruxas generalizada. Me
parece mais possível que grupos pequenos, aguerridos, se sentindo
autorizados a atacar, participem disso. Mas eu não creio que isso
constitua um clima generalizado na sociedade de ódio ao que eles chamam
de esquerda.
A circulação de armas em ambientes públicos também pode ser impactada
mesmo sem mudanças formais na lei sobre armamentos?
Renato Janine Ribeiro Bom, isso continua proibido. Resta ver como vai
acontecer. Há pessoas fazendo várias coisas que não são permitidas. Há
pessoas que estão fazendo uso da violência e é provável que tenhamos
excessos desse tipo, mas não sabemos se vai perdurar ou não. Isso
depende da atuação de outros órgãos.
As instâncias superiores do Judiciário, na última semana, colocaram
limite na proibição de discussões de matéria política nas universidades.
Resta ver então se o Judiciário vai colocar um obstáculo ou não. Os
dois poderes eleitos, o Executivo e o Legislativo, foram maciçamente
tomados pelo grupo de Bolsonaro, pelo grupo mais conservador do Direito.
É curioso porque o Judiciário foi, de certa forma, o poder que
sobreviveu mais tempo ao “harakiri” efetuado nos últimos anos. Depois
que o Executivo se liquefez nos últimos anos, em parte com Dilma
Rousseff e Michel Temer, e o Legislativo também, com Eduardo Cunha, o
Judiciário assumiu um protagonismo, seja pelo Supremo, seja pelo juiz
Sérgio Moro. É difícil saber agora se o Judiciário vai retomar esse
protagonismo ou se vai ficar silencioso frente a essa situação.
Em um dos seus discursos da vitória, Bolsonaro disse que vai governar
para todos. Essas declarações podem limitar eventuais excessos, ou seria
preciso ser mais categórico?
Renato Janine Ribeiro Claro que precisaria ser mais categórico. Agora, o
fato é o seguinte: tivemos uma vitória acachapante da chamada extrema
direita. Acontece que esses grupos são muito despreparados para o
exercício do poder, inclusive para a gestão da economia.
Enquanto a antiga direita, podemos chamar de direita democrática, o PSDB
histórico e o MDB, foi praticamente esmagada, essa nova direita, mais
extremista, conseguiu uma votação extraordinária se beneficiando das
acusações de corrupção contra a antiga direita. Mas ela carece de
projetos. Ela se beneficiou do quê? De um lado, de uma pauta
anticorrupção a qual se somou uma pauta conservadora nos costumes. São
duas coisas diferentes, mas ficaram mais ou menos associadas. Como se
atacar a corrupção e atacar homossexuais fossem a mesma coisa.
Por outro lado, do ponto de vista econômico, eles são muito
despreparados. Pode parecer um pouco atrevido, mas de um modo geral,
tirando os economistas da educação, que estudam educação, os economistas
brasileiros são pouco preparados para uma pauta moderna. Estão muito
mais preocupados com o que o Estado deve ou não deve fazer do que com a
formação de uma mão de obra mais qualificada.
Em qualquer autor internacional, Neil Ferguson, por exemplo, referência
de um pensamento estritamente liberal, você vê que um dos pontos
cruciais é ter uma mão de obra qualificada graças à educação. Esse ponto
em nenhum momento esteve na pauta do candidato Bolsonaro, nem dos
outros candidatos que ganharam como [Wilson] Witzel, [João] Dória e
[Romeu] Zema. E esse é um ponto muito delicado, pois indica que eles não
sabem direito como governar. Então me parece que vão ter um período
todo de muita instabilidade, caminhando para um lado francamente mais
reacionário, da repressão aos costumes, repressão política, ou tentando
às vezes entrar numa pauta econômica, o que é muito difícil.
Mesmo os economistas mais respeitados do Brasil, se não forem
economistas da educação, têm dificuldades de sair da repetição, do
mantra da privatização, da desregulamentação, da reforma trabalhista,
que podem ter um papel para você ter, vamos dizer, um ambiente mais
pró-negócios, mas que não resolvem o problema de ter uma mão de obra que
está há 40, 50 anos estagnada na sua qualificação. Qualquer pessoa que
acompanha o debate internacional vê que o debate brasileiro de economia
está defasado. Ele já estava defasado com o governo Temer, e com este
governo também fica. Mas acho que o crucial é, se nem os economistas do
governo Temer souberam reconhecer a importância da educação para a
economia, nesses governos novos vai ser ainda mais difícil. Acho que vão
fazer muitas experiências. Os dois discursos do Bolsonaro ilustram essa
dificuldade: governar com a pauta do combate, da destruição do inimigo,
e governar para todos -- ocasião em que você não pode mais falar em
inimigo, porque você governa para todos.
Uma deputada catarinense criou um canal de denúncias contra o que chama
de doutrinação de esquerda em sala de aula, incorporando um discurso que
foi recorrente na campanha do presidente eleito. Qual impacto que
atitudes dessa natureza podem ter no ambiente educacional?
Renato Janine Ribeiro Esse é o problema de toda a dinâmica da chamada
Escola Sem Partido, que na verdade é uma escola doutrinadora, com
partido, apenas não aceita uma visão de mundo que é diferente da dela. O
problema crucial que vejo nisso é o seguinte: você teve toda uma
deterioração do prestígio do papel do professor.
Houve perda de poder aquisitivo, sobretudo na educação básica, que é
realmente essencial porque é aí que você gera a gigantesca desigualdade
que há no Brasil. É aí também que você inibe e destrói uma quantidade
enorme de talentos, que nunca chegam a ser descobertos. Então, houve um
desprestígio nisso.
Eu entendo esses canais de denúncia como um fator a mais para tornar a
profissão de professor pouco atrativa. Além de você receber pouco, além
de ter uma valorização social baixa, você passa a ficar na mira da
polícia, de ter de se defender. Para a educação, tudo isso é muito ruim.
Se eu somo isso com a declaração do general [Aléssio Ribeiro Souto,
responsável pelo plano de Bolsonaro para a educação] que queria que
ensinassem o criacionismo na educação básica, o que eu vejo é que o
ponto crucial para o desenvolvimento econômico do Brasil, que é a
qualificação da mão de obra, em matérias científicas, matemática,
química, física e biologia, no ensino médio e até antes dele, fica sob
sério risco. Já temos uma dificuldade enorme de ter bons professores de
ciências no Ensino Médio. Às vezes, você tem turmas nas quais não há
professor para isso e é o professor de outra matéria que tem de
lecionar. Então, se além disso, você tiver a intenção de ensinar
religião, pois criacionismo é religião, e a profissão de professor
estiver visada, por exemplo, se alguém falar em Darwin e Teoria da
Evolução puder ser denunciado ou algo assim, vai ser ainda mais difícil
de ter professores.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/10/30/Como-os-discursos-de-Bolsonaro-podem-afetar-a-sociedade?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo
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Como os discursos de
Bolsonaro podem afetar a sociedade
Camilo Rocha
30 Out 2018 (atualizado 31/Out 01h02)
Em entrevista ao ‘Nexo’, ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro
analisa o acirramento das tensões entre eleitores e o clima pós-eleições
Eleições2018
Foto: Reprodução/YouTube
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
Transmitido pelo celular, Jair Bolsonaro faz discurso a apoiadores
concentrados em SP, em 21 de outubro, e afirma que vai ‘varrer do mapa’
os ‘bandidos vermelhos’
O discurso extremado de Jair Bolsonaro contra imprensa, organizações da
sociedade civil e adversários políticos é apontado como uma das
evidências de que sua chegada ao poder traz consigo riscos às
instituições democráticas.
Mas, para além das falas e ações do próprio presidente eleito, como sua
atitude se reflete no comportamento da sociedade? Sobre o tema, o Nexo
conversou com Renato Janine Ribeiro, professor de Ética do Departamento
de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação no segundo mandato de
Dilma Rousseff.
Isso diante de episódios recentes, que vão da autorização por parte de
juízes eleitorais de batidas policiais em universidades públicas, passam
pela criação de um canal de “denúncia” contra professores
“doutrinadores”, por ameaças a jornalistas e autoridades e desembocam,
também, em episódios de violência nas ruas.
A campanha e a vitória de Bolsonaro são elementos para constituição de
um clima de permissividade na sociedade em relação ao seu discurso, de
investidas contra o que chama de ‘comunistas’, por exemplo, e também
contra ativistas e minorias em geral?
Renato Janine Ribeiro Aparentemente sim. Como tudo isso é novo no
Brasil, é difícil de dizer. Tivemos uma ditadura, muita gente foi
perseguida, mas em nenhum momento ela teve um apoio popular comparável
ao que Bolsonaro teve nas eleições. Então, os grupos que o apoiaram com
mais intensidade parecem estar se sentindo autorizados a fazer vários
ataques.
No próprio caso da USP, uma página do Facebook teve mais de 2.000
confirmações no domingo (28), no sentido de fazer um ataque à Faculdade
de Filosofia que, ao tudo indica, a ação do reitor e da diretora da
faculdade impediram que ocorresse.
Por outro lado, é bom notar que nos dias anteriores e mesmo no dia da
eleição teve muito pouca gente nas ruas com propaganda de qualquer um
dos candidatos, camisetas, adesivos etc, ao contrário de eleições
anteriores. Na verdade, eu considero que, apesar da votação grande que
Bolsonaro teve, já no primeiro turno, não existe um entusiasmo social
tão grande a ponto de significar uma caça às bruxas generalizada. Me
parece mais possível que grupos pequenos, aguerridos, se sentindo
autorizados a atacar, participem disso. Mas eu não creio que isso
constitua um clima generalizado na sociedade de ódio ao que eles chamam
de esquerda.
A circulação de armas em ambientes públicos também pode ser impactada
mesmo sem mudanças formais na lei sobre armamentos?
Renato Janine Ribeiro Bom, isso continua proibido. Resta ver como vai
acontecer. Há pessoas fazendo várias coisas que não são permitidas. Há
pessoas que estão fazendo uso da violência e é provável que tenhamos
excessos desse tipo, mas não sabemos se vai perdurar ou não. Isso
depende da atuação de outros órgãos.
As instâncias superiores do Judiciário, na última semana, colocaram
limite na proibição de discussões de matéria política nas universidades.
Resta ver então se o Judiciário vai colocar um obstáculo ou não. Os
dois poderes eleitos, o Executivo e o Legislativo, foram maciçamente
tomados pelo grupo de Bolsonaro, pelo grupo mais conservador do Direito.
É curioso porque o Judiciário foi, de certa forma, o poder que
sobreviveu mais tempo ao “harakiri” efetuado nos últimos anos. Depois
que o Executivo se liquefez nos últimos anos, em parte com Dilma
Rousseff e Michel Temer, e o Legislativo também, com Eduardo Cunha, o
Judiciário assumiu um protagonismo, seja pelo Supremo, seja pelo juiz
Sérgio Moro. É difícil saber agora se o Judiciário vai retomar esse
protagonismo ou se vai ficar silencioso frente a essa situação.
Em um dos seus discursos da vitória, Bolsonaro disse que vai governar
para todos. Essas declarações podem limitar eventuais excessos, ou seria
preciso ser mais categórico?
Renato Janine Ribeiro Claro que precisaria ser mais categórico. Agora, o
fato é o seguinte: tivemos uma vitória acachapante da chamada extrema
direita. Acontece que esses grupos são muito despreparados para o
exercício do poder, inclusive para a gestão da economia.
Enquanto a antiga direita, podemos chamar de direita democrática, o PSDB
histórico e o MDB, foi praticamente esmagada, essa nova direita, mais
extremista, conseguiu uma votação extraordinária se beneficiando das
acusações de corrupção contra a antiga direita. Mas ela carece de
projetos. Ela se beneficiou do quê? De um lado, de uma pauta
anticorrupção a qual se somou uma pauta conservadora nos costumes. São
duas coisas diferentes, mas ficaram mais ou menos associadas. Como se
atacar a corrupção e atacar homossexuais fossem a mesma coisa.
Por outro lado, do ponto de vista econômico, eles são muito
despreparados. Pode parecer um pouco atrevido, mas de um modo geral,
tirando os economistas da educação, que estudam educação, os economistas
brasileiros são pouco preparados para uma pauta moderna. Estão muito
mais preocupados com o que o Estado deve ou não deve fazer do que com a
formação de uma mão de obra mais qualificada.
Em qualquer autor internacional, Neil Ferguson, por exemplo, referência
de um pensamento estritamente liberal, você vê que um dos pontos
cruciais é ter uma mão de obra qualificada graças à educação. Esse ponto
em nenhum momento esteve na pauta do candidato Bolsonaro, nem dos
outros candidatos que ganharam como [Wilson] Witzel, [João] Dória e
[Romeu] Zema. E esse é um ponto muito delicado, pois indica que eles não
sabem direito como governar. Então me parece que vão ter um período
todo de muita instabilidade, caminhando para um lado francamente mais
reacionário, da repressão aos costumes, repressão política, ou tentando
às vezes entrar numa pauta econômica, o que é muito difícil.
Mesmo os economistas mais respeitados do Brasil, se não forem
economistas da educação, têm dificuldades de sair da repetição, do
mantra da privatização, da desregulamentação, da reforma trabalhista,
que podem ter um papel para você ter, vamos dizer, um ambiente mais
pró-negócios, mas que não resolvem o problema de ter uma mão de obra que
está há 40, 50 anos estagnada na sua qualificação. Qualquer pessoa que
acompanha o debate internacional vê que o debate brasileiro de economia
está defasado. Ele já estava defasado com o governo Temer, e com este
governo também fica. Mas acho que o crucial é, se nem os economistas do
governo Temer souberam reconhecer a importância da educação para a
economia, nesses governos novos vai ser ainda mais difícil. Acho que vão
fazer muitas experiências. Os dois discursos do Bolsonaro ilustram essa
dificuldade: governar com a pauta do combate, da destruição do inimigo,
e governar para todos -- ocasião em que você não pode mais falar em
inimigo, porque você governa para todos.
Uma deputada catarinense criou um canal de denúncias contra o que chama
de doutrinação de esquerda em sala de aula, incorporando um discurso que
foi recorrente na campanha do presidente eleito. Qual impacto que
atitudes dessa natureza podem ter no ambiente educacional?
Renato Janine Ribeiro Esse é o problema de toda a dinâmica da chamada
Escola Sem Partido, que na verdade é uma escola doutrinadora, com
partido, apenas não aceita uma visão de mundo que é diferente da dela. O
problema crucial que vejo nisso é o seguinte: você teve toda uma
deterioração do prestígio do papel do professor.
Houve perda de poder aquisitivo, sobretudo na educação básica, que é
realmente essencial porque é aí que você gera a gigantesca desigualdade
que há no Brasil. É aí também que você inibe e destrói uma quantidade
enorme de talentos, que nunca chegam a ser descobertos. Então, houve um
desprestígio nisso.
Eu entendo esses canais de denúncia como um fator a mais para tornar a
profissão de professor pouco atrativa. Além de você receber pouco, além
de ter uma valorização social baixa, você passa a ficar na mira da
polícia, de ter de se defender. Para a educação, tudo isso é muito ruim.
Se eu somo isso com a declaração do general [Aléssio Ribeiro Souto,
responsável pelo plano de Bolsonaro para a educação] que queria que
ensinassem o criacionismo na educação básica, o que eu vejo é que o
ponto crucial para o desenvolvimento econômico do Brasil, que é a
qualificação da mão de obra, em matérias científicas, matemática,
química, física e biologia, no ensino médio e até antes dele, fica sob
sério risco. Já temos uma dificuldade enorme de ter bons professores de
ciências no Ensino Médio. Às vezes, você tem turmas nas quais não há
professor para isso e é o professor de outra matéria que tem de
lecionar. Então, se além disso, você tiver a intenção de ensinar
religião, pois criacionismo é religião, e a profissão de professor
estiver visada, por exemplo, se alguém falar em Darwin e Teoria da
Evolução puder ser denunciado ou algo assim, vai ser ainda mais difícil
de ter professores.
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