sábado, 25 de janeiro de 2020

Uma sociedade plural

Martha Medeiros*

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Nunca esqueci a letra de Jesus Cristo, gravada por Roberto Carlos (Quem poderá dizer o caminho certo é você, meu Pai). E continuo a me emocionar com os versos de Se eu quiser falar com Deus, de Gilberto Gil, que definiu sua canção como agnóstica (Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/ E apesar de um mal tamanho/ Alegrar meu coração). Entre a crença e a dúvida, aumento o volume em Sympathy for the Devil, dos Stones, que alguns traduzem por Simpatia pelo Demônio, outros por Compaixão pelo Demônio: ou seja, ele também está no meio de nós. E agora? Preciso urgente de uma cultura nacionalista, heroica, que exalte as virtudes da luta contra o mal. Uma tarefa para o governo, que foi eleito para salvar esta alma perdidona aqui.

"Quando a cultura adoece" foi um dos termos usados naquele fatídico pronunciamento que, espero, tenha ficado pra trás. Cultura adoece? Sim, adoece. Uma cultura doente é uma cultura aprisionada, asfixiada. Uma cultura baseada em preceitos religiosos - e de uma única religião, sem considerar as outras. Uma cultura que visa orientar e tutelar o povo, e não diverti-lo e apresentá-lo a formas diversas de enxergar o mundo. Uma cultura totalitária, escolhida por um pequeno grupo que acha que sabe o que é melhor para você, para mim e nossos filhos. A gente só precisa dizer amém.
Este é o quadro clínico de uma cultura doente.

O episódio Alvim uniu direita e esquerda no mesmo espanto porque não foi uma patuscada a mais. Descortinou-se uma ambição: reger a cabeça dos brasileiros. Talvez você esteja preocupado apenas em conseguir um emprego e colocar comida na mesa. Seu desejo é muito justo. Aliás, é o mesmo de 220 milhões de habitantes. Mas estão querendo em troca que você apenas trabalhe, coma, reze e durma. Trabalhe, coma, reze e durma. Trabalhe, coma, reze e durma.

Não durma. Cultura é arte expandida, democrática, plural. Também alimenta o espírito. É o que nos torna mais humanos e menos preconceituosos. Faz a gente fantasiar, sonhar, se arrepiar. E também choca, surpreende, perturba. Arte é o que liberta da bolha e exercita a amplitude do olhar. A arte não precisa ser boazinha, papai-e-mamãe. Ela pode ser o que quiser. Insana, bonita, violenta, sagrada, profana, regional, universal. Você é que escolhe o que quer conhecer e o que não quer. Um presidente é um servidor público, não é o Messias, não decreta o que é certo e errado para você, apenas promove a abertura de mentalidade para que todos se sintam incluídos. Você pode se emocionar com Roberto Carlos, com Gil, com Mick Jagger e com mais uma centena de diferentes artistas, simultaneamente, e estará tudo bem, pois vida é a explosão de sensações contraditórias que fazem você transcender a rotina escravizante de apenas trabalhar, comer, rezar e dormir.
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* Jornalista. Escritora. Colunista da ZH
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=0597d98d8412ccb9d0e236d3763a2970 25/01/2020
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