José de Souza Martins*
Na
entrevista não programada que o futuro ministro do Gabinete de Segurança
Institucional, general Augusto Heleno, concedeu ao jornalista Fabio Murakawa,
do Valor, no dia 8 de novembro, fez ele uma afirmação que pede a reflexão de
todos: "O problema da América do Sul é que sempre as elites ignoraram os
mais pobres. (...) As elites sempre viveram para si e sempre ignoraram a
desigualdade social".
A
afirmação do general não pode ser mais clara. É a do bom senso de quem comandou
a força da ONU no Haiti, um dos países mais pobres do mundo, e que, em
diferentes lugares do Brasil, viu a pobreza de perto.
O general
tem razão. Agora mesmo, na composição do novo governo, que expressa o domínio
dos interesses privados sobre o que é propriamente social e público, fica claro
quanto as elites respondem pelo beco sem saída da pobreza.
No
período neopopulista do presidente Luiz Inácio, ele próprio disse que nunca os
ricos neste país ganharam tanto quanto no seu governo. No entanto, os problemas
sociais se multiplicaram. Reformas sociais preventivas da pobreza tornaram-se
secundárias. Embora não houvesse e não haja por que não fazê-las. Nos países de
capitalismo sério não oneram as elites nem lhes tiram o que entendem ser de seu
direito. Asseguram justiça social e estabilidade.
Seria
injusto não reconhecer as muitas e exemplares exceções que são as de membros
das elites brasileiras que sabem que devem ao país os ganhos de sua
prosperidade. A sociedade não é constituída apenas de pessoas espertas. É
constituída de todos. Todos somos o outro. As elites também.
O Brasil
tem uma história de ações de setores minoritários das elites contra a pobreza e
o desvalimento, em relação aos que carecem do pão nosso de cada dia, de
alternativas de vida, de instrução. Na perspectiva correta de que a pobreza só
pode ser combatida com ações de oportunidades aos pobres para superação do que
os minimiza e abate. As que os integrem na sociedade. O Bolsa Família é necessário
como socorro de sobrevivência. Mas não soluciona o problema da pobreza. Não
toca em suas causas. Serve apenas para ir levando a vida.
Para
enfrentar a pobreza, é preciso reconhecer que os mais importantes instrumentos
de correção das desigualdades sociais, os ministérios da área econômica, são no
Brasil capturados pelos interesses das elites. Suas políticas enriquecem uns e
empobrecem outros ao mesmo tempo.
Pobreza,
no Brasil, é muito mais do que não ter dinheiro no bolso. Pobreza é também o da
situação daquele cujo capital cultural é jogado no lixo pelos presunçosos e
ignorantes que acham que só existe futuro na tecnologia que dispensa mão de
obra. E não nas preciosas tradições técnicas do povo, cuja agricultura e cujo
artesanato, produtivos e lucrativos, ainda dão emprego a muitos.
É claro
que as elites podem tomar iniciativas privadas de superação da pobreza e de
suas sequelas. E as tem tomado, com impactos decisivos no próprio destino da
nação. Destaco o melhor exemplo de uma intervenção social de altas consequências,
a criação da Universidade de São Paulo, em 1934. Júlio de Mesquita Filho, o
inventor da USP, estabeleceu como premissa que ela teria que ser pública, laica
e gratuita. Seria, portanto, uma universidade democrática, aberta a todos,
também aos pobres. Coisa de elite inteligente e culta.
A
universidade e o país recrutariam inteligências e não apenas alunos, de que o
Brasil carecia e ainda carece. Inteligências que existem também entre os
pobres, entre as mulheres, então discriminadas, entre os estigmatizados devido
à origem cultural e étnica, como pardos e pretos.
Nessa
concepção da elite, a USP se tornou a mais importante e mais verdadeira
universidade brasileira e uma das três mais importantes universidades da
América Latina. Ela é o nosso mais poderoso instrumento e símbolo da modernidade.
E foi criada menos de meio século após a tardia abolição da escravatura.
Foi o
nosso salto da escuridão da ignorância absoluta para o tempo das luzes e da
ciência. Ali, não só os filhos da elite e da classe média, mas também filhos de
trabalhadores têm obtido formação superior e se tornado artífices da
possibilidade de um Brasil econômica e socialmente desenvolvido.
Não se
pode esquecer poderosas iniciativas de emancipação social do povo, como a dos
irmãos Moreira Salles, de Milu Villela (do Banco Itaú), das escolas do
Bradesco, da Orquestra Sinfônica que o maestro Silvio Baccarelli criou na favela
de Heliópolis (SP). Antigos industriais, como Jorge Street e Roberto Cochrane
Simonsen, anteciparam-se ao governo na implantação, em suas empresas, de
relações de trabalho baseadas no reconhecimento de direitos que só mais tarde
seriam reconhecidos.
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*José de
Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP.
Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de Desavessos
- Crônicas de Poucas Palavras (Com-Arte).
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/5995273/o-general-tem-razao 23/11/2018
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/5995273/o-general-tem-razao 23/11/2018
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