Lya Luft*
"De que a senhora tem medo?", foi a pergunta bastante original numa dessas entrevistas recentes.
Pensei e disse: morro de medo de muita coisa, mas acho
que, com o tempo, passei a ser mais corajosa (e achei, eu mesma, graça
do que dizia). Principalmente, medo de qualquer mal que possa acontecer a
pessoas que eu amo. Acidente, assalto, doença. Sei o que é sentir-se
impotente quando algo gravíssimo acontece com alguma delas. No fundo
mais fundo da mente, vem a indagação insensata e tola, mas pungente:
como não pude proteger meu filho adulto de uma morte súbita no mar que
ele amava?
Disfarçamos nossos tantos medos. Fingimos ser
superiores, batendo grandes papos sobre dinheiro, futebol, sacanagem,
política, ninguém levando porrada - como diria Fernando, o Pessoa.
Empregamos palavras grandiosas, até solenes, que usamos como tapa-olhos
ou máscaras para que a verdade não nos cuspa na cara, e nos defendemos
do rumor que nos ameaça botando fones de ouvido enquanto caminhamos na
esteira, para ficarmos em forma.
Mas, individualmente, temos medo e solidão; como país,
presenciamos escândalos nunca antes vistos. A violência é cotidiana, o
narcotráfico nos ameaça, mais pessoas foram assassinadas por aqui do que
nas guerras ao redor do mundo nos últimos anos. Andamos encolhidos
dentro de casa. Estão cada vez mais altos os muros do medo e do
silêncio.
A gente se lamenta, dá palpites e entrevistas, organiza
seminários. Resultado? Parece que nenhum. Eleições estão próximas?
Melhor não saber. Mas sou da tribo (não tão pequena) dos que não se
conformam. Não acredito em revolução a não ser pessoal. Em algumas
coisas, sou antipaticamente individualista. Quando reuniões, comissões,
projetos e planos não resolvem - é o mais comum -, pode-se tentar o mais
simples. Às vezes, ser simples é original: começar pela gente mesmo. Em
casa. Com as drogas, por exemplo, por que não?
Cada vez que, seja por trágica dependência, seja por
aquilo que minha velha mãe chamava "fazer-se de interessante", um de nós
consome uma droga qualquer (mesmo o cigarrinho de maconha dividido com a
turma), está botando no cano de uma arma a bala - perdida ou não - que
vai matar uma criança, uma mãe de família, um trabalhador. Nosso filho,
quem sabe.
Há quem me deteste por essas afirmações, dizendo que
sou moralista, radical. Não sou. Apenas observo, acompanho, muito drama
desnecessário, talvez evitável - mas a gente preferia ignorar o abismo.
Há muitos anos, visitei várias vezes uma famosa clínica de reabilitação
em São Paulo. Alguém muito querido de amigos meus estava lá internado, e
voltava com frequência. O que vi, senti, me disseram e eu mesma
presenciei nunca vai me deixar.
Num jantar, há muitos anos, um conhecido desabafou com
grande culpa que costumava fazer-se de pai amigão fumando maconha com os
filhos adolescentes, para estar mais próximo deles. Um dos meninos
sofreu gravíssimos problemas de adicção pelo resto da vida, morreu de
overdose e nem todo o amor dos pais, dos irmãos, ajudou em nada.
Sim, a vida pode ser muito cruel. Nas tragédias
familiares, só há vítimas, embora alguns devam ser mais responsáveis do
que outros. Não tem graça nenhuma brincar na beira do abismo.
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* Escritora
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e91fba7eb422ffc12f8c1eb867844025
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