Lya Luft*
Acreditei em muita coisa até quase o
fim da infância e até hoje acredito em um monte de coisas, algumas das
quais até duvido, mas faço calar a dúvida - porque, às vezes, acreditar é
melhor, mais sábio ou... mais confortável.
Um pouquinho covarde, e daí? Nem todo mundo tem de ser
herói. Venerei Joana D?Arc no livro de Erico Verissimo, que iluminou
parte de minha infância e meu amor pelas palavras, mas não queria estar
no lugar dela. Mas neste mundo, nesta hora, bem que a gente precisava de
um pequeno exército de Joanas D?Arc e cavaleiros correspondentes.
Mas... ignorar é tão doce... fingir pode ser tão
tranquilo... e por outro lado, quem aguentaria enfrentar todas as
loucuras deste mundo, desta hora? Então a gente vai toureando com as
realidades ruins, do jeito que dá. Dinheiro curto? Fechamos a bolsa, a
carteira. Filho malcriado? Repensamos nossa atitude com ele, mesmo sem
saber se deve ser para mais carinho ou mais dureza.
Mil recomendações sobre alimentação e saúde? Carne
vermelha, morre mais cedo. Muito carboidrato, idem. Tudo depende do
ponto de vista, do ângulo e das possibilidades de cada um. Há bastante
tempo, como menos carne mas nunca foi por convicção, por não querer
matar e comer quem tem rosto, cara ou focinho e pode me encarar. Talvez o
corpo vá se adequando ao que lhe serve melhor.
Então como se faz?, perguntam. Existe uma coisa chamada
bom senso, com que todos nascemos e que pode nos orientar bastante bem.
Além disso, receitas, sugestões ou ordens, que vêm de fora, mudam com o
tempo. E com os costumes.
Na infância de minha mãe, comia-se pão feito em casa,
com banha de porco em lugar de manteiga, mais saboroso, diziam. Eu me
horrorizei quando me disseram. Nenhum dos meus tios morreu cedo devido a
isso. Piolho na cabeça da meninada mesmo em colégio caro? Neocid em pó e
touca de banho da mãe por uma hora, depois lavar, e deu. Ninguém que eu
conheça ficou louco por isso.
Chinelada quando preciso, que ninguém é de ferro e
sobretudo meninos ativos, depois de dois ou três dias de chuva fechados
em casa na praia, fazem qualquer um perder a cabeça. Gritaria,
empurrões, mãe, o mano tirou meu carrinho, mãe, o mano baixou minha
calça, mãe, dá um jeito nesses guris pelamordedeus.
Desconfio um bocado dessas modas e ídolos que hoje nos
atropelam e confundem, principalmente a meninada. Todo rico não presta.
Moralidade é coisa de velho. Emprego, só ganhando bem de saída, e sem
chefe pra atazanar a gente. Para segurar seu homem ou enlouquecer sua
mulher (amante se for o caso), as recomendações são tão acrobáticas que o
melhor seria voto de celibato. Pensando bem, eu ainda acredito em muita
coisa: decência, gentileza, afeto; confiança e respeito; boa
administração de dinheiro e amor; um pouquinho de loucura aqui e ali, às
vezes mergulhar e ver o que acontece.
E, como respondi certa vez a uma das minhas crianças
que perguntava sobre gnomo e fada, "pra quem acredita, existe", eu
acredito que somos trapalhões mas não inteiramente burros: o ser humano
acaba consertando, um pouco, as bobagens que faz ou as tragédias que
causa.
---------------
*Escritora e tradutora brasileira. É colunista semanal da ZH e professora aposentada da UFRGS.
Imagem da Internet
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=36b940ab6e3e9cf977f92dd0448e27dc 18/01/2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário