Roberto E. Zwetsch*
Na crise civilizatória, o erótico definha devido à “erosão do
Outro”. Há expressões políticas: no Brasil, a coisificação da terra; ou a
arma apontada contra quem diverge
Por Roberto E. Zwetsch | Imagem: George Groz, Dentro e Fora (1926)
Descobri outro dia um filósofo coreano que estudou filosofia na
Alemanha, tendo concluído seu doutorado sobre Martin Heidegger em 1994, e
atualmente é professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade
de Berlim. Seu livro Agonia do Eros (Petrópolis: Vozes, 2017)
foi como um deslumbramento. Neste texto aproveito de algumas de suas
ideias para ir adiante e comentar o que estamos a viver no Brasil pós 28
de outubro.
Byung
Chul Han escreve que vivemos atualmente no mundo uma situação em que o
amor está sendo sufocado, mais do que a liberdade sem limites ou as
possibilidades aparentemente infinitas (para quem mesmo?). Mas a crise
do amor é mais profunda do que parece. Diante da incapacidade de amar, o
que está a destruir as relações é a erosão do Outro, que atinge todos os âmbitos da vida e caminha cada vez de forma mais acelerada e de mãos dadas com o narcisismo doentio que invade as nossas vidas. Escreve Han: “O fato de o outro desaparecer é um processo dramático, mas, fatalmente avança, de modo sorrateiro e pouco perceptível”. Um indício é a torrente de selfies que as pessoas fazem de si mesmas, sem qualquer constrangimento e em qualquer lugar.
Eros é aquela dimensão constitutiva de cada pessoa que se aplica de
modo enfático à outra pessoa e não pode ser abarcado pelo regime do eu.
No inferno do igual, pelo qual só reconhecemos quem nos serve de espelho
(narciso, vide música de Caetano Veloso), já não mais nos encontramos, na sociedade atual, com a experiência erótica.
E por quê? Ora, a experiência erótica pressupõe a assimetria e
exterioridade do outro, explica Han. E se não reconhecemos a outra
pessoa como outra, nos tornamos incapazes de amar, portanto, de chegar a uma viva e libertadora experiência erótica.
Que é e será sempre libertadora de nós mesmos, de nossas frustrações e
incoerências. Em suma, o que Han argumenta é que apenas o outro nos salva de nós mesmos. Ele é um dom
que nos faz superar o ensimesmamento e assim recuperar nossa humanidade
possível. Em palavras bíblicas, quando nos tornamos fracos é que somos
fortes. Aprendemos a ser de forma nova, inesperada!
O argumento é consistente. Por isto o que vigora na atualidade é a pornografia. Ela é a distorção do erótico justamente porque responde exclusivamente ao narcisismo que ignora ou perverte a outra
pessoa. Han mostra como nesse sentido a libido – algo constitutivo de
cada qual – é investida primordialmente na própria subjetividade. Ora, o
narcisismo não é um amor próprio porque o sujeito do amor próprio
estabelece uma delimitação negativa frente ao outro para
beneficiar a si próprio. Quer dizer, de forma doentia, o sujeito
narcísico não consegue estabelecer claramente seus limites, de tal forma
que não consegue também perceber o outro em sua alteridade e reconhecer tal alteridade. Ele só encontra sentido ali onde consegue reconhecer apenas a si mesmo. Ele não sabe amar. Se posso completar, ele se torna alguém ensimesmado, completamente voltado ao próprio umbigo. É esta atitude verdadeiramente patológica que impede a pessoa de conhecer a experiência erótica. Temos então a prevalência da pornografia das relações.
Pensando sobre o que se passa no Brasil já faz anos, eu
acrescentaria a esta instigante tese de Byung Chul Han o seguinte.
Quando nos deparamos com aquelas grandes máquinas que cortam as terras
do agronegócio, que lançam sementes às terras previamente desmatadas,
cientificamente programadas por computadores e toda a nova tecnologia,
fico a pensar se não temos aí algo parecido com o que se dá nas relações
humanas. A terra é tratada como coisa, como objeto de uso e como mero
recurso ou suporte para a obtenção de um produto exportável e que gera
lucros imensos. Não me parece que este tipo de agro seja pop.
É antes uma forma sofisticada de destruição da terra, dos solos, da
vegetação, do ambiente, com consequências gravíssimas para os solos
brasileiros. É como um estupro da terra. E mais: todo o processo de
produção só se efetiva com uma monumental utilização de venenos ou
agrotóxicos, palavra que os plantadores desse tipo de produto querem
suprimir do vocabulário agronômico. Para ficar no tema do filósofo Han,
me pergunto se não temos aí algo como um narcisismo do lucro
acima de tudo. E se isto é assim, o que se pode afirmar é que de modo
semelhante à pornografia das relações, o que nos questiona hoje nesse
caso seria a pornografia da terra, não mais amiga e parceira de uma relação de amor, mas antes objeto de uso sem freios ou limites.
___
* Roberto E. Zwetsch é pastor luterano e professor de teologia
Fonte: https://outraspalavras.net/brasil/sobre-a-agonia-do-eros-e-a-pornografia-politica/
Nenhum comentário:
Postar um comentário