Os dias cinzas me fazem ler um pouco mais. É o
melhor antidepressivo que conheço. Leio e viajo no tempo. Aos poucos,
respiro ares renovados e puros. Sinto-me na montanha. Parei, no sábado,
com o céu plúmbeo, para reler belas páginas de “Rubicão, o triunfo e a
tragédia da república romana”, do pesquisador britânico Tom Holland. É
muito melhor do que ficar na internet lendo declarações de Olavo de
Carvalho e Alexandre Frota. Roma nunca deixará de ser parâmetro para o
pior e para o melhor em quase tudo.
Era outro mundo. Sim, era outro mundo. Dos doze césares, só Cláudio
não teve amantes do mesmo sexo. Nero teve dois maridos simultâneos. Eram
loucos os romanos? Eram ousados. Vejamos esta passagem de Holland: “Na
Gália, lutando contra os bárbaros, César havia adotado a tática de
lançar-se rapidamente e com força sobre o inimigo quando este menos
esperava, por mais arriscado que isso fosse. Agora, assumindo o risco
supremo de sua vida, ele planejava usar a mesma estratégia contra seus
concidadãos”.
Que medo! Como é tempo de Feira do Livro em Porto Alegre, meu carinho
por esses objetos encadernados, ameaçados de extinção, aumenta. A sede
de poder não poupa os de casa. Tento aprender com eles. Sou lento. Se
não capto o mais profundo, absorvo o mais simples. Por exemplo, este
parágrafo de Holland: “Com crise ou sem crise, as estações do ano
chegavam e partiam como sempre. A primavera, florida e cristalina, era a
época em que a sociedade elegante partia para o campo. Em abril do ano
44 a.C. não foi diferente. Nas semanas que se seguiram ao assassinato de
César, Roma começou a esvaziar-se”. Vida que segue. Ditador morto, rei
posto. Fim da República. Começo do Império. César veio, viu, venceu e
morreu. Ponto.
A sorte, lançada, não para mais de rolar.
César chegara ao poder numa aliança com Pompeu e Crasso. Populista,
horrorizou a elite romana conservadora. Crasso cometeu um erro tão
grande em campo de batalha que perdeu a vida. Mas criou o erro crasso.
Pompeu rompeu com o ex-sogro Júlio César. Quis disputar o poder com ele.
Não deixou de ser um erro crasso. Acabou assassinado ao chegar no
Egito. O poder não dorme. Como as estações do ano. Consta que César
morreu por não ter sabido escutar a opinião dos adversários. Cansados de
guerra pelo poder os cidadãos partem em férias. O verão não está longe.
Com crise ou sem crise as praias chamarão. Na Roma pós-César havia rico
louco para sair da clausura da sua mansão. As flores do campo
precisavam ser colhidas e cheiradas. A tragédia ficava para trás.
Quem pode segurar esse vitalismo que se impõe como uma fera?
Pensariam em que os romanos nas suas residências campestres? Tom Holland
fechou o seu livro com uma boa sugestão: “’O fruto do excesso de
liberdade é a escravidão’, dissera Cícero em um lamento – e quem poderia
supor que sua geração, a última de uma República livre, viesse a
comprová-lo? Mas o que dizer sobre o fruto da escravidão? Quanto a isso,
caberia a uma nova geração, a uma nova era, responder”. Ainda cabe.
Talvez depois do verão.
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* Jornalista. Sociólogo. Escritor
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/11/11315/ecos-do-mundo-antigo/ 07/11/2018
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