Thales Guaracy*
Passado 1 ano de gestão, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem
emitido sinais de preocupação com a renda da população mais pobre, a
fatia que decide eleições, mas a que menos vem sentindo efeitos da
política econômica liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na semana passada, Bolsonaro aprovou por medida provisória o segundo reajuste do salário mínimo em menos de 1 mês –em dezembro, ele subiu de R$ 998 para R$ 1.039, e agora subiu de novo, para R$ 1.045.
Na semana passada, Bolsonaro aprovou por medida provisória o segundo reajuste do salário mínimo em menos de 1 mês –em dezembro, ele subiu de R$ 998 para R$ 1.039, e agora subiu de novo, para R$ 1.045.
A
correção do salário mínimo pouco ajuda quem trabalha no setor privado,
desobrigado pela mais recente reforma trabalhista e abundante de oferta
de mão de obra. No setor público, porém, o reajuste final, de 4,7%,
maior que a inflação de 4,48% em 2019, terá grande impacto. Implicará
num esforço financeiro adicional de R$ 2,3 bilhões ao longo de 2020,
pelas contas de Guedes, que já declarou a necessidade de ter que cortar
esse valor, compensatoriamente, de outro lugar.
Esse não é o único
indício de que Bolsonaro gostaria de repensar algumas rotas da política
econômica em função dos mais pobres. Depois de criar um 13º do Bolsa
Família, em 2019, o presidente resolveu ouvir mais os ministros ligados à
área social: Osmar Terra, da Cidadania, e Damares Alves, da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos.
No último dia 8 de janeiro, o porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, disse à imprensa que o governo pretende “aperfeiçoar”
o Bolsa Família, quintessência das políticas assistencialistas do PT,
que hoje atende a 13 milhões de famílias de baixa renda. “Tudo indica“, segundo ele, que o governo vai trocar o programa de nome –uma forma de encampá-lo como projeto da gestão atual.
Bolsonaro
começa a olhar para a base da pirâmide eleitoral, primeiro porque
acumula muitos problemas de sustentação e, como aconteceu com o PT,
passa a depender cada vez mais da popularidade como escudo contra um
massacre político.
Nesse sentido, Guedes não vem ajudando. Num de
seus acessos de sinceridade, em 19 de dezembro passado, o ministro
chegou a dizer com todas as letras que a política econômica do governo
não é mesmo feita para o povão.
“Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social“, disse ele. E ainda ironizou: “Será que vocês precisam de um ditador? Vamos trazer o Fidel [Castro, ex-presidente de Cuba, já falecido] que ele resolve o problema da desigualdade.”
O
fato é que o ultraliberalismo de Guedes pode consertar alguns erros
estruturais da economia brasileira, mas tem pouco ou nenhum efeito sobre
o emprego ou a concentração de renda no cenário atual.
Esse nem é
um problema brasileiro, e sim mundial. A maioria dos países ao redor do
mundo hoje sofre com as consequências de uma era liberal que justamente
só aumentou a desigualdade desde os anos 1980. Até os Estados Unidos,
pátria do liberalismo radical, e origem do seu filho mais perfeito, o
capitalismo tecnológico, teve que fazer um esforço considerável nos
últimos anos para corrigir sequelas deixadas pelo livre mercado global.
A
economia americana vem crescendo ano a ano e hoje tem a menor taxa de
desemprego nas últimas 5 décadas (3,5%), mas isso se deveu em grande
parte ao esforço do governo de salvar endividados depois do estouro da
bolha financeira de 2008. O capitalismo americano voltou a crescer
graças ao aumento da dívida pública, que cresceu ainda mais que o PIB, a
ponto de ficar maior ele em 2018. Enquanto o PIB americano saiu de US$
14 trilhões para US$ 20,41 trilhões em 10 anos, a dívida saltou de US$
10,7 trilhões para US$ 21,19 trilhões.
Apesar do crescimento
econômico, a concentração de renda nos Estados Unidos aumentou, como
aconteceu no mundo inteiro. A conta social, que levou o Brasil quase à
falência no governo de Dilma Roussef, é também a preocupação central em
países ricos da Europa, como o Reino Unido, que agora quer sair da União
Europeia de forma a reter recursos para conter a insatisfação interna.
O
problema da economia contemporânea é que o mundo liberal concentrou a
renda em corporações transnacionais, que cultuaram a lucratividade, a
redução de estrutura e o ganho de escala, capaz de destruir empresas
locais e setores inteiros da economia tradicional. Ao mesmo tempo, a
população mundial saltou de 4 para quase 8 bilhões de pessoas nos
últimos 40 anos. E, onde a população e a miséria crescem, o governo está
em crise, especialmente nos regimes democráticos, onde se depende do
voto popular.
Nesse cenário, o Brasil é dos que está em pior
situação. Mesmo com o esforço assistencialista do governo, a
desigualdade no Brasil é das maiores do mundo. De acordo com o World
Inequality Report, estudo publicado em 2018 com dados de 2016, no Brasil
55% da renda nacional se encontrava nas mãos dos 10% mais ricos.
Era
o mesmo índice da Índia, e ficava abaixo apenas dos 61%, em média, das
nações do Oriente Médio –onde há países como a Arábia Saudita, em que
quase tudo pertence ao rei, e o que não pertence lhe paga tributo.
Bolsonaro
sabe que um povo com grandes expectativas, do tamanho de suas
necessidades, pode também sofrer uma grande reversão dessas mesmas
expectativas. Porém, trilhar os mesmos caminhos que já não deram certo
no passado –seja o liberalismo radical de Guedes ou o assistencialismo
dos governos do PT– não conduzirá a uma solução.
Não há como andar
para a frente olhando para o passado. É preciso encontrar soluções
novas, dentro dos paradigmas da nova economia.
Uma dessas medidas
certamente seria taxar operações financeiras, como Guedes já chegou a
estudar. Os bancos são hoje intermediários de todas as transações,
inclusive pelo meio digital. E a tecnologia pode colaborar para capturar
a receita sobre o capital, em vez de apenas promover a sua fuga. A
proposta, porém, foi queimada na largada, assim como quem a elaborava, o
economista Marcos Cintra, demitido da Secretaria da Receita Federal em
setembro do ano passado.
Para desconcentrar a renda, a única
solução real é taxar quem a concentra. Isso significa que hoje as
grandes corporações transnacionais, especialmente os bancos, que são 8
das 10 maiores empresas do planeta, de acordo com o mais recente
levantamento da revista Forbes, o Global 2000, publicado em 2019.
Porém,
até hoje, preferiu-se mandar a conta para o cliente, ou o contribuinte,
onerando ainda mais quem já está onerado, em vez de mexer com
corporações que ficaram maiores que o próprio Estado.
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* Thales Guaracy, 55 anos, é jornalista e cientista social, formado pela
USP. Prêmio Esso de Jornalismo Político, é autor de livros como "A
Conquista do Brasil", "A Criação do Brasil" e "O Sonho Brasileiro",
entre outros. Pertence ao board do Projeto Condorcet, plataforma
colaborativa global para o desenvolvimento da democracia na era digital.
Fonte: https://www.poder360.com.br/opiniao/economia/bolsonaro-entre-o-liberalismo-e-o-assistencialismo-escreve-thales-guaracy/ 20/01/2020
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