sábado, 30 de julho de 2022

KAFKA 1

 Teresa Bracinha Vieira*

  


“CARTA AO PAI”


É como quando uma pessoa tem de subir cinco degraus baixos e outra pessoa apenas um degrau, mas que é tão alto quanto os outros cinco juntos; a primeira pessoa não irá superar os cinco degraus, como ainda mais cem, mais mil, terá levado uma vida longa e muito extenuante, mas nenhum dos degraus que subiu terá tido um tão grande significado como para a segunda pessoa teve o único degrau, o primeiro, enorme, impossível de subir para as suas forças, para o qual não consegue subir e muito menos ultrapassar.

E ainda neste livro afirma Kafka:

Ter-me-ia sentido feliz por te ter como amigo (…), chefe, tio, avô. Só que como pai foste forte de mais para mim (…) tive de aguentar o embate completamente sozinho, sendo eu fraco de mais para isso.

Quantas vezes, o pavor de termos tido na nossa vida, um homem ou uma mulher enormes, severos e de supostas palavras meigas, mas incapazes de um amor bondoso e solto, nos impede de lutar pelos sentires que ansiamos?

De nós quiseram obediência e múltiplos deveres, independentemente da dor que sentimos e sentiremos, de que, para eles, representámos pouco, sempre pouco face ao amor que lhe dedicámos, não obstante a sua tirania abusada sobre nós.

Falo de seres de corporalidade de sentires abafante, castrante mesmo, no modo de uso de nos quererem.

Julgo que esta carta ao pai que Kafka escreveu, pode ser uma carta a qualquer ser que muito amamos, e, em quem depositámos uma confiança ilimitada e nos deu como resposta uma inexpressão concluída.

As absolutas insensibilidades entre pais e filhos, entre maridos e mulheres, entre irmãos, ou entre amigos, surgem, sobretudo, devido à necessidade que têm certas pessoas de utilizar uns sobre os outros.

A carência que estas pessoas têm de utilizar um vexame complacente que é um real poder que ajuíza o mundo dos outros, tem como finalidade a prova de que só exista a espécie de amor deles, e que o agradecimento por tal sentir seja sempre inequívoco sob pena de.

Observar regras, submissões, sentir a perceção total do desamparo, e acreditar que no final só as mães darão mão, é máquina oleada e falsificada.

Depois, depois, não há reconciliação possível. O sentimento de culpa bem manejado, faz carreira de êxito face à incapacidade de se soltarem duvidas.

São afinal gente inimiga do amor, são aqueles que nunca libertam sem negócio.

Muito desesperada se torna a vida quando com estes seres se partilha pão ou cama, sobretudo, se se procura o sentido da família ou um outro distinto amor.

Tardiamente se descobre que os elementos de violência destas gentes, não são, nem foram, inocentes, pois que afinal não queriam que deles escapássemos, já que no seu controlo sobre nós, residia o único modo de quererem a vida.

Pais e esposos e mulheres e irmãos e amigos, também fazem carreira à custa alheia. 

Afinal, quantas vezes, a espécie de sossego chega tarde, muito tarde, num jogo de paciências de interpretação já muito amputada.

Esta “Carta Ao Pai” escrita por Kafka, descreve esferas de influências de sentires onde não faltam provas de que a culpa é um obscuro caminho de mando, que leva a calar coisas difíceis de confessar até no jogo da circunstância.

*Professora Universitária.

 Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/kafka-1-1295576


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