Lya Luft*
De volta ao Brasil para votar, depois
de muito necessárias férias, que há séculos não tirávamos, entrei num
turbilhão que, de longe, mesmo com internet, não me parecia tão nocivo.
Mas foi pior do que eu pensava: raiva, ódio, insultos, calúnias,
intolerância absoluta, mentiras, dissolução de laços bem bonitos e
dignos entre amigos e família - por causa da política. Dos políticos. De
nós mesmos, que nos tornamos raivosos, intolerantes, capazes das mais
loucas afirmações. Expressamos nessa batalha muito de nossas mágoas e
frustrações.
Mas, inesperadamente, no Face, encontro uma imagem
linda, comovente, quase irreal neste mundo que anda pra lá de besta: uma
camiseta, um elefante (meu bicho preferido), com flores atrás de uma
orelha, óculos coloridos, e a legenda (estou traduzindo): "NUM MUNDO EM
QUE VOCÊ PODE SER QUALQUER COISA, SEJA GENTIL". Ou, se quiserem, seja
bondoso. Tolerante. Humano.
A violência desde sempre me assusta: não precisa ser a
física, de um tapa, um empurrão, uma voz alterada, mas a emocional, da
acusação injusta, da invencionice maligna, da desconsideração com
humanidade, cortesia, e democracia - ah, a palavra tão usada, mal usada,
abusada.
Os que a defendem são muitas vezes os mais
intolerantes, arrogantes e ignorantes que não conhecem nem medem o peso
das palavras (dizia meu pai, "o pior burro é o burro falante"): correto é
só o que eu penso, bom é só o que eu faço, o resto é tudo bandido,
fascista, maldoso, ignorante, explorador de pobres e desvalidos, pisa em
cima da cultura, despreza a saúde etc, etc, etc. (Poderia ser uma linha
inteira de etcs.)
Basta refletir um pouco, abrir olhos e orelhas, ver que
estamos numa situação-limite. Este pobre país nunca esteve tão por
baixo, com tantos miseráveis, doentes não atendidos, podridão em vez de
saneamento (sem falar na podridão moral), desrespeito, precariedade em
vez de infraestrutura, cultura muito esquisita, e a maioria sem saber o
que pensar. Ou começando a pensar, o que é bom. Pois andam acontecendo
mudanças no país, e há quem comece a respirar: será mesmo, será?
Então resolvi hoje falar dessa camiseta, desse
elefantinho, dessa gentileza que deveria ser o habitual, e acho que não
é. Na maioria das vezes, em família, amigos, trabalho, não acontece
muito, e quando ocorre até nos admiramos: olha só, que cara educado,
bondoso, camarada. A gente se sente bem com ele, e não é artificial, nem
imposto. O beijo de bom-dia em casa, alguma indagação sobre como foi a
noite, ou a festa, ou como poderá ser a prova na escola, o novo amigo,
ou o ombro que ontem doía tanto. Pequenas, miúdas coisas que fazem a
vida, uma vida boa, uma vida humana como deveria ser: pausas para
respirar, para se olhar, para escutar... para reencontrar com prazer.
Claro que a vida não é esse mar de rosas e risos. Mas
pode ser, muito mais vezes do que tem sido. Podemos tentar viver e
conviver, e votar, e torcer, e trabalhar, estudar, viajar, comer,
dormir, sem o incrível estresse da raiva, do xingamento, do insulto, e
dos maus desejos e da desinformação fatal.
Viva o elefantinho que nos propõe: neste vasto mundo em que você pode fazer tantas coisas, seja bondoso, seja gentil. Be kind.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=61814e9a6d466ed8bdbf59d6cf0410b5 13/10/2018
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