Antonio Martins*
Atentado contra Bolsonaro fere Alckmin, abençoa a união dos
conservadores em torno da ultra-direita e sugere à esquerda que está em
jogo, em outubro, algo muito maior
que uma disputa partidária
As atitudes de quem deseja reumanizar e reencantar o mundo não podem
ser simétricas às dos que agem em favor da barbárie. Jair Bolsonaro
defendeu a tortura e o estupro, mas é exatamente por nos opormos à
brutalidade que repudiamos o atentado a ele. Felizmente, tudo indica que
o ex-capitão, afastado do Exército por planejar atentados terroristas,
sobreviverá ao atentado. Mas as eleições já não serão as mesmas. Três
novas tendências e questões emergirão.
Primeira: Bolsonaro unificará a direita. Havia, até agora, uma
disputa acirrada entre ele e Alckmin – nos programas de campanha e na
Justiça eleitoral. Nas pesquisas, o ex-capitão tinha treze pontos
percentuais de vantagem, mas era atacado maciçamente na TV por seu
adversário, que buscava explorar suas posições violentas e
anti-humanitárias. Agora, Bolsonaro poderá se apresentar como vítima
(real) desta mesma violência que defende. O ex-governador conseguirá
reverter, em um mês e sob comoção, a distância que o separa?
Os mercados financeiros deram uma primeira resposta na própria
tarde da sexta-feira. Houve uma reviravolta após o atentado. A Bovespa
subiu; o dólar, que havia atingido RR 4,16, recuou. Já havia forte
tendência, entra a elite financeira e o grande empresariado, de opção
pela extrema-direita. Este movimento pode ter se consolidado. Portanto, a
primeira vítima da facada pode ter sido Alckmin.
Segunda: está novamente aberta a disputa pelo papel de candidato
anti-establishment. Em eleições com o país mergulhado em crise
econômica, e em profundo desgaste do sistema político, aparecer como
alternativa pode ser decisivo. Bolsonaro tentou ocupar o papel. Não
havia conseguido até agora. As pesquisas o mostram, há meses, estancado
em 22% das preferências dos eleitores – e provavelmente batido tanto por
Marina da Silva quanto por Ciro Gomes, num eventual segundo turno. Para
os eleitores, o candidato anti-sistema é, por enquanto, Lula, preso
político com 40% das intenções e enorme poder de transferência de votos.
Agora, muito provavelmente, o atentado permitirá que Bolsonaro volte a
aparecer, para parte importante da população como alguém incômodo aos
poderosos, e portanto merecedor de apoio.
Terceira questão: É necessário, aliás, investigar em profundidade as
circunstâncias em que o ataque ao candidato se deu. As imagens mostram
que o homem que investiu com a faca estava a três corpos de distância
doe Bolsonaro. Minutos depois da facada, o filho do ex-capitão afirmou,
nas redes sociais, que o ferimento havia sido “superficial”. Surgiram,
em seguida, informações desencontradas sobre uma cirurgia [que agora
parece confirmada]. A História está repleta de atentados forjados.
Ocorreu na Alemanha, no incêndio do Reichstag. Ou no Brasil de 2010,
quando José Serra, então candidato à Presidência, foi atingido por uma
bolinha de papel, simulou tratar-se de um objeto metálico e chegou a se
submeter a tomografia de crânio. Qual é, de fato, a natureza do
ferimento? Quem é o autor do atentado? Que o levou a cometer tal ato? Ao
país, interessa o esclarecimento cabal destas questões.
Quarto ponto: O atentado mostra para a esquerda que não estamos
diante de uma disputa eleitoral qualquer, regida pelas velhas táticas da
luta partidária pelo governo. Está em jogo o futuro do país. Os que
desejam manter a agenda de retrocessos imposta há dois anos – e, se
possível, aprofundá-la – farão de tudo para isso. As relações entre
Haddad/Lula, Ciro Gomes e Boulos precisam ser revistas.
Há, na sociedade, um grande campo antigolpe, muito provavelmente
majoritário. Este campo correrá o risco de continuar a se dividir entre
três candidaturas? Os fatos de hoje não mostram que acima das disputas
partidárias é necessária uma unidade de quem deseja reverter os
retrocessos pós-golpe? Não é possível voltar a pensar num “Geringonça
Brasileira”, que se traduza desde já numa articulação clara entre o PT, o
PDT, o PCdoB e o PSOL? Significaria estabelecer desde já um programa
comum de resgate do país e dos direitos; politizar a disputa pelos
Legislativos, trabalhando em conjunto pela eleição de uma vasta bancada
pela revogação dos retrocessos; estabelecer planos compartilhados para
um governo de reconstrução nacional. Isso tudo não daria às eleições um
caráter muito mais denso que a mera disputa partidária?
Os tempos aceleram-se. Teremos, apóso feriado, a divulgação de uma
nova pesquisa do Datafolha (em 10/9). É difícil prever os fatos que
virão. Mas é claro que os acontecimentos da sexta-feira projetam as
eleições num novo cenário, que exige respostas não convencionais.
Saberemos compreender este desafio? É uma pergunta a ser respondida nos
próximos dias.
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*Jornalista.
Fonte: https://outraspalavras.net/brasil/quem-a-facada-atingiu/
Imagem: Luta com Porretes, óleo sobre tela por Francisco De Goya/Internet
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