LEANDRO KARNAL*
Há dois tipos de conversa muito bons. O
primeiro é o franco e direto, diálogo vivo que inclua seu eu mais
profundo com alguém que você ama e confia. Como é bom falar de temas
densos, de questões biográficas e estruturais. É libertador abrir-se sem
medo. As horas voam e você não percebe. Caso você tenha alguém assim,
aproveite muito. Conversa íntima é uma vacina contra a insanidade.
O outro tipo de boa conversa pode ou não estar contido
no modelo anterior. Trata-se da conversa inteligente. Você enuncia uma
ideia e sua companhia complementa, redargue, aprofunda, exemplifica,
ouve e se faz ouvir com bons argumentos. Um diálogo inteligente é
sedutor, quase erótico, um jogo gostoso como as gavinhas de uma hera que
sobe pela parede do cérebro com elegância. Dois momentos intensos de
felicidade dialógica: aquela que atrai a confiança e a que seduz o
intelecto. Se você tem na mesma pessoa confiança e inteligência, entrega
e criatividade, quase mais nada será sentido como falta na sua
biografia.
Sejamos francos: a maioria das interações humanas foge
dos tipos descritos. Nossa vida é dominada pela conversa de elevador, de
consultório, de táxi, de avião, de festa. No geral, são falas sociais
com o desconhecido ao seu lado com temática ampla e superficial. A ilha
do diálogo denso, adaptando a metáfora do doutor Simão Bacamarte de
Machado, é cercada pelo oceano do comum, do raso, do anódino e do
placebo retórico.
No Brasil, domina a ideia de que não é educado ficar em
silêncio com outro ser humano. Mesmo que você não o conheça, além da
saudação formal, nossa cultura exalta o imperativo da fala. Na Terra de
Santa Cruz, falar é educado, o calar é tomado por grosseria. Em grande
parte da Europa, ficar em silêncio é bem-aceito.
Para enfrentar nossa sociabilidade tropical, urge
aperfeiçoar o "papo-furado". O conceito não é para amadores ou para
conversadores triviais. Os iniciantes na delicada arte de falar nada com
sofisticação começam pelo tempo: "Que calor, hem?". O recurso
meteorológico é técnica de debutante. Resolve o silêncio constrangedor,
mas evidencia a falta de traquejo.
O erro oposto, também típico de inábeis, é tornar a
conversa densa em demasia. A conversa-fiada não poderia incluir seu
fluxo de consciência, suas angústias ou devaneios, nem sequer seus
sonhos dourados. Tais temas assustam o ouvinte e constituem excesso de
tempo e de abertura pessoal. Raso demais ou denso em exagero são arestas
evitáveis.
Como na Teoria do Medalhão de Machado de Assis, há que
se treinar a arte de nada dizer com certo requinte. Imagine a cena: você
entra no elevador e há alguém. Impossível não notar. Um meneio de
cabeça indica que houve percepção do outro.
Saudamos o ocupante do meio de transporte mais seguro
do mundo. Nada de encarar ou exceder o volume. Algo discreto. O celular é
ferramenta nova e boa: basta acessar e ficamos blindados e livres da
interação. Papo-furado sim, mas jamais insultem a arte comentando que o
elevador é lento ou rápido demais. Descrição fática derruba a arte.
Seja criativo. Na placa do elevador existe uma
advertência legal: verificar se o mesmo está parado ali. Adoro o
"mesmo". Imagino o "mesmo" em um canto, rosnando assustado. O comentário
jocoso pega bem. O interlocutor fica satisfeito, ninguém invade ninguém
e o constrangimento passa. Ao sair, ele dará um tchau feliz, quase
arrependido de ter de abandonar aquele espaço compartilhado com você.
No avião não existe a proteção do celular. A viagem
pode durar horas. De novo um sorriso, um pedido de licença, o tempo
preparatório para você afivelar-se e pronto: de São Paulo até Fortaleza
serão mais de três horas. Não convém excesso de informações do tipo:
"Estamos na fila 18, boa escolha para o Judaísmo". Ou: "O lugar 8 é de
bom augúrio na China". Por mais interessante que seja a numerologia
histórica, pode irritar pelo pedantismo. Apresentar-se ajuda e a
etimologia é caminho certeiro para a simpatia superficial. "Ah, você é
Filipe, então você ama cavalos"; "Letícia? Você deve ser feliz";
"Cláudia, você manca?" Também existe pavonice erudita aqui, todavia, ao
envolver o nome do interlocutor, o narciso dele atenuará a exibição do
seu. A única coisa que perdoamos na vaidade alheia é se ela tiver por
objeto a nossa. Como você vê, querida leitora e estimado leitor, há um
mundo de técnica e talento na conversa rasa. Associar o nome da pessoa a
uma personalidade ou santo é muito eficaz. Um homônimo de jogador de
futebol famoso é terreno perigoso: pode sair do campo confortável do
papo-furado para o da paixão.
Conversar é uma arte; calar é sabedoria pura. Em tempos
que ninguém cala e jamais escuta o outro, conversar bem, calar e ouvir
viram tripé inovador. Infelizmente, quem mais necessita não lerá a
reflexão que você acompanhou. É preciso ter esperança.
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*Historiador brasileiro, professor da Universidade Estadual de Campinas, especializado em História da América. Escritor.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=6d8a29662fc0c1c0d284b59f906b4c36 08/09/2018
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