Lya Luft*
Tenho no ombro, e às vezes se
manifesta, um feio diabinho pousado. É meu lado descrente, talvez
sarcástico, e triste. Quando me assaltam as notícias atuais, aqui e pelo
mundo, ele enrola e desenrola seu rabo, e se inquieta.
Assuntos
como meninos criminosos tratados como crianças e cotas - mas estas são
para outro dia. Drogados ou lúcidos, os meninos começam a roubar e a
matar, às vezes com requintes de crueldade, aos 12 anos, pouco mais,
pouco menos: se apanhados, nem todos poderão ser reintegrados à
sociedade, frase aliás metafórica e vaga. Voltarão para novos crimes.
Um menino de 15 anos confessou na maior frieza o assassinato de 17
pessoas. "Matei, sim." Talvez tenha acrescentado num dar de ombros: "E
daí?". Quinze dos crimes foram comprovados. Por ser menor de idade, como
tantos assassinos iguais a ele, foi para uma dessas instituições de
ressocialização nas quais não acredito. Logo estará livre para reiniciar
sua vida de psicopata. E, se perguntarem a razão, talvez diga como
outro criminoso, quase uma criança, que assaltou um amigo meu e repetia:
"Vou te matar". Meu amigo perguntou por que, e o menino respondeu com
simplicidade: "Nada. Hoje saí a fim de matar alguém".
Como nós,
sociedade moderna, produzimos esse e outros dramas morais? Acusa-se pela
criminalidade juvenil a família, que às vezes é apenas outra vítima, ou
"a sociedade", conceito vago que isenta de uma ação enérgica, enquanto
se multiplicam os dramas, aumentam as tragédias.
Esperamos
soluções ou progressos de parte dos políticos? Dos líderes, das
autoridades? De momento, isso me parece mais uma imensa falácia, pois
mesmo os bem-intencionados terão pouco poder numa sociedade adoecida.
Sou mais crédula do que cética, o que nem sempre é bom. (O diabinho
fica à espreita.) Quando menina, me disseram que, se a gente cavasse
fundo no jardim, esse poço daria no Japão, onde as pessoas andavam de
cabeça para baixo (para eles, de pernas para o ar estaríamos nós). Mas,
adulta, descobri que a vida tem outros poços, nem todos divertidos. Um
deles parece não ter fim: o dos escândalos nossos de cada dia, o da
nossa desolação e dos nossos enganos. O poço tem água no fundo: o
diabinho no meu ombro espia seu reflexo nela, para ver se não haverá
alguma luz que o afugente. Mesmo que seja uma lamparina, será uma luz, e
apesar de tudo acredito nela. Resta descobrir quanto tempo se leva para
chegar nesse fundo e se, em lá chegando, boa parte das nossas aflições à
espera de justiça será resolvida e haverá justiça.
Enquanto escrevo isso, o diabinho rosna uma das melhores frases sobre o assunto: "A lei nem sempre garante a justiça".
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=8210d5432e746010c3ef28f8d3178435
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