segunda-feira, 25 de julho de 2022

O público e o privado na educação

 *Ana Maria Diniz

Escola pública x particular. Ilustração: André Menezes

A discussão sobre o papel exclusivo do Estado na oferta de 
educação para todos é um tabu no Brasil

É possível afirmar que a educação pública vem contribuindo, ainda que de forma tímida, para romper ciclos geracionais de pobreza. Para milhões de jovens da base da pirâmide, estudar continua a ser a única forma de subir a escada social por meio do esforço e do mérito. Mas se as coisas continuarem como estão certamente os Estados não vão dar conta de bancar e de prover o tipo de educação que o século XXI exige.

O ensino público que já vinha de mal a pior, agora vive uma calamidade, depois da pandemia e da irresponsável atuação do MEC nos últimos 4 anos. O fechamento das escolas levou a perdas enormes de aprendizado no mundo todo. Porém, em países de renda média, como o Brasil, o impacto foi maior. Neles, hoje 70% das crianças de 10 anos não são capazes de ler ou entender um texto simples.

A discussão sobre o papel exclusivo do Estado na oferta de educação para todos é um tabu no Brasil

Correr atrás desse prejuízo é uma urgência e para revertê-lo temos que olhar além, entender a “big picture”. Numa visão ampliada da situação, é possível deduzir que a precariedade do aprendizado e a desigualdade educacional no Brasil estão levando os sistemas públicos de ensino a fazer exatamente o contrário do que deveriam. Com a lógica atual, eles inevitavelmente ampliam as lacunas sociais, em vez de estreitá-las. Isto já é percebido por milhares de brasileiros. Eles entendem que o futuro depende de uma educação com um mínimo de qualidade. Dessa forma, muitas famílias, mesmo as com enorme restrição orçamentária, têm feito um esforço surreal para manter seus dependentes em instituições particulares. Exemplos disso são uma manicure de 60 anos que deixou de pagar seu plano de saúde para colocar seu neto em uma escola privada, ou um porteiro que deixou de comer carne e frango para fazer o mesmo pela filha. A crise econômica decorrente da covid desacelerou um pouco essa tendência.

Ainda assim, a discussão sobre o papel exclusivo do Estado na oferta de educação para todos é um tabu no Brasil. Nem por isso devemos nos privar desta reflexão temos, sim, que nos perguntar: caberiam outros atores participando mais ativamente da educação gratuita para todos? Devemos ter um único modelo de escola pública ou podemos tentar um sistema mais plural, com outras alternativas para oferecer à sociedade? Em muitos países isso já está acontecendo.

Uma das alternativas que vêm sendo adotadas são as escolas conveniadas, ou “charter schools” - escolas públicas geridas por empresas privadas ou do terceiro setor, sem fins lucrativos, com liberdade para atuar e tomar todas as decisões consideradas pertinentes para melhorar a aprendizagem dos alunos. Em teoria, esse tipo de parceria poderia ser instaurado na educação brasileira com altos índices de sucesso, como acontece na Inglaterra e nos Estados Unidos, desde que com critérios rigorosos de avaliação.

 

Pensando no contexto atual e em todas as dificuldades da educação brasileira, que se arrastam e perduram há tanto tempo, considero muito bem-vinda a proposta de escolas conveniadas que está em discussão na Câmara municipal de São Paulo. O projeto de lei, de autoria da vereadora Cris Monteiro (novo), autoriza a prefeitura a entregar a gestão de suas escolas municipais de fundamental e médio para organizações sociais sem fins lucrativos. Tal como em outros países, as gestoras teriam autonomia para administrar, contratar e demitir profissionais competentes, definir o projeto pedagógico, implementar metodologias modernas com muito mais rapidez para testar inovações.

Uma análise da experiência internacional mostra que as escolas conveniadas podem ser uma alternativa promissora. Ou não. Nos Estados Unidos, por exemplo, as charters de vários distritos educacionais, principalmente daqueles que flexibilizaram muito as regras e quiseram escalar precipitadamente, não apresentaram resultados muito diferentes das escolas públicas, algumas foram até piores, como no caso de Arizona e Michigan. Por outro lado, nos locais onde foram exigidos padrões rigorosos de qualidade e monitoramento constante, como em Washington D.C e Massachussets, o impacto foi positivo.

Entre os exemplos de escolas americanas que adotaram o modelo e deram certo está a KIPP (Knowledge is Power Program), que atualmente atende mais de 100 mil estudantes americanos - dos quais 85% são crianças e jovens que vivem nos bairros mais pobres de suas cidades. Fundada em 1994, a KIPP alia rigor acadêmico com o ensino de habilidades socioemocionais e tem como meta fazer com que todos os seus alunos entrem na universidade. Hoje, entre os que frequentam uma das 242 unidades da rede, 94% terminam o ensino médio e 81% ingressam em uma faculdade. Portanto, existe sim comprovação científica internacional a respeito da eficácia das charters, não de todas, mas das que seguem critérios seríssimos de qualidade pedagógica.

Alguns especialistas defendem a flexibilização da educação brasileira nesses moldes. O cientista político Fernando Schüler, professor de políticas públicas do Insper, argumenta que o Brasil avançou em áreas da saúde e da cultura com a gestão compartilhada entre o público e o privado e não há motivo para não se tentar o mesmo na educação. Ele pondera, no entanto, que a regulamentação precisa ser bem feita e o governo deve monitorar a organização de perto.

Eu, pessoalmente, acredito que o Estado deve sim estar à frente da Educação pública, pois o acesso à educação gratuita de qualidade é um direito constitucional de todos os brasileiros e só quem pode promover isso em larga escala é o Estado. Mas acho muito saudável que tenhamos um leque de alternativas mais amplo e moderno para oferecer aos brasileiros. Tenho a perfeita consciência de que o setor privado não vai resolver todos os nossos problemas educacionais. Mas acredito que o terceiro setor ou o setor privado têm um papel importantíssimo: provocar inovação no sistema e isso é fundamental para recuperar o tempo perdido na educação brasileira.

*Ana Maria Diniz é fundadora do Instituto Península, que atua na formação de professores; empresária e conselheira do Todos pela Educação e Parceiros pela Educação

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-publico-e-o-privado-na-educacao.ghtml Imagem da Internet 25/07/2022

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