O escritor Luis Fernando Verissimo na cerimônia de entrega do Prêmio Jabuti de 2017 -
Citado na internet como autor de textos que não são seus, escritor lança 'Ironias do Tempo', de crônicas
Nos últimos 20 anos, o escritor Luis Fernando
Verissimo diz que viu os cabelos irem embora, algumas ilusões políticas
também, e passou a escrever menos. “Sempre me admiro com o tamanho dos
meus textos antigos. Não sei se fiquei mais sucinto ou mais preguiçoso.”
Algumas dessas mudanças estão condensadas em seu novo livro, “Ironias
do Tempo”, lançado pela Objetiva. Nele, Adriana e Isabel Falcão
selecionam crônicas publicadas na imprensa de 1998 a 2018, todas
relacionadas de alguma maneira à passagem do tempo e às mudanças que
duas décadas impuseram ao dia a dia.
Estão lá o fim do governo FHC, o início dos anos Lula, a Lava Jato, o
surgimento do programa Big Brother e do celular, a navegação por GPS, o
futebol por pay-per-view...
Tudo
costurado com as linhas que costumam compor a crônica brasileira, feita
ao mesmo tempo de literatura, da efemeridade dos acontecimentos e de
uma leveza que parece um bate-papo de boteco entre escritor e leitor.
“As crônicas da era clássica, de Rubem Braga, Paulo Mendes
Campos, Antônio Maria, Fernando Sabino, Sérgio Porto, aquela turma, eram
mais literárias e mais bem escritas, acho eu. E podiam ser líricas ou
impressionistas sem destoarem demais do resto do jornal. Hoje, a
realidade estampada na imprensa não permitiria isso”, acredita.
A essa altura da entrevista, Verissimo se desculpa, e diz que a
crônica está a caminho de se tornar obsoleta. Sinal dos novos tempos?
“Na China, dizer ‘que você viva em tempos interessantes’ é uma praga
que se roga para o pior inimigo. Acho que estamos vivendo tempos
interessantes demais”, diz.
Mas, lendo os cerca de 90 textos reunidos no livro, percebemos que o
Brasil sempre foi um lugar interessante até demais. É justamente daí que
vão aparecendo nas entrelinhas algumas das tais ironias que dão título à
coletânea —afinal, o tempo pode até passar para todos, mas há um monte
de coisas que não mudam de jeito nenhum.
Não apenas na política ou nos costumes, mas talvez na própria
crônica, um gênero que pode se mostrar mais duradouro do que se costuma
comentar. “Como dizem que ela é tudo o que é chamado de crônica, então
pode ter uma sobrevida, mesmo camuflada de outra coisa”, confessa.
Se é o caso dos textões nas redes sociais ou dos memes mais
compartilhados da última semana, Verissimo não sabe —embora essa seja
uma seara em que ele reina praticamente absoluto, tendo talvez o posto
ameaçado somente por Clarice Lispector.
Os dois costumam ter frases, análises, pensamentos e avaliações
compartilhados a torto e a direito pela rede. Grande parte delas,
contudo, não foram, de fato, escritas pelos autores. “Não há o que
fazer, que eu saiba, contra esse tipo de coisa. Já fui muito elogiado
pelo que nunca escrevi, não estou me queixando. Chato vai ser quando um
falso texto meu difamar alguém.”
Contra isso existem os livros e antologias, um jeito de driblar as
armadilhas do tempo e dizer: olha, isso aqui fui eu mesmo que escrevi.
Mas Verissimo tem outra dica para leitores que não quiserem dar tempo
ao tempo e desejarem uma resposta mais imediata sobre a autoria de algo
que viralizou nas redes e que esteja assinado por ele.
“Há uma maneira de detectar se o texto é falso ou não: se o Luiz da
assinatura for com Z, o texto não é meu. Se for contra o Bolsonaro, é.”
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Reportagem Por Bruno Molinero São Paulo
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/11/ja-fui-muito-elogiado-pelo-que-nunca-escrevi-diz-luis-fernando-verissimo.shtml
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