Por Stela Campos — De São Paulo
Goldsmith diz que por estarem tão focados em conquistar, líderes esquecem a razão pela qual estão trabalhando — Foto: Divulgação
A grande doença ocidental é pensar: eu serei feliz quando A felicidade é um processo constante, não é chegar a um lugar ou situação, porque sempre existirá uma nova meta, um outro desafio no trabalho. A chave do sucesso é conseguir tirar proveito do processo, do que está fazendo sem se tornar psicologicamente apegado aos resultados. “O que acontece depois que se alcança resultado? Temos uma sensação de satisfação de curto prazo, que dura quanto? Uma semana, um mês. Se a pessoa se valorizar como humano baseando-se apenas em resultados, invariavelmente terá problemas.”
Essas reflexões estão no novo livro de Marshall Goldsmith, “The Earned Life” (algo como “A vida ganha”, em uma tradução livre), lançado em maio e que já está na lista dos dez mais vendidos do jornal “The New York Times”. Autor de 40 livros sobre gestão e liderança, Goldsmith foi professor no Dartmouth College e é considerado uma das maiores referências em coaching para alta liderança. Há 50 anos, aconselha CEOs de grandes corporações globais. Em entrevista ao Valor, ele falou sobre a importância de deixarmos os arrependimentos de lado na vida profissional. Disse, ainda, que as organizações serão beneficiadas se conseguirem fazer as pessoas terem mais foco no futuro do que nos erros do do passado. A seguir os principais trechos (confira a entrevista, em vídeo, abaixo):
Valor: Na sociedade moderna, é mais comum se valorizar o sucesso pelo atingimento de grandes resultados do que as pequenas conquistas que nos ajudam a construir nossa reputação na carreira. Isso é algo que deveríamos reconsiderar?
Marshall Goldsmith: Acho que é importante não se focar demais nos resultados e não basear neles seu valor como ser humano, por duas razões. A primeira é que você não tem controle total sobre os resultados, existem muitas variáveis, algumas você talvez controle, outras não. A segunda é o que acontece depois que você alcança os resultados. Temos uma satisfação de curto prazo, que dura o quanto? Uma semana, um mês. Se você se valoriza como humano se baseando em resultados, você invariavelmente terá problemas. Uma das pessoas brilhantes com quem trabalho se chama Safi Bahcall. Ele escreveu um livro chamado “Lunáticos” (Editora Sextante), é um cientista com doutorado em física em Stanford e diz que costumava acreditar que a felicidade dependia das conquistas e que, se ele fosse bem-sucedido, seria feliz. Mas ele percebeu que felicidade e sucesso são variáveis independentes. Você pode conquistar muito e ser feliz, você pode conquistar muito e ser infeliz, você pode não conquistar nada e ser feliz e você pode não conquistar nada e ser infeliz, você pode não conquistar nada e ser feliz e você pode não conquistar nada e ser infeliz. A grande doença ocidental é pensar “eu serei feliz quando eu tiver dinheiro, status, BMW, um imóvel”. Mas isso não é verdade. A felicidade tem que ser agora e ela existe no momento presente. É um processo constante, não é você chegando a um lugar ou a uma situação. Tem um livro que tem sempre o mesmo final: “e eles viveram felizes para sempre” - e ele se chama conto de fadas, não é o mundo real.
Valor: Às vezes nos sentimos insatisfeitos muito rapidamente em relação a alguma coisa pela qual trabalhamos muito para conseguir, como uma promoção, um negócio. Como podemos fazer esse sentimento de realização durar mais?
Goldsmith: Há três variáveis que precisamos para termos uma vida ótima, supondo que você já tem bons relacionamentos com as pessoas que você ama e uma renda de classe média. O que importa na vida, então, são três coisas. A primeira é: você tem uma aspiração maior, luta por algo, tem uma razão pela qual está fazendo esse trabalho duro. Segundo, suas conquistas são conectadas com essa aspiração maior. Terceiro, você ama o processo daquilo que está fazendo, ao ponto de dizer: “estou fazendo algo importante para mim, estou tendo conquistas reais e eu gosto do processo”. Aí você ganhou o jogo da vida. Agora, na história mundial, a maior parte das pessoas esteve fixada na fase da ação, nas atividades do dia a dia. Nossos ancestrais não tinham muitas escolhas, eles tinham que fazer o que estivesse na frente deles. Isso não é bom ou ruim, apenas era assim. Algumas pessoas são focadas em suas aspirações e sonhos. Elas nunca conquistam nada, mas sonham muito. As pessoas com quem eu trabalho e que leem vocês são conquistadoras, elas têm o foco de conquistar objetivos e, se elas não tomam cuidado, ficam tão focadas nisso que esquecem o que estão conquistando em primeiro lugar, e se elas estão ou não aproveitando o processo da própria vida. É muito importante olhar para as conquistas de forma a relacionar com o porquê estou fazendo aquilo e se estou gostando do processo da conquista em si.
Valor: É possível buscar um propósito nos negócios sem buscar um propósito em nossa própria vida?
Goldsmith: Essa foi uma observação muito boa. Boa parte da nossa vida se passa no trabalho, se não conectamos nossas vidas com alguma forma de propósito, então por que estamos fazendo isso? No livro, um CEO de uma grande empresa me disse: “Eu trabalhei 80 horas na semana por 40 anos com um objetivo: para que meus filhos nunca tivessem que fazer isso”. E então ele acrescenta: “Essa foi a pior coisa que eu poderia ter feito para mim mesmo, para minha esposa ou para meus filhos. Eu não ajudei meus filhos, eu não ajudei minha esposa e eu não ajudei a mim mesmo, foi um desperdício”. Você precisa dizer porque está fazendo isso, porque está colocando tanto esforço, porque está tentando tanto. Você precisa de uma razão e aproveitar o processo, ter prazer no processo da vida. Se você não tem prazer no processo da sua vida, você vai olhar para trás e se perguntar: “mas para que tudo aquilo?”.
“A felicidade existe no presente. É um processo constante, não é você chegando a um lugar ou a uma situação”
Valor: O senhor acredita que as empresas têm uma parcela de culpa por esse sentimento de infelicidade no trabalho por atrelar o sucesso a metas que aumentem sempre que são atingidas?
Goldsmith: Bom, primeiro, esses são momentos falsos de satisfação porque eles não duram e, segundo isso, não vai mudar. Deixe-me dar um exemplo extremo. Perguntei a Albert Bourla, CEO da Pfizer: “Como foi seu ano no ano passado?”. Ele disse: “Nossa, muito bom, fizemos a vacina para o covid, ganhamos muito dinheiro, fui o CEO do ano, o engajamento dos empregados estava alto e tudo o mais”. Eu perguntei: “Qual o seu maior desafio?”. Ele respondeu: “Tenho um desafio gigantesco, o ano que vem”. No ano seguinte, isso não vai mudar. Sempre existirá um outro desafio. A chave é você conseguir tirar proveito do processo do que você está fazendo sem se tornar psicologicamente apegado aos resultados.
Valor: Por que os arrependimentos nos impedem de avançar em nossa vida profissional?
Goldsmith: Uma das coisas que falo no livro é o conceito de impermanência. A importância de olharmos para nós mesmos sempre recriando a nossa vida. Quando sentimos arrependimentos e pensamos muito no passado, estamos, na verdade, vivendo a vida de outra pessoa, não estamos vivendo a nossa vida no momento presente. E à medida que podemos perdoar a nós mesmos pelos erros que fizemos no passado, perceber que aquela era uma outra pessoa e agradecer essa outra pessoa por tudo que ela fez para nos ajudar a avançar, temos mais chances de ter uma visão positiva do futuro.
Valor: O senhor diz que não se arrepender significa nos perdoarmos e também aos outros por seus erros. Pensar sobre isso seria um comportamento saudável que deveria ser incentivado nas organizações?
Goldsmith: Com certeza, porque a verdade é que você não pode mudar o passado e, à medida que organizações possam conseguir com que as pessoas tenham mais foco no futuro do que no passado, melhor para elas. Uma coisa que ensino em minhas aulas é “feedforward”. Você recebe feedback sobre o seu passado como uma base, mas, depois disso, tudo é focado no futuro e no que você pode mudar, e não revisitando constantemente o que você fez de errado. Temos uma pesquisa com 86 mil pessoas que mostra que quando os líderes recebem feedback, escolhem comportamentos importantes para melhorar, falam com as pessoas e praticam feedforward, eles se tornam mais efetivos - não no julgamento deles próprios, mas no das pessoas em torno deles.
Valor: Qual é, na sua opinião, uma reflexão que os executivos deveriam ter sobre o futuro?
Goldsmith: A primeira é que é muito solitário estar no topo neste momento. Os executivos com os quais me reuni todo fim de semana durante a pandemia estão entre os 50 top líderes no mundo e eles disseram isso. Por quê? Qualquer coisa que eles digam pode ser tirada do contexto, colocada nas redes sociais, as pessoas podem rir deles. É difícil. Alguém disse: “É bom passar uma hora na semana durante a qual eu posso agir como uma pessoa normal”. É muito, muito difícil. Acho que é importante que os executivos tenham um grupo de suporte, de pessoas que possam ajudá-los, com quem eles possam conversar, com quem possam ser humanos. Pessoas com quem eles possam compartilhar ideias. Outra coisa é que o líder médio está ficando melhor e seu feedback, pior. Por quê? Como as expectativas cresceram, as pessoas se sentem livres para expressar sua opinião. E conforme os líderes melhoram, as expectativas sobem ainda mais, o que faz com que eles sejam mais sujeitos a críticas do que antes. Então acho que ser um líder é de fundamental importância hoje, mais do que nunca. E também mais difícil hoje, mais do que nunca.
Valor: Por que o senhor diz no seu livro que a sensação de satisfação muda de uma pessoa para outra. Como podemos exatamente encontrar a satisfação no trabalho?
Goldsmith: Tenho um exemplo no meu livro de um homem de Wall Street que está muito contente com a própria vida. Ele ama o que faz, sente que está fazendo uma contribuição positiva para o mundo. Ninguém pode dizer a ninguém o que é significativo ou não. A resposta para “o que é significativo para mim” vem de um lugar em nosso coração. Não posso dizer o que é significativo para você, o que te fará feliz. Essas respostas têm que vir de dentro - e, aliás, você pode ver pessoas como meu amigo Garry Ridge, que era o CEO da empresa WD-40. Eles fabricam lubrificantes, tinham os maiores índices de engajamento de funcionários nos Estados Unidos. As pessoas lá sentiam que o trabalho delas era mais significativo do que algumas pessoas em um hospital infantil. Bom, é muito difícil dizer que um sujeito fazendo lubrificantes é mais importante que alguém que está curando o câncer em uma criança, Mas, por outro lado, eles tinham um senso de significado, eles sentiam que o trabalho deles era significativo, eles criavam esse sentido todos os dias. Então a definição de significado, de felicidade não vem de fora, vem de dentro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário