Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr (*)
Nestes últimos meses, depois do ódio deflagrado por uma disputa
eleitoral sem precedentes, muito se falou nos rompimentos familiares e
nas acirradas discussões entre amigos e colegas de trabalho. Uma onda de
intolerâncias e certezas categóricas parecia nos impedir tanto de
pensar, quanto de demonstrar um mínimo de empatia com o outro. O medo, a
raiva, o ressentimento e a angústia dominavam os afetos e fechavam
portas para o diálogo. Como era de se esperar, o desamparo e a
indignação decorrente de tudo isso invadiu os consultórios dos
psicanalistas. O estrago não foi pequeno, provavelmente, vamos lidar por
muito tempo com os seus efeitos.
Depois dessa guerra declarada, alguns contam os mortos, outros
celebram vitória, muitos, apenas buscam cicatrizar as próprias feridas,
mas tem também, aqueles que continuam magoados e decidiram se afastar
por tempo indeterminado. Como as formas de reações são múltiplas, existe
a turma dos conciliadores. Estes são capazes de levantar a bandeira
branca e dizer “precisamos tocar a vida e parar de cultivar mágoas,
afinal, o natal está chegando, não vamos estragar a ceia…”.
E agora José? O que fazer com aquele tio que num afã de indignação tu
chamastes de vagabundo porque vive às custas de seus avós, sequer paga
pensão dos próprios filhos, e ainda por cima sempre acusava o teu
candidato de irresponsável? E o primo, defensor feroz de Deus acima de
todos, embora passasse avançando o sinal com todas as mulheres, não
poupando sequer as menores de idade? Pai é pai, mas não está imune,
sobretudo depois de pronunciar a fatídica frase num jantar de família:
“meu sonho é ver os militares no poder”. E aquela tia-avó Tutancâmon,
capaz de ressuscitar somente em noites de natal que jura que tu és um
comunista esquerdopata? Como encarar aquele irmão do coração que no
calor da discussão disse para você ir morar na Venezuela…
Será possível passar o natal juntos? Além de tudo isso, como sabemos,
os eternos narcisismos das pequenas diferenças pulsam nestas datas,
como por exemplo: o elogio somente dado a nora do filho preferido, as
diferenças na escolha dos presentes, sem falar na não equivalência nas
distribuições dos afetos. Pas de problème é natal, o amor irá
renascer no coração de todos… Tá parecendo muito louca essa família?
Quem tiver alguma mais normal, favor jogar a primeira pétala. Confesso,
eu que sempre levei a pecha de estar entre os ponderados, tive o meu piti e saí do grupo de whats.
Minha rebeldia adolescente durou apenas três dias, não importa, era
questão de honra, kkkk… Curioso, mas um familiar sempre avesso aos
encontros do feudo pedia encarecidamente o meu retorno. Grata surpresa,
para além dos estereótipos, a sabedoria pode vir de onde menos se
espera.
Quanto ao natal, a saída mais fácil poderia ser: # rivotril no peru.
Afinal de contas, peru não tem gosto de nada e, além do mais, as pessoas
tem tomado essa coisa com a mesma naturalidade com que escovam os
dentes. Mas, pensando bem, o momento não é de se anestesiar, pelo
contrário, cabe um esforço para retomar o diálogo e fazer as devidas
autocríticas. Assim, a tolerância e a reponsabilidade com as futuras
gerações podem auxiliar a superar divergências, aparentemente,
incontornáveis. Mesmo porque, nunca é demais lembrar: somos seres de
linguagem. Desse modo, precisamos dar valor a palavra do outro, pois
este é único recurso para sairmos da lógica da exclusão, da paranoia e
do culto ao eterno ressentimento.
Então, vamos deixar o rivotril de lado, mesmo porque, ninguém espera
muita coisa de um peru hoje em dia. Eu já me decidi, quanto a ceia, a
minha expectativa estará na sobremesa. Já estou imaginado a mesa de
doces da minha falecida avó, na esquerda, sorvetes de diversos sabores,
no centro esquerda, chico balanceado, no centro, o clássico pudim, na
ala direita, sagu com creme e na extrema direita da mesa, o brigadeiro,
de terra e ar? Deus me livre…
Hoje, quando acordei, lembrei de ter sonhado estar me esbaldando num
pote de sorvete, no balanço daquela música do Chico: Vai passar nessa
avenida um samba popular, cada paralelepípedo da velha cidade essa noite
vai se arrepiar…
Eu sei, parece difícil cantar numa hora dessas, pois fomos duramente
advertidos. No entanto, estaremos prontos para 2019, agora, mais atentos
para que todo mundo tenha o direito de sustentar suas escolhas, bem
como, de portar as próprias bandeiras, sejam elas quais forem…
Confesso, fiquei tentado por um pedacinho de pudim. Talvez porque o centro será inevitável em 2022.
---------------- (*) Psicanalista, Membro da APPOA e Instituto APPOA, Doutor em Psicologia Social e Institucional – UFRGS.
Fonte: https://www.sul21.com.br/colunas/coluna-appoa/2018/11/enfim-depois-de-tanto-odio-aproxima-se-o-natal-rivotril-no-peru/
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