domingo, 25 de novembro de 2018

CAPOTAGEM

  Jorge Mautner e João Paulo Reys*

 Jorge Mautner, durante o lançamento do livro "Kaos Total", em São Paulo, em 2016 - Bruno Poletti - 17.fev.16/Folhapress

Valores humanistas se preparam para o massacre

A velocidade da comunicação estabeleceu a simultaneidade que se amalgamou com outras simultaneidades na velocidade da luz e criou o efeito de capotagem. Como um carro que você acelera muito e capota, mas além: se desintegra.

Algo que te faz chorar agora, daqui a pouco já não faz. A exaustão provocada por isso é inédita. Há uma série de robôs que não são produzidos em fábricas, mas nos próprios neurônios. A informação desinforma pela ambivalência de simultaneidades vertiginosas.

As eleições mudaram no mundo todo. "Zuckerberg": montanha de açúcar (em alemão). É tudo domínio. Trump, na CNN, disse ser do "kaos". A quantidade altera a qualidade.

Capota-se de tal maneira que ressurgem antigas restrições. É como em Kierkegaard (1813-1855): o ser humano está em alta febre, girando a cabeça no travesseiro de um lado para o outro. Ainda há recantos oníricos, mas estão cercados de pessoas filmando e interpretando em linguagem capotada. É uma venda contínua à qual todo o mundo aderiu.

Onde restou a caricatura do socialismo, como na Venezuela, há um desastre absoluto. A extrema direita manobra a capotagem. Valores humanistas são expostos na vitrine, mas no fundo se preparam para o massacre. Há todas as aparentes escolhas, mas elas vêm capotando.

Jesus um dia chegou a um vilarejo onde viviam dois homens possuídos por demônios. Apavorados ao vê-lo, os demônios pediram que o filho de Deus tivesse piedade. Jesus permitiu que tomassem os corpos de porcos que estavam por perto. Endemoniados, os porcos saíram correndo até despencar, capotando, em um precipício. Imaginar e produzir o inesperado que vai impedir a capotagem até o abismo é um desafio para a arte, mas ela está capturada pela publicidade.

A vagarosidade é imprescindível para o pensamento, mas é desincentivada em um mundo de 8 bilhões de pessoas. A constituição única de cada ser parece ter sido destruída. Há uma vontade de se igualar a aquilo que está sendo apresentado pela comunicação.

Seja uma quitanda ou uma enorme corporação, todos perguntam ao computador o que fazer e obedecem à recomendação da máquina. Isso vem desde o telégrafo, mas se transformou nesses anos em que o computador dá as respostas corretas a partir do conglomerado de simultaneidades. Nunca houve tamanha clarividência. As pessoas têm a resposta de tudo por meio da comunicação e acham que sabem, mas não sabem. Não sabem porque não sabem as perguntas que levaram a aquela resposta que agora se apresenta em movimento alucinado.

Os governos com o rádio eram uma coisa e se tornaram outra com a televisão. Hoje, são um negócio no qual Trump é profissional, como um demônio. Em todos os sentidos: é mau caráter, abusa de mulheres.
Como Bolsonaro, promete capotar-nos de volta a um passado de KKK e ditadura, um impossível estado pré-capotagem. Qualquer coisa que eles irradiam é fruto de seu imenso conhecimento como vendedores de almas. Juntos, têm o dom de embaralhar tudo e ameaçam nos levar, capotando, até o abismo.
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Jorge Mautner e João Paulo Reys
Escritor, compositor e criador do Partido do Kaos; Documentarista e roteirista de "Kaos em Ação", com previsão de lançamento em 2019 (HBO)
FONTE:  https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/11/capotagem.shtml

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