Luís Lamb*
Os países líderes em inteligência artificial – EUA, China, Reino Unido, Canadá e Israel – têm agendas de longo prazo para o setor. Os Emirados Árabes Unidos estabeleceram o Ministério da Inteligência Artificial. Em março deste ano, a França anunciou plano de 1,5 bilhão de euros
Historicamente, o ser humano mostra fascinação com sua forma de pensar. No Ocidente,
pelo menos a partir de Aristóteles (aliás, influente até hoje),
Leibniz, Boole, Frege, Russell, Gödel e Turing dedicaram parte de suas
brilhantes vidas à análise do pensamento. Foram além, e imaginaram
construir máquinas que melhorassem a capacidade da nossa mente, como
vislumbrou Leibniz. Sobreviveram a inúmeros debates e frustrações, ainda
maiores, acerca das inconsistências do pensamento, da lógica e de suas
próprias existências. Não obstante, a busca pela construção de máquinas
que “pensassem” prosperou.
Diante da urgência da II Guerra Mundial,
coube à Grã-Bretanha a liderança contra o nazismo na Europa. Para esta
hercúlea missão, conceberam a Station X, em Blechley Park. Lá, a partir
do trabalho de Turing e de centenas de mentes lógicas brilhantes,
construíram os primeiros computadores, entre eles o Colossus, destinados
inicialmente a decifrar os códigos secretos alemães. Churchill
posteriormente exaltou os esforços desses pioneiros da Ciência da
Computação que, segundo o grande estadista, reduziram a guerra em pelo
menos dois anos, salvando milhões de vidas.
Após
o esforço de guerra, Alan Turing refletiu sobre a possibilidade de
construir thinking machines – máquinas que pensassem. Ao final de sua
trágica e curtíssima vida de apenas 42 anos, publicou os primeiros
artigos sobre inteligência de máquina, deixando um grande legado e
questões em aberto. Pouco tempo depois, em 1956, foi organizado o
primeiro seminário sobre Inteligência Artificial (I.A.) em Dartmouth,
com participação de luminares da ciência, entre eles Herbert Simon, Prêmio Nobel
de Economia em 1978, e Marvin Minsky, que seria consultor do cineasta
Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço. Simon viria a prever
que as máquinas poderiam realizar, em 20 anos, qualquer trabalho humano.
A previsão foi, certamente, muito otimista.
Nos anos 1960, a corrida espacial, alimentada no ambiente da Guerra Fria,
impulsionou o surgimento de computadores ainda mais poderosos. Pari
passu, a evolução da Ciência da Computação mantinha acesa a chama da
questão proposta por Turing: será que máquinas podem pensar?
Cogito, ergo sum.” (Penso, logo existo.)
DESCARTES (1596-1650)
Limitada
pela tecnologia dos computadores nos anos 1970 e 80, a I.A. atravessou
alguns invernos, veio a confrontar, perder e, finalmente, derrotar o
gênio do xadrez Gary Kasparov em 1997 e chega aos dias de hoje como
temática da ONU e do Fórum Econômico Mundial de Davos; notadamente, há
grande preocupação sobre o futuro do trabalho. Inúmeras profissões
simplesmente desaparecerão; muitas outras, baseadas no conhecimento,
ainda nem existem.
No século
21, a I.A. aprendeu a jogar pôquer e derrotou seres humanos no popular
programa de perguntas e respostas da TV americana conhecido como
Jeopardy!. Em 2016, o programa conhecido como AlphaGo, concebido pela
inglesa DeepMind (hoje adquirida pela gigante Google), surpreendeu e
assustou chineses e coreanos aos bater os melhores jogadores do mundo de
Go, um jogo de tabuleiro culturalmente associado à inteligência humana
no Extremo Oriente. Atualmente, os melhores programas de I.A. para jogos
de tabuleiro simplesmente dispensam a interação com seres humanos,
aprendem de forma autônoma e competem entre si. Esses programas
apresentam desempenho “super-humano”, muito além das nossas habilidades.
Cogito, ergo sum.
Mas
o progresso da I.A. vai muito além dos desafios lógicos. Todas as
montadoras (associadas a grandes empresas de tecnologia) hoje investem
nos veículos autônomos; a indústria farmacêutica aderiu à aprendizagem
de máquina e à ciência de dados para desenvolvimento de medicamentos; o
setor bancário hoje é denominado fintech, e quem não for fintech, dizem,
simplesmente estará fora do mercado. Estamos provavelmente vivendo um
momento análogo ao surgimento da web, que revolucionou as relações
sociais, culturais e econômicas. Desta vez, estima-se que o impacto da
I.A. sobre a humanidade, em todas as áreas, será ainda maior do que o
surgimento da web.
O
progresso e impacto econômico, social, cultural e político tem sido tão
espetacular que mais de 30 países já têm estratégias e políticas
nacionais de I.A. Se no passado havia políticas industriais, hoje temos a
urgência das políticas de I.A. Os países líderes na área – EUA, China, Reino Unido, Canadá e Israel –
têm agendas de longo prazo. Os Emirados Árabes Unidos estabeleceram o
Ministério da Inteligência Artificial. Em março deste ano, o presidente
francês Emmanuel Macron anunciou plano de 1,5 bilhão de euros, dizendo
não querer formar talentos que emigrem para os polos de I.A. Agora em
novembro, a Alemanha apresentou sua estratégia nacional, com um
investimento de 3 bilhões de euros.
Morto recentemente, Stephen Hawking temia pelo futuro da humanidade na sociedade da I.A.; Bill Gates,
no entanto, acredita que a I.A. nos permitirá fazer mais com menos.
Sejamos otimistas. Turing concluiu seu artigo pioneiro sobre
inteligência de máquina afirmando que enxergava uma curta distância à
sua frente, mas que havia muito por fazer. A história recente mostra que
há muito a fazer e que Turing estava certo. Mas não sabemos ainda o
quanto caberá, a nós, humanos, ou se a I.A. fará pela humanidade.
-----------* PhD em Ciência da Computação pelo Imperial College London e Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS
Fonte:https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2018/11/a-sociedade-da-inteligencia-artificial-cjp480aoh0htn01rxooyjrklk.html
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