Há um Deus? Como tudo começou? É possível viajar no tempo? Podemos
prever o futuro? O que tem um buraco negro. O último livro que Stephen Hawking
escreveu antes de morrer explicado por especialistas.
Já foi publicado o livro que Stephen Hawking estava a escrever
antes de morrer, a 14 de março de 2018. “Brief Answers to the Big Questions”
tem 230 páginas ao longo das quais um dos mais consagrados cientistas da
modernidade disserta sobre as grandes questões da humanidade em busca de
respostas. Hawking escolheu dez temas: fala dos buracos negros, da existência
de Deus, do Big Bang, do futuro e das viagens no tempo. E também da vida
inteligente, da necessidade de colonizar o espaço, ou daquilo que devemos
esperar do futuro. E ainda da escassez de tempo: “Tenho bem noção da
preciosidade que o tempo é. Aproveite o momento. Aja agora”.
O Observador reuniu com físicos teóricos, cosmólogos e investigadores
portugueses para traduzir os pensamentos de Stephen Hawking, numa espécie de
dicionário hawkinguês-português. É uma viagem pela mente de um
génio e sobre cinco dos grandes temas deste seu livro póstumo. As respostas de
que precisa para a viver em pleno segundo ele podem ter respostas curtas ou
longas. Mas estas últimas são devidamente explicadas pelos especialistas.
Há um Deus?
Resposta curta
Não.
Resposta longa
Nem sempre Stephen Hawking negou completamente a existência de Deus,
recorda Paulo Crawford, professor do departamento de física da Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa, ao Observador. Nunca foi
verdadeiramente religioso, mas houve uma fase em que os pensamentos que nutria
sobre o assunto eram próximas das que Albert Einstein tinha: “Einstein refere
Deus muitas vezes, mas é um Deus muito especial que é o de Espinosa. E há uma
fase do Hawking em que ele se manifestava mais ou menos dessa forma”, explica o
professor.
Só na fase final da vida é que “praticamente anula Deus” das equações, tanto que quando está em busca da origem do universo fá-lo como algo
que brotou espontaneamente, não que nasceu das mãos de um Deus: “Eu acho que o
universo foi criado espontaneamente a partir do nada”, diz ele neste livro
póstumo “Brief Answers to the Big Questions”.
Só na
fase final da vida é que Hawking "praticamente anula Deus" das
equações, tanto que quando está em busca da origem do universo fá-lo como algo
que brotou espontaneamente, não que nasceu das mãos de um Deus: "Eu acho
que o universo foi criado espontaneamente a partir do nada", diz ele.
Há dois motivos para Stephen Hawking chegar a essa conclusão. O primeiro
é que seria improvável que houvesse uma entidade superior com quem a humanidade
pudesse manter uma relação pessoal, argumenta: “Quando se olha para o vasto
tamanho do universo e o quão insignificante e acidental a vida humana é dentro
dele, isso parece muito pouco plausível”, defende. Na melhor das
hipóteses, Hawking diz que se podia definir Deus como “uma incorporação
das leis da natureza” porque “conhecer a mente de Deus é conhecer as leis
da natureza”.
O segundo motivo é que Deus não existe porque a existência dele não é
necessária, acreditava Hawking. Imagine um homem que está numa
planície e quer criar um monte, que simboliza o universo. Para tal ele começa a
escavar o chão e usa a terra que compõe o solo construir esse monte. Ao
mesmo tempo que cria o monte a partir da terra que está no chão, o homem está
necessariamente a criar um buraco, que é “uma versão negativa do
monte”. Então, conclui ele, se o universo se soma em nada, “não
precisamos de Deus para criá-lo”.
O que é que desencadeou a origem do universo, então? Nada, segundo Hawking. Pense no universo como um filme em cassete
que é posto dentro de um leitor de vídeo. Sabemos que à medida que o filme anda
para frente o universo vai expandido. Por isso, “quando andamos para trás no
tempo ele fica cada vez mais pequeno até ao momento em que a dimensão do
universo era zero”. “É disto que Stephen Hawking fala quando diz que o universo
começou do nada”, começa por explicar Vítor Cardoso, professor e investigador
do Instituto Superior Técnico.
O que é
que desencadeou a origem do universo, então? Nada. Pense no universo
como um filme em cassete que é posto dentro de um leitor de vídeo. Sabemos que,
à medida que o filme anda para frente, o universo vai expandido. Por isso,
"quando andamos para trás no tempo ele fica cada vez mais pequeno até ao
momento em que a dimensão do universo era zero".
O problema é que nem Stephen Hawking nem ninguém consegue realmente
encontrar esse nada, o “segundo zero” do filme que é o universo. Se
puséssemos a cassete do cosmos num leitor de vídeo e clicássemos no botão
“rebobinar”, ele encravaria a partir de um certo momento: “Não saberíamos fazer
isso a partir de uma dimensão muito pequena. As leis que temos para pôr o filme
a andar para trás quebram. Portanto, isto de dizer que o universo surgiu do
nada e de um ponto tem alguns limites. E os limites são a gravidade quântica.
Quando a matéria está muito junta nós sabemos que não sabemos tudo”, conclui.
A partir do momento em que deixamos que conseguir rebobinar no filme do
universo, estamos a entrar num mundo 10-15 vezes menor do
que o nosso, descreve José Pedro Mimoso, professor do departamento de
física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa: “A escala
quântica é ínfima comparada com a nossa escala. São coisas muito pequeninas.
Tudo isso se baseia no facto de as teorias quânticas serem intrinsecamente
estatísticas. Aquilo está a flutuar e é um bocado como imaginar que há um
borbulhar“, ilustra ele, falando de “uma bolha que emerge à superfície
de um líquido negro de tinta escura”.
Ora, não conseguir encontrar o “segundo zero” do universo é também não
conseguir descrever o Big Bang, o evento que julgamos estar na origem de tudo.
As leis da física são como uma lanterna que nos permite enxergar tudo o que
está para trás no tempo. A partir de um certo momento, elas deixam de nos ser
úteis, como se as pilhas dessa lanterna se esgotassem e deixássemos de ter luz.
É para lá desse momento que está a origem do universo.
"A
escala quântica é ínfima comparada com a nossa escala. São coisas muito
pequeninas. Tudo isso se baseia no facto de as teorias quânticas serem
intrinsecamente estatísticas. Aquilo está a flutuar e é um bocado como imaginar
que há um borbulhar", ilustra ele, "como uma bolha que emerge à
superfície de um líquido negro de tinta escura".
É nessa ausência de luz, a partir do momento em que as leis da física de
nada nos servem e não conseguimos ver o que acontece, que poderia estar Deus,
segundo acreditam alguns. O ato que essa entidade superior teria para dar
início ao universo era o de como se estivéssemos todos numa sala escura e
alguém — o Deus dentro da sala — acendesse um isqueiro para a iluminar. O
momento em que a chama brotasse do isqueiro seria o Big Bang.
Mas Stephen Hawking relativiza essa hipótese: para ele, não faz
sentido pensar no que estaria por detrás do Big Bang porque o tempo e o espaço,
e a própria estrutura pensante que nos faz raciocinar sobre Deus, começa a
partir desse evento. Se assim não for, “depois torna-se legítimo perguntar
quem criou Deus”, alerta Paulo Crawford: ” Nós pensamos em Deus como uma
entidade que resolve tudo, mas em termos filosóficos ninguém o consegue
explicar. Por isso é que os próprios crentes admitem que não é possível
demonstrar a existência de Deus, embora também não seja possível refutá-la”,
conclui ele.
Como é que tudo começou?
Resposta curta
Tudo começou do nada a partir de um evento chamado Big Bang.
Resposta longa
Stephen Hawking era um estudante de segundo ano em Cambridge quando
sentiu necessidade de um momento eureka para desenvolver o trabalho
que estava a redigir com George Ellis, à época doutorando em St John’s
College. Nessa época Hawking tentava vencer a depressão depois de ter
descoberto que sofria de esclerose lateral amiotrófica. Duas coisas haviam de
dar novo rumo à sua vida: o casamento com Jane Wild, estudante de línguas em
Londres, e o momento em que entrou numa palestra de
Roger Penrose onde se debatiam as singularidades do tecido
espaço-tempo, pontos do universo onde as leis da física postuladas na Teoria da
Relatividade Geral já não se aplicam.
Penrose tinha mostrado que quando a matéria colapsa e forma
uma dessas singularidades, como um buraco negro, esse colapso tem
necessariamente de criar uma região à volta dela onde as regras da física se
quebram. Essa região chama-se horizonte dos eventos e Penrose queria
descrevê-los a partir de noções geométricas.
Imaginemos um balão que enchemos de ar e depois largamos. Ele começa a
encolher até ficar muito pequeno. Se o nosso balão fosse como uma estrela muito
maciça, pelo menos com trinta vezes a massa do Sol, as camadas iam colapsar em
direção ao centro por ação da força de gravidade. E ia encolher de tal modo que
toda a massa ia ficar concentrada num ponto só — uma
singularidade. “A força gravítica ao pé desse ponto tendia para o
infinito porque a massa toda estava concentrada num pontozinho muito pequeno. E
a força gravítica é tanto maior quanto menor for a distância. Há coisas aqui
que explodem. E isso são singularidades”, explica Vítor Cardoso, professor no
Técnico.
Roger
Penrose dizia que esse processo, a que ele chamou colapso gravitacional,
vai produzir um ponto com infinitos. Esse ponto é um buraco negro. Não sabemos
o que acontece lá porque a teoria de Einstein não foi feita para conseguir
lidar com infinitos. Sabemos apenas que, à volta desse
ponto, formava-se uma superfície chamada horizonte de eventos.
Roger Penrose dizia que esse processo, a que ele chamou colapso
gravitacional, vai produzir um ponto com infinitos. Esse ponto é um buraco
negro. Não sabemos o que acontece lá porque a teoria de Einstein não foi
feita para conseguir lidar com infinitos. Sabemos apenas que, à volta desse
ponto, formava-se uma superfície chamada horizonte de eventos: “Esse
horizonte de eventos impede que qualquer informação que o ultrapasse escape ao
buraco negro. Se eu estivesse do lado de fora e visse uma singularidade dessas,
qualquer informação que estivesse para lá do horizonte nunca me chegaria. De
alguma forma, as leis de Einstein preveem estas singularidades e impedem essa
informação de chegar a nós”, conclui o professor de física português. É a
chamada censura cósmica.
Era sobre isto que Roger Penrose dissertava quando Stephen Hawking
entrou na sala em busca de ideias. Foi David Sciama, que viria a tornar-se
num dos nomes mais sonantes da cosmologia moderna, quem apresentou os dois:
“Sciama fez questão de juntar-me a Hawking. Não demorou muito até Hawking ter
encontrado uma maneira de usar o meu teorema de forma inesperada, de um modo
que poderia ser aplicado numa forma invertida no tempo num ambiente
cosmológico”, disse Roger Penrose mais tarde numa entrevista ao The
Guardian.
E que “forma inesperada” era essa? Hawking utilizou esses teoremas
geométricos de Penrose para pensar no universo primitivo e chegar à
conclusão que ele deve ter tido um início, dando assim mais sustento à
teoria do Big Bang. “Ele viu esse colapso gravitacional e começou a imaginar o
universo a andar para trás. Percebeu que, quando ando com o universo para
trás, acontece exatamente o mesmo que está na origem dos buracos negros: fica
cada vez mais pequeno e forma uma singularidade. Para Hawking, essa
singularidade — essa altura em que toda a matéria estava concentrada num ponto
— devia ser o início do universo”, diz Vítor Cardoso.
Hawking
utilizou esses teoremas geométricos de Penrose para pensar no universo
primitivo e chegar à conclusão que ele deve ter tido um início, dando assim
mais sustento à teoria do Big Bang. "Ele viu esse colapso gravitacional e
começou a imaginar o universo a andar para trás. Percebeu que, quando ando
com o universo para trás, acontece exatamente o mesmo que está na origem dos
buracos negros: fica cada vez mais pequeno e forma
uma singularidade".
Tudo isso é especulativo, alerta o professor José Pedro Mimoso: “O
que se passa aqui é que o nosso modelo do universo em expansão é o melhor
modelo até à data para descrever o que nós observamos. A única explicação
consistente para a origem do universo, o surgimento dos elementos leves ou a
libertação da radiação de fundo é a do universo em expansão. E isso indica que,
olhando para trás, aquilo estava condensado. Por isso é que estamos
convencidos que existe uma concentração máxima“.
O que Stephen Hawking faz é extrapolar aquilo que sabemos sobre
gravitação e sobre fenómenos quânticos até às condições onde estamos no limite
em que uma e outra funcionam.”Quando falamos sobre física clássica não podemos
ir até ao Big Bang. Especulamos que deve haver um, mas não há provas absolutas
porque nós andamos para trás e chegamos a uma zona onde a física já não
funciona. Simplesmente tudo leva a crer que há aqui uma singularidade inicial”,
concretiza Paulo Crawford.
À época, essa postulação de Stephen Hawking foi particularmente
importante. Os cientistas que se debruçavam sobre a origem do universo tinham
duas teorias em cima da mesa: uma era a do Big Bang, a que dizia que o universo
tinha tido início numa explosão; e a outra era a do Estado Estacionário,
segundo a qual o universo dilatava mas as suas características eram imutáveis
— só havia matéria constantemente a ser produzida. A lufada de ar fresco
que Hawking deu aos teoremas geométricos de Penrose fez com que as apostas
pendessem mais para a primeira.
O que está dentro de um buraco negro?
Resposta curta
Nunca poderemos saber.
Resposta longa
A primeira vez que alguém falou sobre a ideia de um corpo de tal modo
maciço que nada, nem mesmo a luz, lhe podia escapar foi em 1783, quando o
geógrafo John Mitchell enviou uma carta ao químico Henry Cavendish que
dizia o seguinte: “Se o semi-diâmetro de uma esfera da mesma densidade que o
Sol na proporção de quinhentos para um, e supondo que a luz é atraída pela
mesma força e proporção à sua massa com outros corpos, toda a luz emitida por
esse corpo seria obrigada a retornar contra ele pela sua própria gravidade”.
Soa familiar, não soa? Hoje sabemos que esses corpos se chamam buracos
negros, que são “objetos exóticos” porque representam um fenómeno especial no
universo e que são “tão densos, onde a gravitação é tão intensa, que a
própria luz não chega a sair e nós cá fora não o vemos”, descreve o físico
José Pedro Mimoso. Esses buracos negros nascem quando o núcleo de uma
estrela muito grande esgota e ela colapsa. Durante grande parte da vida, a
energia que emite é suficiente para manter a integridade das camadas dessa
estrela. Mas se ela cessa todas essas camadas são atraídas para o centro pela
força da gravidade. Quando explodem nasce o buraco negro.
Mas é impossível dizer o que está dentro dele. A culpa é de
“uma determinada superfície limite, o horizonte de eventos, a partir da qual
nós não vemos mais nada”, clarifica Paulo Crawford. Quando nasce um buraco
negro, nasce à volta dele uma região chamada horizonte de eventos que traz
duas consequências: em primeiro lugar, quem o ultrapassar já não consegue escapar
à ação do buraco negro; e em segundo lugar, se alguém estiver longe do buraco
negro e vir um objeto a caminho dele, esse alguém vai deixar de o ver assim que
ele passar o horizonte.
É
impossível dizer o que está dentro dele. A culpa é de "uma
determinada superfície limite, o horizonte de eventos, a partir da qual nós não
vemos mais nada", clarifica Paulo Crawford. Quando nasce um buraco negro,
nasce à volta dele uma região chamada horizonte de eventos que traz duas
consequências: em primeiro lugar, quem o ultrapassar já não consegue escapar à
ação do buraco negro; e em segundo lugar, se alguém estiver longe do buraco
negro e vir um objeto a caminho dele, esse alguém vai deixar de o ver assim que
ele passar o horizonte.
Isso acontece porque a radiação vai mudar de frequência por
causa de um fenómeno chamado desvio para o vermelho, de tal maneira que, a
certa altura, quem está antes do horizonte de eventos deixa de o ver apesar de
ainda estar cá fora. “Mas eu já não o vejo porque a energia que me chega é
muito pouca para eu poder observá-lo”, ilustra o professor Paulo Crawford.
É por isto que qualquer tentativa de saber o que está dentro de um
buraco negro é, pelo menos por enquanto, “verdadeiramente ficção
científica”, sublinha José Pedro Mimoso. “Só podemos conjeturar que deve haver
[lá dentro] um ponto onde o raio é nulo e há uma concentração infinita de
energia. E infinitos são coisas que nós não queremos na física. Uma coisa que é
infinita é um problema do ponto de vista da descrição das leis. As pessoas
acreditam que nesse centro pode haver qualquer coisa, mas não sabem o que é“,
conclui.
E não sabem por duas razões. Por causa da censura cósmica, ou seja,
dessa barreira que o horizonte de eventos é e que não permite ver para além
dele; e porque, na física, quando há infinitos a Lei da Relatividade Geral de
Einstein deixa de se aplicar e a tal lanterna que nos permite perceber o que
está a acontecer à nossa volta desliga-se.
O que Stephen Hawking acrescenta a isto é que, por um lado, o
buraco negro não é assim tão negro: “Emite partículas. Tem uma
radiação térmica que resulta de flutuações quânticas à volta, na fronteira do
buraco negro”, resume José Pedro Mimoso. E, por outro lado, é mais
complexo do que parece e que, afinal, talvez possamos saber mais sobre os
buracos negros do que julgamos.
O que
Stephen Hawking acrescenta a isto é que, por um lado, o buraco negro não é
assim tão negro: "Emite partículas. Tem uma radiação térmica que
resulta de flutuações quânticas à volta, na fronteira do buraco negro",
resume José Pedro Mimoso. E, por outro lado, é mais complexo do que parece
e que, afinal, talvez possamos saber mais sobre os buracos negros do
que julgamos.
Vamos à primeira parte. Ao contrário do que lhe ensinaram na escola, diz
a mecânica quântica — o ramo da física dedicada a estudar as partículas mais
pequenas que os átomos — que o vazio realmente não existe no cosmos.
Aquilo que pensamos ser o vazio é, na verdade, um caldo feito com dois
ingredientes: partículas, que constituem a matéria, e antipartículas, que
constituem a antimatéria. E esses dois ingredientes têm uma relação de
amor-ódio: tão depressa se juntam como se matam um ao outro.
E essa relação funciona assim: há um eletrão, que é uma partícula
subatómica com carga elétrica negativa que constitui a matéria, a flutuar no
vazio; e há ali perto um positrão, que é o irmão do eletrão porque tem a mesma
massa que ele, mas tem carga elétrica contrária e constitui a antimatéria.
Quando estão na fase de lua de mel, o eletrão e os positrão juntam-se e
formam um par. No entanto, uma fração de segundo depois, entram em fase de
divórcio e aniquilam-se um ao outro, emitindo luz.
Isto acontece a todo o momento no vazio e ainda bem: é graças a esta
irmandade mal amanhada que a energia do universo é sempre conservada.
Mas o que acontece se um buraco negro, esse aspirador espacial, viesse baralhar
as contas? Stephen Hawking imaginou que, se calhar, era possível que o
nosso eletrão entrasse dentro dele deixando o positrão cá fora sozinho, sem
par. “Se uma das partículas do par entrar, ela deixa de poder voltar a
reunir-se com a outra. Então, se ficar cá fora, aparece como uma manifestação
do buraco negro. Se uma atravessa o horizonte, deixa de conseguir
comunicar cá para fora e a outra manifesta-se”, explica Paulo Crawford.
A partícula que fica cá fora é uma manifestação do buraco negro, mas se está sozinho isso significa que a conservação da energia dentro
do universo fica comprometida: “Nós podemos pedir uma partícula emprestada ao
vazio desde que a devolvamos logo a seguir para manter as contas em dia. Se
isso não acontecer temos um problema”, acrescenta Vítor Cardoso.
No final dessas contas, se o buraco negro simplesmente engolir o que
lhe aparece pela frente sem cuspir nada cá para fora, o universo não seria um
sistema isolado e a energia não se conservava. Isso não pode acontecer ou
então o universo não seria um sistema fechado. Por isso é que Stephen
Hawking sugeriu que o buraco negro emitia partículas e perdia massa, numa
espécie de troca de favores.
Se o
buraco negro simplesmente engolir o que lhe aparece pela frente sem cuspir nada
cá para fora, o universo não seria um sistema isolado e a energia não se
conservava. Isso não pode acontecer ou então o universo não seria um sistema
fechado. Por isso é que Stephen Hawking sugeriu que o buraco negro emitia
partículas e perdia massa, numa espécie de troca de favores.
Agora vamos à segunda parte — aquela em Stephen Hawking diz que
talvez possamos saber mais os buracos negros do que parece. Imagine que, um
dia, uma nave espacial aterra no seu quintal e um extraterrestre lhe bate
à porta. Vem em paz e tem apenas uma missão: saber como é o planeta Terra. Tem
é pouco tempo para o explorar e precisa da sua capacidade de observação. Como é
que a descreveria?
Pode dizer que o planeta Terra tem um raio de 6.370 quilómetros e uma
massa de 1024 quilogramas, mas isso não basta para descrever o
nosso planeta. Ele é muito mais do que isso: tem montanhas como o Evereste,
profundidades marinhas como a fossa das Marianas, florestas como a Amazónia e
continentes feitos de gelo como a Antártida. Além disso, tem oito mil milhões
de pessoas, cada uma delas diferente de todas as outras: umas têm olhos verdes,
outras azuis; umas são muito altas, outras muito baixas; e por aí adiante. Só
depois de dar toda essa informação ao extraterrestre visitante é que ele
poderia ficar com uma boa ideia de como é o planeta Terra.
Stephen Hawking chamou ‘cabelos’ a essas informações mais complexas
sobre o nosso planeta. Chamou-lhes assim
porque John Wheeler, um dos últimos colaboradores de Albert Einstein, dizia que
os buracos negros “não têm ‘cabelo'”: independente do que lá fosse parar
dentro, eles permaneceriam sempre iguais.
Só que isso não é totalmente verdade. Os buracos negros têm ‘dois
cabelos’, esclarece o investigador Vítor Cardoso: “Se nós
quisermos descrever qualquer buraco negro do universo, bastaria dizer
a massa que ele tem e quantas vezes por segundo é que ele gira, ou seja, o
momento angular. Assim que me derem estes dois parâmetros, eu consigo
conceber o buraco negro de que estou a falar. Qualquer buraco negro do
universo, e são triliões, é sempre caracterizada por isto”.
Ora, Stephen Hawking sugeriu o seguinte: apesar de ser verdade que os
buracos negros têm um horizonte de eventos, e que nada escapa a esse buraco uma
vez ultrapassado esse horizonte, talvez seja possível que ele emita de vez
em quando uma partícula através de um fenómeno a que chamou de evaporação.
Os buracos negros evaporam porque volta e meia perdem massa — para acertar as
tais contas como o cosmos. Só que a forma como ele evapora não transporta
informação nenhuma. É uma evaporação aleatória.
Apesar de
ser verdade que os buracos negros têm um horizonte de eventos, e que nada
escapa a esse buraco uma vez ultrapassado esse horizonte, talvez seja possível
que ele emita de vez em quando uma partícula através de um fenómeno que ele
chamou de evaporação. Os buracos negros evaporam porque volta e meia perdem
massa — para acertar as tais contas como o cosmos.
Lembra-se daquela parte do filme em que a Alice no País das Maravilhas
entra na toca de coelho? Imagine que essa toca é, na verdade, um buraco negro.
É verdade que esse buraco negro só tem duas informações — ou dois ‘cabelos’:
uma massa e uma rotação. A Alice, por outro lado, tem muito cabelo: a cor do
cabelo, a cor dos olhos, o tamanho dos pés, a altura dela e por aí adiante.
Para o nosso leitor, que está a ver a Alice a entrar no abismo, a única coisa
que vai ver é um buraco negro a tornar-se um pouco maior com a massa da Alice.
Todo o ‘cabelo’ dela — toda aquela informação que ela transporta —
desaparece.
Isso soa mal aos ouvidos da mecânica quântica, para quem a informação
tem sempre de ser preservada. E é daí que nasce o paradoxo da informação:
“O mais provável é que, esperando por muito tempo, a informação da Alice que
entrou dentro do buraco negro eventualmente evapore cá para fora. Por outro
lado, se essa evaporação é aleatória, então significa que ela pode mesmo ter
ficado perdida para sempre e foi à vida”, explica Vítor Cardoso.
Pouco antes de morrer, no entanto, Stephen Hawking chegou a uma ideia.
Talvez os buracos negros tenham mais do que dois ‘cabelos’. Talvez tenham
‘cabelos macios’ além da massa e da rotação que apenas quem estiver muito perto
do buraco negro consiga ver. Se assim for, então o buraco negro é um livro
mais aberto do que parece e transpareça mais sobre o que se passa lá dentro do
que julgamos.
Imagine que está muito longe de um buraco negro, numa região plana do
tecido espaço-tempo que não está deformada por nenhuma singularidade, e está a
tirar apontamentos sobre o vácuo que têm à sua frente. Imagine também que o seu
melhor amigo também está de caderno na mão a fazer apontamentos perto de um
buraco negro, numa região do tecido espaço-tempo que está infinitamente
deformada. Ao fim de uma hora, os dois sentam-se na esplanada de um café
para comparar as observações que fizeram. A que conclusão chegarão?
Segundo
Stephen Hawking, a passagem do tempo para um e para outro seria diferente: ao
seu melhor amigo, que estava mais perto do buraco negro, o tempo parecia passar
muito mais devagar do que para si. Além disso, o conceito de vazio também
seria diferente: o seu melhor amigo conseguiria ver o buraco negro a
emitir um conjunto de partículas — uma radiação — que têm natureza térmica.
Em primeiro lugar que, segundo Stephen Hawking, a passagem do tempo para
um e para outro seria diferente: ao seu melhor amigo, que estava mais perto do
buraco negro, o tempo parecia passar muito mais devagar do que para si. Além
disso, o conceito de vazio também seria diferente: o seu melhor amigo
conseguiria ver o buraco negro a emitir um conjunto de partículas
— uma radiação — que têm natureza térmica.
O que significa isto? Que qualquer matéria que seja sugada por um
buraco negro pode alterar a temperatura dele e, por consequência, a entropia
— a desordem das partículas que o constituem. Estudar a temperatura de um
buraco negro é estudar a entropia dele e, possivelmente, aquilo que o causou:
“A analogia entre as propriedades dos buracos negros e as leis da termodinâmica
pode ser estendida. A primeira lei da termodinâmica diz que uma pequena mudança
na entropia do sistema é acompanhada por uma mudança proporcional na energia do
sistema”, escreve Stephen Hawking no novo livro.
Essa mudança energética “pode codificar alguma da informação sobre o
que está dentro do buraco negro”: o que Hawking sugere é que os fotões — as
partículas que compõem a radiação eletromagnética — no limite do horizonte
de eventos sejam afetados por essas mudanças e registem parte das informações
que caíram no buraco negro. Quando são emitidos no momento em que o buraco
negro paga a dívida ao cosmos e devolve partículas ao vazio, essa informação
pode ser pelo menos parcialmente recuperada.
É possível viajar no tempo?
Resposta curta
Sim.
Resposta longa
Havia bandejas com canapés em cima das mesas, flutes a transbordar de
champanhe Krug, balões azuis, brancos e lilás colados nas paredes e
candelabros luxuosos com luzes douradas pendurados no tecto. Estávamos em 2009.
Era a segunda festa de Stephen Hawking que se traduziria num fracasso
total. A primeira tinha acontecido anos antes, em 1974, para celebrar o 32º
aniversário de Hawking e tinha terminado com comida fria, convidados dispersos
e uma teoria provada. Aquela acabaria também assim.
Na festa em 1974, o aniversariante tinha passado 45 minutos ao telefone
com Roger Penrose para partilhar com ele a ideia da emissão da radiação por
buracos negros. Em finais de janeiro, Stephen Hawking oficializou os resultados
e fez com que Martin Rees, um respeitado cosmólogo e astrofísico, entrasse
de rompante no escritório de Sciama para lhe dizer: “Ouviste o que se anda
por aí a dizer? O Stephen mudou tudo!”.
Stephen Hawking também queria mudar tudo em 2009. Aquela festa era
dedicada aos “viajantes do tempo”: Hawking tinha enviado convites
para uma receção em Cambridge, mas só o fez depois de a festa ter acontecido.
“No dia da festa, fiquei no colégio à espera, mas ninguém apareceu. Estava
desapontado, mas não surpreendido”. Stephen Hawking provava assim que, se a
relatividade geral está correta, viajar no tempo não é plausível.
Aquela
festa era dedicada aos "viajantes do tempo": Hawking tinha
enviado convites para uma receção em Cambridge, mas só o fez depois de a festa
ter acontecido. "No dia da festa, fiquei no colégio à espera, mas ninguém
apareceu. Estava desapontado, mas não surpreendido". Stephen Hawking
provava assim que, se a relatividade geral está correta, viajar no tempo não
era plausível.
A Teoria da Relatividade Geral de Einstein diz que sim, no entanto, e
permite viagens no tempo. Para entender porquê
primeiro precisamos de entender exatamente o mundo em que vivemos. E esse mundo
tem quatro dimensões: três são espaciais — altura, comprimento e largura —
e uma é a linha do tempo. São estes quatro parâmetros que constituem o tecido
espaço-tempo e é segundo esses sistema de coordenadas que lhe posso explicar
onde estou: a um metro da parede atrás de mim, a quatro metros da parede à
minha frente, a seis metros de altura no prédio; e estou nesta posição à uma
tarde de dia 31 de outubro de 2018.
Nesse nosso mundo quadrimensional, cada ponto desse tecido espaço-tempo
é um acontecimento físico. Albert Einstein não gostava muito dessa formulação,
mas rendeu-se a ela em 1911 quando quis trabalhar a Teoria da Relatividade
Restrita e incluir dentro dela a gravitação: “Uma das suas preocupações era que
essa descrição matemática incluísse a teoria da gravitação de Newton
quando os campos gravíticos eram fracos. Esta preocupação de Einstein é
responsável pela demora em obter, só a 25 de Novembro de 1915, a
teoria final da chamada Relatividade Geral”, contextualiza Paulo Crawford.
Ora, essa teoria a que Einstein chegou dizia que “as partículas
descrevem trajetórias, curvas no espaço-tempo, mesmo quando estão paradas
porque o tempo não pára ainda que a posição da partícula possa ser fixa“,
diz o professor.
Quando essa partícula viaja sempre a uma velocidade inferior à da luz, a
trajetória que descreve é uma curva temporal. De vez em quando, essas
curvas conduzem a partícula de volta ao mesmo ponto do espaço-tempo
e, portanto, ao mesmo local e ao mesmo instante do passado. Ir para o mesmo
local no futuro é que nunca pode acontecer: “Voltar ao mesmo local nunca foi
problema, mas voltar ao mesmo instante entra em contradição com a chamada
seta do tempo, que traduz o facto de o tempo andar sempre para a frente; o
tempo não pára nem volta para trás”, concretiza o professor.
De vez em
quando, essas curvas conduzem a partícula de volta ao mesmo ponto do
espaço-tempo e, portanto, ao mesmo local e ao mesmo instante do passado. Ir
para o mesmo local no futuro é que nunca pode acontecer: "Voltar ao mesmo
local nunca foi problema, mas voltar ao mesmo instante entra em
contradição com a chamada seta do tempo, que traduz o facto de o tempo andar
sempre para a frente; o tempo não pára nem volta para trás", concretiza
o professor.
A essa curva que regressa ao ponto de partida chamamos curva
temporal fechada. E Stephen Hawking falou sobre ela num livro chamado “The
Future of Spacetime”, onde dizia: “Especular abertamente acerca das
viagens no tempo é arriscado. Se a imprensa pega neste assunto e chama a
atenção que o governo está a financiar a investigação das viagens no
tempo, haveria uma berraria acerca do dinheiro perdido nesta investigação, ou
então para que esta investigação seja considerada classificada como um objetivo
militar. Ao fim e ao cabo, como nos poderemos proteger se os russos e os
chineses descobrirem as viagens no tempo e nós não? Eles até poderiam trazer de
volta os camaradas Estaline e Mao! Assim só alguns de nós é que nos
aventuramos a trabalhar neste assunto que é tão pouco politicamente
correto, mesmo no círculo dos físicos. Disfarçamos o que estamos a fazer
usando termos técnicos como ‘curvas temporais fechadas’, o que não passa
de um código para as viagens no tempo”.
Sendo assim há duas maneiras de pensarmos nas viagens no tempo,
enumera o professor Paulo Crawford: através da sensação de que o tempo para uma
pessoa passou de forma diferente para outra; ou através de wormholes ou
buracos de minhoca, que funcionam como um atalho através do espaço e do tempo
em que a matéria pode viajar se o tecido espaço-tempo estiver muito distorcido.
Da primeira já falámos: quando há uma singularidade como um buraco negro
no tecido espaço-tempo, a linha do tempo fica de tal modo distorcida que o
tempo passa de forma muito mais lento para quem está próximo dele do que para
quem está muito longe. A noção da passagem do tempo numa situação e
noutra seriam completamente diferentes. “Se eu me deixasse cair para perto de
um buraco negro, o meu segundo deixava de ser o seu. O meu tempo fluiria muito
devagar, como se puxasse espaço e tempo de um lado para o outro e eles se
misturassem e ficassem deformados. Se voltasse para perto de si ao fim de um
ano meu, provavelmente você já teria morrido”, descreve o físico Vítor Cardoso.
Agora, para entender a segunda maneira, imagine que o universo é uma
folha de papel e que eu quero ir de um ponto para o outro o mais depressa
possível. “A forma mais rápida de fazer isto era ir em linha reta de um lado
para o outro. Eu já vi que os buracos negros podem distorcer isto. Uma das
hipóteses qu teria, se conseguisse manipular o universo, era torcer o papel. Assim
abrir-se-ia um túnel e eu fazia um corta-mato“, explicou Vítor Cardoso ao
Observador. Esse túnel são os tais buracos de minhoca.
A partir da Teoria da Relatividade Geral, Albert Einstein sugeriu que as
viagens no tempo são possíveis se se verificarem duas condições: se
construíssemos uma máquina que nos permitisse viajar mais rápido do que a luz;
e se conseguíssemos contorcer o tecido espaço-tempo de uma forma peculiar,
ao ponto de criar um desses buracos de minhoca. A primeira seria complicada:
quanto mais nos aproximássemos da velocidade da luz, mais combustível a máquina
consumiria, de modo que “levaria uma quantidade infinita de poder para acelerar
para lá da velocidade da luz”, escreve Hawking.
A partir
da Teoria da Relatividade Geral, Albert Einstein sugeriu que as viagens no
tempo são possíveis se se verificarem duas condições: se construírmos uma
máquina que nos permitisse viajar mais rápido do que a luz; e se
conseguíssemos contorcer o tecido espaço-tempo de uma forma peculiar, ao ponto
de criar um desses buracos de minhoca.
O segundo aspeto também seria complicado: “Todas as evidências são de
que o universo começou no Big Bang sem o tipo de contorções necessários
para permitir a viagem para o passado. Visto que não podemos mudar a forma como
o universo começou, a questão se a viagem no tempo é possível
traduz-se em saber se podemos torcer tanto o espaço-tempo que uma pessoa
pode voltar para o passado“, avançou ele.
Kip Thorne, o físico teórico que ganhou o Nobel da Física pela
descoberta das ondas gravitacionais e que escreve a introdução ao livro de
Stephen Hawking — tentou simplificar essas coisas complicadas. “Ele envolveu-se
na ideia das viagens no tempo quando o Carl Sagan lhe telefonou. O Carl Sagan
queria escrever um livro de ficção científica sobre viagens no tempo, mas como
também era astrofísico, queria que ele tivesse um fundo científico”, recordou
Paulo Crawford ao Observador.
A partir daí, Kip Thorne apercebeu-se de que se houver um buraco de
minhoca com duas bocas, uma por onde se entra e outra por onde se sai, e a
saída estiver próxima de uma região com um campo gravítico muito intenso —
uma estrela de neutrões ou um buraco negro, por exemplo — nessas
circunstâncias o tempo anda mais devagar à saída e as duas entradas ficam
desfasadas no tempo. “Uma pessoa que entre no buraco de minhoca à uma tarde
pode sair às onze da manhã. Ou seja, ela sai no buraco da minhoca antes de
lá entrar. Se ela voltar à outra boca por fora pode ver-se a si própria a
entrar“, explica o professor da Universidade de Lisboa.
Isso cria vários problemas. Por exemplo, “quando há viagens para o
passado as pessoas duplicam-se”, diz Paulo Crawford: “A pessoa do passado e a
pessoa do presente podem reencontrar-se. Há a possibilidade de uma matar a
outra. Ou então a pessoa ir ao passado matar o avô ou o pai e por aí adiante”,
explica.
A essa
resistência que o cosmos parece ter às viagens no tempo Stephen Hawking chamou
de Conjetura de Proteção Cronológica: "Parece que existe uma Agência de
Proteção Cronológica que impede o aparecimento de curvas fechadas no tempo real
e assim torna o universo num lugar seguro para os historiadores", disse
ele num artigo publicado em 1992.
Foi à conta dessas incongruências que Stephen Hawking disse que parecia
haver uma certa resistência do cosmos às viagens no tempo. Viajar para o
futuro parece ser realmente impossível porque “o tempo está orientado para a frente,
não para trás”, por isso o futuro continua em aberto, acrescenta Paulo
Crawford. Viajar para o passado também parece complicado, ou então já teríamos
sido visitados por alguém do futuro.
Uma maneira de reconciliar as viagens no tempo com o facto de não termos
visitantes do futuro seria dizer que essas viagens só podem acontecer no
futuro. Essa é ideia transmitida por Stephen Hawking no livro: “Nesta
perspetiva uma pessoa diria que o espaço-tempo no passado foi arranjado porque
já o observámos e vimos que não está contorcido o suficiente para viajar para o
passado. Por outro lado, o futuro está em aberto. Por isso talvez o possamos
contorcer o suficiente para permitir essas viagens. Mas como só podemos
contorcer o espaço-tempo no futuro, não seríamos capazes de viajar de regresso
ao momento presente ou anterior a ele”.
A essa resistência que o cosmos parece ter às viagens no tempo Stephen
Hawking chamou de Conjetura de Proteção Cronológica: “Parece que existe
uma Agência de Proteção Cronológica que impede o aparecimento de curvas
fechadas no tempo real e assim torna o universo num lugar seguro para os
historiadores”, disse ele num artigo publicado em 1992.
Podemos prever o futuro?
Resposta curta
Sim…. outra vez.
Resposta longa
Houve tempos em que a humanidade acreditava piamente que tudo o que lhe
acontecia era resultado do humor dos deuses. Aos poucos as pessoas foram
entendendo que alguns fenómenos, no entanto, pareciam obedecer a um
comportamento mais ou menos previsível: o Sol surgia com uma certa regularidade
e a Lua também, por exemplo. Essa regularidade foi postulada por Newton há
muito tempo através da teoria da gravidade. E desde então que outras leis
científicas foram sendo descobertas para explicar os fenómenos da
natureza.
A isto chamamos determinismo científico, batizou
Pierre-Simon Laplace, e supõe que o universo funciona por relações de
causa-efeito. Laplace concluiu, explica Stephen Hawking no livro agora
publicado, que se soubermos as posições e as velocidades de todas as partículas
do universo num determinado momento do tempo, então conseguiríamos calcular o
comportamento dessas partículas tanto no passado como no futuro.
Laplace concluiu,
explica Stephen Hawking no livro agora publicado, que se soubermos as posições
e as velocidades de todas as partículas do universo num determinado momento do
tempo, então conseguiríamos calcular o comportamento dessas partículas
tanto no passado como no futuro. Isso conta como prever o futuro, mas na
prática as coisas complicam-se
Isso conta como prever o futuro, mas na prática as coisas complicam-se:
“A nossa capacidade para prever o futuro é severamente limitada pela
complexidade das equação e o facto de muitas vezes elas terem uma propriedade
chamada caos“. E o caos diz que mudanças muito pequenas no início de um
evento qualquer podem trazer consequências gigantescas e desconhecidas no
futuro. É o efeito borboleta: se uma borboleta bater as asas em Portugal pode
não haver nada que impeça esse simples evento de causar uma tempestade na Nova
Zelândia.
Ao fim de algum tempo surgiram novas ideias que punham em causa o que
Laplace dizia sobre a nossa capacidade de prever o futuro. Uma delas era o
Princípio da Incerteza de Heisenberg e surgiu depois de Max Planck ter
desenvolvido a mecânica quântica. Werner Karl Heisenberg, físico alemão
que ganhou o Nobel da Física em 1932, disse que “não se pode medir
simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula com exatidão”, resume
Stephen Hawking.
Quanto mais precisamente se pedir a posição de uma partícula, menos
precisamente se vai conseguir medir a velocidade dela e vice-versa. Ou seja, o
que Heisenberg sugere é que, se estiver agora mesmo numa autoestrada a caminho
de umas mini-férias para aproveitar o fim de semana prolongado e souber
exatamente onde está, o mais provável é que não faça a mínima ideia da
velocidade a que vai. E se estiver parado no trânsito na Ponte 25 de Abril,
sabendo perfeitamente que a sua velocidade é zero, o mais provável é que não
faça a mais pequena ideia de onde está.
Parece uma anedota, e é mesmo, mas é algo deste género que o Princípio
da Incerteza de Heisenberg diz: há um certo limite na precisão com que
certas propriedades de uma partícula física podem ser apuradas.
Isto faz sentido à luz da mecânica quântica. Nesse ramo da física, as
partículas não têm uma posição nem uma velocidade bem definidas: são
representadas por aquilo a que os físicos chamam função de onda. “O tamanho da
função de onda dá a probabilidade de a partícula ser encontrada numa dada
posição. A taxa com que a função de onda varia de um ponto para o outro dá a
velocidade da partícula”, conclui Stephen Hawking.
Heisenberg
sugere é que, se estiver agora mesmo numa autoestrada a caminho de umas
mini-férias para aproveitar o fim de semana prolongado e souber exatamente onde
está, o mais provável é que não faça a mínima ideia da velocidade a que vai.
Parece uma anedota, e é mesmo, mas é algo deste género que o Princípio da
Incerteza de Heisenberg diz: há um certo limite na precisão com que certas
propriedades de uma partícula física podem ser apuradas.
Resumindo: se soubermos uma propriedade com extrema precisão, a outra
vai ser completamente incerta, explica Vítor Cardoso, do Técnico: “Nunca
vai saber tudo sobre mim. Pode saber uma coisa com muita precisão sobre mim, mas
tudo o resto fica entregue à incerteza. A maior parte das coisas na vida
funciona assim”. Imagine que está está num campo de futebol e tem uma bola à
frente. Se lhe der um chuto, prever o futuro significa saber onde é que ela vai
estar dali a dois segundos.
Para saber isso, no entanto, precisa de saber que força aplicou à bola e
de onde é que ela partiu. O que o Princípio da Incerteza faz é atribuir
uma certa incerteza à posição inicial da sua bola: se não souber exatamente de
onde ela partiu, não saberá exatamente onde é que ela vai parar; e mesmo
que saiba exatatamente de onde é que ela partiu, não saberia exatamente que
força é que lhe atribuiu e o problema continua o mesmo.
Porque é que Stephen Hawking se interessou por isto? Porque tem
ligação com os buracos negros, o grande interesse dele ao longo da vida.
Vítor Cardoso explica que dentro de alguns deles, quando nasce a singularidade
e o horizonte de eventos, nasce também uma terceira estrutura chamada horizonte
de Cauchy. Esse horizonte também é uma fronteira: assim como o horizonte de
eventos é o momento a partir do qual nada escapa à ação do buraco negro, o
horizonte de Cauchy é a fronteira a partir do qual o determinismo científico se
degrada e o passado já não determina o futuro.
Porque é
que Stephen Hawking se interessou por isto? Porque tem ligação com os buracos
negros, o grande interesse dele ao longo da vida. Vítor Cardoso explica que
dentro de alguns deles, quando nasce a singularidade e o horizonte de eventos,
nasce também uma terceira estrutura chamada horizonte de Cauchy. Esse horizonte
também é uma fronteira.
O horizonte de eventos cria uma censura cósmica fraca porque quem
estiver antes dele não vê o objeto que o ultrapassa mesmo que ela ainda não
esteja dentro do buraco negro. O horizonte de Cauchy, por sua vez, cria uma
censura cósmica forte, porque se a ultrapassasse e desse um chuto à bola, não
faria a mínima ideia do que essa força lhe faria. Isto não parece estar
muito de acordo com as leis da física em vigor no nosso universo, por isso
assume-se que o horizonte de Cauchy é muito vaga e que só é possível na
matemática: não deve existir na realidade porque senão o mundo deixaria de ser
“um lugar seguro para os historiadores”, como Hawking diz que é.
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Reportagem por Marta Leite
Ferreira 03/11/2018
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