Por Gillian Tett, Financial Times
Entre as possibilidades da bioeconomia estão plásticos que se degradarão sem poluir a água e utensílios como garfos comestíveis
13/07/2022
Eric Schmidt, o ex-presidente-executivo do Google, tornou-se uma das pessoas mais ricas dos Estados Unidos ao se especializar em engenharia de software. No entanto, ele diz que se estivesse começando novamente hoje não estaria voltado apenas para os bits e bytes. Aos 67 anos, ele acredita que a próxima grande sensação será a “bioeconomia”, e não a internet.
Esse rótulo abrangente, segundo me explicou Schmidt no fórum Aspen Ideas, no mês passado, descreve “o uso de processos biológicos para fazer uso de coisas que consumimos e fabricamos... avanços na biologia essencialmente molecular... mais os avanços na inteligência artificial nos permitiram criar novas técnicas e cultivar coisas novas”.
Para ajudar, ele listou algumas inovações que essa economia poderá incluir: novos plásticos que se degradarão naturalmente sem poluir a água, cimento “biologicamente neutro” que não afeta o meio ambiente, micróbios do solo que reduzem o uso de fertilizantes, revestimentos de telhados à base de soja que reduzem o calor nos centros urbanos e meu favorito, utensílios de jantar compostáveis, como garfos comestíveis. Dito de outra forma, a bioeconomia é baseada em coisas que são cultivadas usando-se a biologia sintética.
“As moléculas estão se tornando o novo microchip”, repetiu Walter Isaacson, o prolífico biógrafo e ex-editor da revista “Time”, também presente no fórum de Aspen. “As moléculas podem ser reprogramadas da mesma maneira como reprogramamos os microchips.”
A pequena diferença, segundo disse Isaacson, é que na biologia sintética “o código não é digital, ou binário com zeros e uns, mas tem quatro letras”. Para Issacson a chave é que a biologia sintética, assim como a computação, está enraizada em uma “revolução da informação”, que para a bioeconomia começou por volta da virada do milênio, quando o genoma humano foi sequenciado.
Parece emocionante. Mas há um problema para os adeptos da bioeconomia, como Schmidt: cientistas vêm proclamando uma revolução da biociência há décadas. E embora investidores tenham colocado dinheiro no setor, relativamente poucas dessas ideias inovadoras, para talheres comestíveis, biocombustíveis ou qualquer outra coisa, renderam produtos escalonáveis que mudaram nossas vidas, e muito menos produziram o tipo de sucesso comercial que empresas como o Google vêm tendo no mundo da internet.
Na verdade, apesar de todo o alarde, recentemente investidores deixaram o setor, com a desaceleração da economia mundial. No último ano, o valor empresarial agregado das companhias de biociência caiu mais de 70% em relação ao pico atingido em 2021. Tim Opler, diretor-gerente do banco de investimentos Torreya, disse ao “Financial Times” em junho que os aspirantes a empreendedores da bioeconomia de hoje enfrentam um “Saara” financeiro porque “não há dinheiro por aí”.
Por quê? Um dos problemas é que a ciência avançou mais lentamente do que muitos esperavam. Outro é a regulamentação do governo. Há também um problema mais fundamental: enquanto uma dupla de adolescentes fanáticos por computadores pode construir uma companhia da internet em uma garagem, criar uma empresa de biociência exige muito conhecimento, talento especializado, capacidade de fábrica e tempo. Essas não são coisas com que a indústria de capital de risco dos EUA, que bancou a revolução tecnológica, está acostumada a lidar.
Apesar dos obstáculos, Schmidt e Isaacson insistem que a revolução há muito adiada está pronta para acelerar. Isso se deve em parte aos avanços na ciência que vêm ajudando na aplicação da inteligência artificial, ou IA. “As tecnologias não funcionavam dez anos atrás, mas elas funcionam agora”, afirma Schmidt. Para Issacson, “essa coisa avançou um pouco porque agora os cientistas perceberam que podem não apenas ler o código do DNA, mas também editá-lo”.
Depois, há a geopolítica. A China encontra-se no momento na liderança do campo da biociência. Isso cria uma pressão crescente para que a Casa Branca responda. De fato, Schmidt, que já aconselhou Joe Biden em ciência, está dizendo ao governo dos EUA que poderia haver benefícios políticos consideráveis em financiar a bioeconomia. Uma fundação que ele preside calcula que o setor poderá chegar a US$ 4 trilhões na próxima década ou duas, criando 1 milhão de empregos qualificados em áreas carentes.
“É a nova era industrial aplicada a partes rurais dos EUA”, disse-me ele, observando que, ao contrário da inovação tecnológica corrente, “esses empregos não estão no Vale do Silício, nem no Nordeste dos EUA. Eles estão nos estados republicanos. Eles estão nos estados com muita agricultura”. Ele acredita que o fato de esses estados rurais e agrícolas tenderem a ser republicanos e não democratas dará à sua abordagem um apelo bipartidário, uma vez que envolverá os políticos republicanos.
É claro que será difícil fazer isso acontecer com velocidade ou escala sem alguma parceria público-privada e formulação conjunta de políticas. E isso é muito raro nos EUA. Mas Schmidt continua otimista. “Teremos um número adicional de unicórnios e companhias de US$ 1 trilhão nessa bioeconomia”, insiste ele. (Tradução de Mario Zamarian)
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