sábado, 25 de janeiro de 2020

Nós, os ferozes

Lya Luft*

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Gosto das redes sociais, no que têm de útil, de bom, 
prazeroso e humano.

Fui talvez dos primeiros escritores a usarem computador, incrível facilitador do meu trabalho. Uso redes sociais, muito moderadamente, até por timidez quem sabe. Tenho Face, dois ou três pequenos grupos de amigas, uso Whats com moderação, sou de modo geral retraída.

Mas eu aprecio isso da comunicação. Converso com netos na Nova Zelândia ou Estados Unidos, acompanho um pouco sua vida e trabalho, conversava com filho na África, converso com amigos e amigas aqui perto, falo com pessoas com as quais raramente me encontraria. Aprendo muitíssimo no YouTube, vejo excelentes documentários, enfim também aí vou crescendo. Mas um aspecto me impressiona negativamente: a livre saraivada de insultos, em geral errados ou gratuitos, xingamentos de nível duvidoso, brigas ásperas por política ou qualquer opinião, com que tantos se digladiam. Expor a cara a qualquer objeto que nos joguem não é fácil. Os desastres de que se tem notícia nesse território, traições, engodos, armadilhas, negócios fraudulentos, difamações... a lista é grande. Como se, na tela, não importassem educação, gentileza, ninguém se constrangesse de magoar ou ofender outros.

Uma conhecida jornalista, minha amiga, com quem não necessariamente concordo sempre, tem sido insultada de maneiras degradantes, acusada de coisas hoje irrelevantes, mas graves se postas em público, difamada de graça por ódios ideológicos. Outra amiga, artista conhecidíssima, é xingada por ter usado legitimamente benefícios monetários criados para artistas poderem exercer seu ofício. Nada de ilegal, ou fraudado, nenhum roubo ou exagero. O príncipe Harry, nesse conflito certamente doloroso de se apartar da família real, tem sido chamado de "bundão", que valoriza a sua mulher mais do que a realeza, e "vai ver o que é bom". Por que o príncipe seria bundão, se na verdade sempre teve um lado rebelde, problemas emocionais que agora admite, relacionados com a morte brutal da mãe, se foi destacado duas vezes na guerra do Afeganistão onde serviu com distinção e valentia na Marinha e onde é muito respeitado? E por que de repente Regina Duarte é chamada de "Porcina"...?

Sei que é democrático usarmos de todos os meios e armas a nosso dispor. Sei que é democrático que figuras públicas sejam sujeitas a difamação, insulto, inverdades. Mas democracia deveria significar respeito: pela decência, pelos costumes, pela honra, pela verdade. E assim lembro esse ser predador que reside em todos nós, pronto a destruir, esmagar e sujar o outro, como se todos fossem adversários possíveis e iminentes.

E como se, embora humanos, tivéssemos licença de agir feito ferozes criaturas de uma selva primitiva e sombria.
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* Escritora. Colunista da ZH.
Fonte:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=3735f534900d953a93802b34d6360b65 25/01/2020
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