J.J.CAMARGO*
COMO ERAM AS FESTAS DE TURMA ANTES DO ADVENTO DO ASSÉDIO SEXUAL E DO BULLYING
Os reencontros de turma - e estou
falando de uma turma graduada há mais de 45 anos - trazem, com grande
frequência, a ressurreição em tempo real de um dos sentimentos mais
marcantes da nossa juventude: a alegria.
Recapitulando algumas festas loucas e tantas bobagens
irresponsáveis, percebemos que o produto final permanece intacto: o
riso. E, lembrando, rimos de novo e riremos outra vez no próximo
encontro, porque rir era tão bom, que assumimos, inconscientemente, o
compromisso implícito de preservar a razão do riso.
Nós festejávamos mais, amávamos mais, bebíamos mais,
brigávamos mais e temíamos menos. Como nunca se tinha ouvido falar em
assédio sexual, éramos mais carinhosos e espontâneos. Se nos
referíssemos a alguém pela raça ou cor da pele, ninguém corria para o
banheiro para chorar. No máximo, uma troca de baixarias e depois nos
abraçávamos, sem melindres, pela mais óbvia das razões: ninguém podia
ser diferente do que era, só porque simpatizava mais com a outra turma.
Como bullying (do inglês bully, que significa "tirano",
"valentão", "brigão") não fazia parte do vocabulário da época, a
gozação era livre e nunca se soube de ninguém que tivesse recorrido à
ajuda psicológica por sentir-se zoado demais. Não se pode dizer que a
nossa turma era uma amostra irreal da juventude daquela época, pelo
contrário, todos os tipos estavam representados. Alguns eram líderes
naturais, e a maioria ficava com inveja por não ser como eles (naquela
época havia a inveja boa!). Havia os espalhafatosos e os retraídos, os
que gostariam de ser inteligentes, e os que eram. E, entre esses, alguns
eram muito. Como seres humanos comuns, tínhamos uma maioria solidária
na fraternidade e na gozação, e um núcleo de egoístas, que ostentavam
uma certa arrogância, porque ingenuamente ignoravam o quanto a vida real
seria intolerante com esse perfil no futuro.
Os distúrbios comportamentais que atualmente têm
ocupado tanto espaço em literatura leiga e científica eram raros. Numa
turma de 125 alunos, com idade média abaixo de 20 anos, na admissão,
tínhamos dois colegas que, à época, não sabíamos classificar, mas que
hoje reconheceríamos como emocionalmente instáveis. Ou seja, bem abaixo
da média mundial atual, segundo relatório recente de Organização Mundial
da Saúde (OMS), que revelou um aumento nos últimos 10 anos de 18,4% no
número de pessoas com depressão - hoje, isso corresponde a 322 milhões
de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. Para piorar, os
brasileiros estão elevando esses índices. No nosso país, 5,8% dos
habitantes sofrem com depressão, a maior taxa do continente
latino-americano. Estudos em andamento em universidades brasileiras
revelam índices assombrosos de ansiedade entre jovens que deviam estar
curtindo muito essa idade maravilhosa em que a única atitude
inadmissível é sonhar pequeno, e a maior motivação, o desafio de
estabelecer o tamanho do futuro. Este que sempre virá para premiar quem
teve coragem.
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* Médico. Escritor.
Imagem da Internet
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=18f168c94d481a47183fd270bf2b5d58
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