Luis Alexandre Ribeiro Branco*
Uma grande parte da população brasileira anda insatisfeita com a maneira
como as coisas correm no Brasil. Digo isto pelas conversas que tenho,
pelos textos e notícias que leio, e a "abortada primavera brasileira"
que levou milhares de pessoas às ruas do Brasil há não muito tempo
mostra esta realidade. Lembro-me que no auge das manifestações no
Brasil, quando vimos a Avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro
ocupada por centenas de milhares de pessoas, o mesmo acontecia em São
Paulo e em Brasília onde os manifestantes subiram sobre Congresso
Nacional, ter ouvido uma pessoa dizer: "Olha, será que é agora que muda?
Estou até arrepiada!" O arrepio passou e a tão sonhada mudança
brasileira foi abortada na base da porrada e dos gases de lacrimogéneo e
pimenta das polícias brasileiras e das articulações governistas. E
voltamos exatamente onde estávamos, o governo desceu o valor da
passagem, mas subiu o valor da gasolina e outros produtos ficando "elas
por elas.”
O tema desta apresentação é: “O Pessimismo Nacional”, que é tomado
emprestado do livro do intelectual português do início do Séc. XX,
Manuel Laranjeira. A apresentação é uma pequena parte do livro que
publiquei com o mesmo título. Portanto, desejo nestes poucos minutos
usar alguns dos pensamentos de Manuel Laranjeira para repensar o que se
passa no Brasil.
A obra de Manuel Laranjeira não apenas faz um diagnóstico da
problemática nacional, como também propõe uma forma terapêutica para
sanar o problema. Não possuo a desenvoltura intelectual deste grande
escritor português, portanto, não posso com a mesma firmeza fazer
propostas semelhantes, mas como cidadão educado, fui capaz de ler
centenas dos cartazes com as reivindicações do povo naquelas
manifestações e também de assistir algumas entrevistas onde as pessoas
falavam das suas insatisfações com o Governo Brasileiro, como cidadão,
tenho minhas próprias queixas e expectativas, portanto, não ocupando o
espaço do grande intelectual português, mas fazendo uso de sua
inspiração espero refletir um pouco sobre o pessimismo nacional a moda
brasileira.
Manuel Laranjeira fala da sociedade tripartida: o povo, a minoria
intelectual e a classe dirigente. Acredito que a sociedade brasileira
também se vê fragmentada, não apenas tripartida, mas multipartida em
diferentes fragmentos, entre os quais vale destacar o povo, os
intelectuais, a classe dirigente, os religiosos e outros grupos, em
especial aqueles que tentam impor seu comportamento como norma na
sociedade. O povo é apático, de mente curta desiste fácil. Os
intelectuais parecem cansados, outros comprados e outros silenciados. Os
dirigentes nada mais querem do que sugar os recursos do Estado e se
perpetuarem no poder. Os religiosos apenas querem ver uma espécie de
casamento entre a fé e a política.
Somos um país com um sistema de educação pobre, que não educa, não ensina e não mantém as crianças interessadas no aprendizado. Forçadas pela vida pobre abandonam os estudos sem que ninguém se dê conta disto, e muitas vão fazer suas vidas no tráfico de drogas, assaltos ou simplesmente mendigarem pelas ruas das nossas cidades. Estima-se que exista 23.973 crianças vivendo nas ruas do Brasil. [1] Será preciso esperar por uma nova chacina como a que aconteceu na Candelária em 1993, no Rio de Janeiro, para que voltemos a pensar nestas crianças? A mente curta e a apatia do nosso povo parece esperar por isto, para lamentar, fazer o teatro dramático típico do brasileiro para simplesmente voltar ao esquecimento.
Somos um país com um sistema de educação pobre, que não educa, não ensina e não mantém as crianças interessadas no aprendizado. Forçadas pela vida pobre abandonam os estudos sem que ninguém se dê conta disto, e muitas vão fazer suas vidas no tráfico de drogas, assaltos ou simplesmente mendigarem pelas ruas das nossas cidades. Estima-se que exista 23.973 crianças vivendo nas ruas do Brasil. [1] Será preciso esperar por uma nova chacina como a que aconteceu na Candelária em 1993, no Rio de Janeiro, para que voltemos a pensar nestas crianças? A mente curta e a apatia do nosso povo parece esperar por isto, para lamentar, fazer o teatro dramático típico do brasileiro para simplesmente voltar ao esquecimento.
Somos um país sem espírito cívico coletivo, a não ser na Copa do Mundo
de Futebol. Fora isto somos um povo tribalizado, que só pensa nos seu
próprio interesse e vantagem, que para conseguir o que quer, é capaz de
barbaridades. O grande mal do brasileiro é achar que ele tem uma
excelente natureza interior, chegando ao sacrilégio de dizer que Deus é
brasileiro.
Manuel Laranjeira diz que: "A vida dum povo, como a vida de qualquer ser
organizado, apresenta na sua curva representativa uma parte
ascensional, de evolução, de progresso, e uma parte descensional, de
dissolução, de decadência.”[2] No entanto, parece que no Brasil
vivenciamos uma espécie de tobogã social, de altos e baixos, de curvas
sem fim, um país onde temos estádios de futebol de primeiro mundo, e
escola e hospitais em condições inimagináveis. Somos o país que melhor
paga os seus políticos e deles recebe o pior serviço, mas como o povo
tem mente curta, os reelege fazendo que na direção do país exista um
troca-troca infindável de cargos políticos com os personagens de sempre.
A religião que deveria ocupar-se de influenciar positivamente a nação,
tornou-se uma maquina de fazer dinheiro e seus líderes tanto
protestantes quanto católicos e cederam ao protagonismo. Quem poderia
imaginar pastores evangélicos na capa da Forbes? Quem poderia imaginar
um padre cantor disputando protagonismo com Maria, mãe de Jesus, na
missa? E como se não bastasse terem ocupado a telinta para extorquir
dinheiro do povo, descobriram o caminho de Brasília. Desculpem-me o
palavreado vulgar, mas não encontrei substituto melhor: "Quando a
religião e a política se juntam vira uma orgia de todo tamanho.”
Infelizmente nossos intelectuais cansaram-se de falar para um povo de
mente curta e apático, outros se venderam para imprensa e só falam o que
lhes é permitido, e outros foram silenciados. Não há no país vozes da
razão e do conhecimento alertando o povo dos perigos que se aproximam.
Vejamos o que escreveu o filósofo brasileiro Émilien Vilas Boas Reis:
No Brasil não vem sendo diferente, muito pelo contrário. Enfatizado pela
nossa falta de tradição no campo das ideias, o que vem ocorrendo é que o
intelectual com algum renome aceita cargos burocráticos nos governos
vigentes, o que lhe faz calar ante as calamidades ocorridas. Criam-se
situações absurdas, pois o intelectual, preso a ideologias e governos,
não tem coragem de explicitar os erros cometidos, calando com certa
conveniência.
Há intelectuais que, apesar de estarem presentes em veículos de
comunicações de massa, acabam adequando seu discurso em prol daquilo que
aparece como mais palatável para a opinião pública. Outros
intelectuais, por sua vez, com necessidades de "mudar o mundo" se
entregam ao pragmatismo vigente, atuando no campo prático.
A própria academia contribui para que o intelectual se esqueça do campo
das ideias, ao dar uma importância ímpar a publicações que, em sua
maioria, não passam de remendos de textos já publicados (já dizia um
antigo sábio professor que excelentes textos dependem de tempo e
reflexão!).[3]
Toda sociedade saudável precisa de uma classe intelectual ativa,
corajosa, analítica e autónoma. Sem a qual a sociedade tende a sofrer na
escuridão. A classe intelectual não é em espécie alguma uma classe
superior ou elitizada, se ela se considerar superior terá seu julgamento
afetado e sua perspectiva e análise sofrerá de algum tipo de cegueira.
Um intelectual que não conhece o povo é um intelectual incapaz de falar
sobre o povo e para o povo.
O intelectual é aquele que analisa as situações e em posse de dados e
informações, observa o desenvolvimento das coisas e com sua perspicácia e
conhecimento emite opinião para a sociedade com advertências sobre os
riscos e alternativas. Os filósofos franceses Gilles Lipovetsky e Jean
Serroy fazem uma séria avaliação sobre a vida intelectual, sobre a qual
eles chamam de “o desencanto da vida intelectual:”
A noção do declínio do valor da cultura é sem dúvida verdadeira, pelo
menos no que diz respeito às humanidades, à literatura: a fama que
possuíam e o entusiasmo que as rodeavam diminuíram notavelmente. Os
debates de ideias e entre escolas adversas, as posições e as
controvérsias filosóficas viram a sua aurora diminuir e o seu poder de
fascinar e influenciar enfraqueceram rapidamente. Já não há -ismos, já
não há pensadores influentes. Há todo um sector da cultura intelectual
que está agora não só desabitado, digamos assim, mas também
funcionalizado e comercializado. [4]
Se é assim em sociedades mais desenvolvidas, imagina no nosso Brasil
entalado num desenvolvimento que se arrasta. Não podemos negar a
existência de grandes intelectuais brasileiros, alguns já se foram e
deixaram grandes saudades como Paulo Freire e Darcy Ribeiro, etc.
Qual foi o absurdo quando um professor de filosofia que elaborou uma
prova em Taguatinga, chamou Valesca Popozuda de “grande pensadora
contemporânea” [5] Imaginarmos que um professor de filosofia seja capaz
de chegar a esta absurda conclusão simplesmente porque a moça popozuda
não têm papas na língua, é o caos.
E para concluir cito novamente os filósofos franceses que escreveram:
“Por um lado, a esfera intelectual está cada vez mais institucionalizada
e “burocratizada”, por ser constituída por professores e universitários
para os quais a carreira é muitas vezes mais importante do que a
questão das ideias.” [6]
Vivemos na era negra do intelectualismo, onde muitos poucos querem dar
as caras e enfrentar o sistema, denunciar as suas falcatruas e elevar o
espírito humano ao inconformismo. Como bem disse Laranjeira: “Não nos
iludamos. Ou nos salvamos nós, ou ninguém nos salva.” [7]
Fico aqui, portanto, com a minha análise na esperança de que possamos ver dias melhores para o nosso tão amado Brasil.
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[1] Bruno Paes Manso (24 February 2011). "Grandes cidades têm 23.973
crianças de rua; 63% vão parar lá por brigas em casa".
Estadao.com.br/Sao Paulo (in Portuguese). Grupo Estado. Retrieved 30
November 2012.
[2] Manuel Laranjeira, O Pessimismo Nacional: Ou de Como Os Portugueses Procuram Soluções (Lisboa: Padrões Culturais, 2008), 57-58.
[3] Émilien Vilas Boas Reis, "Colunas émilien Vilas Boas Reis," Dom Total, August 26, 2013, accessed May 7, 2014, http://www.domtotal.com.br/colunas/detalhes.php?artId=3789.
[4] Gilles Lipovetsky and Jean Serroy, A Cultura-Mundo: Resposta a Uma Sociedade Desorientada (Lisboa: Edições 70, Lda., 2010), 127.
[5] Ana Paula Lisboa and Mariana Niederauer, “Valesca Popozuda é Chamada de Grande Pensadora Em Prova de Escola Pública,” Correio Braziliense, 07 de Maio de 2014, accessed May 17, 2014, http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_educacaobasica/2014/04/07/ensino_educacaobasica_interna,421852/valesca-popozuda-e-chamada-de-grande-pensadora-em-prova-de-escola-publica.shtml.
[6] Ibid., 127.
[7] Ibid., 92
[2] Manuel Laranjeira, O Pessimismo Nacional: Ou de Como Os Portugueses Procuram Soluções (Lisboa: Padrões Culturais, 2008), 57-58.
[3] Émilien Vilas Boas Reis, "Colunas émilien Vilas Boas Reis," Dom Total, August 26, 2013, accessed May 7, 2014, http://www.domtotal.com.br/colunas/detalhes.php?artId=3789.
[4] Gilles Lipovetsky and Jean Serroy, A Cultura-Mundo: Resposta a Uma Sociedade Desorientada (Lisboa: Edições 70, Lda., 2010), 127.
[5] Ana Paula Lisboa and Mariana Niederauer, “Valesca Popozuda é Chamada de Grande Pensadora Em Prova de Escola Pública,” Correio Braziliense, 07 de Maio de 2014, accessed May 17, 2014, http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_educacaobasica/2014/04/07/ensino_educacaobasica_interna,421852/valesca-popozuda-e-chamada-de-grande-pensadora-em-prova-de-escola-publica.shtml.
[6] Ibid., 127.
[7] Ibid., 92
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* Teólogo. Escritor.
Fonte: https://verdadenapratica.wordpress.com/2018/09/09/o-pessimismo-nacional-a-moda-brasileira/
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