Sócrates, ser feliz é ser honesto
Para o filósofo e escritor francês Albert Camus (1913-1960) a única
questão importante, filosoficamente séria, era o suicídio. A filosofia,
porém, como se sabe, começou bem antes e com outras preocupações. Não é
inapropriado dizer que para os gregos clássicos fundamental era o bem
viver. Hoje, a questão essencial é a felicidade. Como diz a música dos
gaúchos Kleiton e Kledir Ramil, “ser feliz é tudo o que se quer”. Mas o
que é a felicidade? Outra maneira de falar do bem viver pensado pelos
gregos?
Os gregos embrenharam-se na aventura do pensamento desde tempos remotos.
Tales de Mileto (624-548 a.C.) achava que a água era o princípio de
tudo e que as coisas estavam cheias de deuses. Anaximandro de Mileto
(611-547 a.C.) discordava de Tales. Para ele, havia antagonismo entre a
frieza do ar, a quentura do fogo e a umidade da água. Só um elemento
neutro poderia ser o princípio geral de tudo. A sua conclusão
dificilmente pode ser contestada: o ilimitado é eterno. O efeito prático
dessa afirmação é menos evidente. Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.)
sustentava que do ar vinham todas as coisas. Esses pensadores
interessados nas forças da natureza, cuja lista de nomes passa por
Parmênides, Heráclito, Demócrito e muitos outros, foram rotulados pelos
estudiosos de pré-socráticos.
Parmênides (530-460 a.C) e Heráclito (540-476 a.C.) certamente ajudam
a pensar o problema atual da felicidade. Para o primeiro, nada muda e
devemos desconfiar de nossos sentidos. Para o último, tudo flui e só
podemos contar com a nossa percepção. Terá sido Heráclito o inspirador
do polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), teórico da modernidade e do amor
líquidos? Como ser feliz quando de nada temos certeza? Como viver bem
quando tudo se altera incessantemente? Como gozar a vida quando nada
muda? Há quem pense que o melhor é viver sem pensar. Sócrates (469-399
a.C.) jamais concordaria com essa ideia. Pensar era o que lhe dava
prazer. Pensar e fazer os outros pensarem. O que ele pensava sobre a
felicidade?
O leitor poderá dizer que pensar dói. Sócrates talvez visse nessa dor uma espécie de terapia.
A cura pela reflexão. Pensar como forma de viver melhor. Esses gregos
que não saem dos nossos pensamentos não se preocupavam em falar difícil
ou em criar conceitos obscuros. A chamada maiêutica socrática nada mais
era do que uma conversa cheia de pegadinhas. Ele perguntava sem parar
empurrando o interlocutor para dentro de si de modo a fazer vazar as
suas contradições. Nesse sentido, Sócrates pode ter sido o primeiro
psicanalista, só que sem ficar em silêncio durante as sessões. Ele usava
e abusava da ironia em seus diálogos. Era impiedoso. Feio e mal lavado,
adepto de poucos banhos, desprezava a aparência. Qual pode ser o valor
hoje, na sociedade da boa forma, de um pensador do conteúdo?
Valores – Os gregos demonstrariam grande interesse
pelo bem, pelo belo e pelo verdadeiro. Ainda hoje queremos saber: o que é
o bem? O que é o belo? O que é o verdadeiro? Sócrates nada escreveu.
Foi seu discípulo Platão quem eternizou as lições do mestre em textos
que se tornariam best-sellers. Terá Platão inventado um tanto,
atribuindo ao outro as suas ideias, legitimando-as com essa autoria? Não
importa. Sócrates sustentava que quem pratica o mal está fadado a ser
infeliz. Mais uma vez, cada um se pergunta: o que é o mal? Numa época de
relativismo, a linha de defesa de cada pessoa é clara: o que eu
considero como mal, pode não ser mal para outro. Mesmo assim, temos
definições inequívocas do mal: pedofilia, racismo, xenofobia,
preconceito.
Uma das mais provocativas lições de Sócrates ensina que viver não basta: é preciso viver bem.
O que isso significa?
Quais os critérios?
Viver bem é ser justo e verdadeiro. Em “Górgias”, Sócrates afirma sem
hesitação: “É como digo, Polo; considero feliz quem é honesto e bom,
quer seja homem, quer seja mulher; o desonesto e mau é infeliz”.
Sócrates não aceita que a felicidade possa ser identificada com os
prazeres independentemente da natureza deles, bons ou maus. Não pode ser
chamado de felicidade um prazer maligno. De certo modo, Sócrates
sugeria que cada um tem consciência de estar praticando o mal quando o
faz. Sem conhecer o inconsciente, que só seria inventado ou descoberto
dois mil anos depois por Sigmund Freud, Sócrates não podia considerar as
forças ocultas do prazer no mal.
A vida para Sócrates devia ser um processo permanente de autoconhecimento.
Viver bem e ser melhor implicavam determinação racional para
compreender as situações existenciais. O erro teria de ser pedagógico:
“A pena merecida para quem recebe castigo, quando é punido com justiça,
é tornar-se melhor e tirar algum proveito com o castigo, ou servir de
exemplo para outros, a fim de que estes, vendo-os sofrer o que sofrem,
se atemorizem e se tornem melhores”. Sócrates era um homem racional. A
humanidade, nem sempre. Como incluir a emoção na busca pela felicidade?
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* Escritor. Sociólogo. Jornalista. Prof. Universitário.
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Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/09/11161/ser-feliz-e-tudo-o-que-se-quer/
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