Hamilton Carvalho*
Narrativas satisfazem necessidade humana
A escolha do eleitor pode ser comparada a uma combinação de peças de
um quebra-cabeça. Nessa equação, contam tempo de exposição, identidade
política e algumas percepções-chave que definem o apelo do candidato, em
particular credibilidade, competência e calor humano.
As associações positivas ou negativas que se fazem com um candidato e
as narrativas que são promovidas na campanha são consideradas como o
elemento central do marketing político. E também do marketing em geral:
ninguém compra água com gás, corante e muito açúcar (refrigerante), mas
uma solução para matar a sede que parece divertida e é cheia de
associações simbólicas.
Narrativas satisfazem uma necessidade humana básica, que é a de significado do mundo social.
Existe até uma linha de pesquisa em políticas públicas chamada de “Narrative Policy Framework”, que postula (com forte lastro empírico) que o ser humano é, antes de tudo, um homo narrans:
alguém com racionalidade limitada, bastante influenciado por emoções e
simplificações na tomada de decisão, vivendo em modo confirmação da
realidade (as famosas bolhas) e dependendo de narrativas para entender
seu mundo e se comunicar com seus grupos sociais.
Uma analogia que parece adequada para ajudar a entender as campanhas políticas é emprestada do mundo das startups
do Vale do Silício. No jargão do empreendedorismo, é comum avaliar um
negócio potencial como um analgésico (painkiller) ou vitamina (vitamin).
Um analgésico é um produto ou solução que é percebido como essencial
por resolver uma necessidade saliente do consumidor. Pense, por exemplo,
em como alguns aplicativos no seu celular diminuem o tédio ou mantêm
ativa suas redes de amigos, criando uma “coceira” sem fim. Uma
vitamina, por outro lado, apela para um estado ideal, mas seus efeitos
potenciais são difusos. Pense na maioria dos aplicativos para ensino de
idiomas.
Candidatos aumentam sua chance quando conseguem se vender como
solução indispensável às necessidades mais salientes dos eleitores – das
mais importantes, como segurança e saúde, às mais simbólicas, como a
expressão da identidade política em um país dividido. Ser percebido como
analgésico é condição necessária, ainda que não suficiente. Parece
óbvio, mas não é.
Basta assistir a alguns programas eleitorais para perceber que há
muitos candidatos se vendendo como vitaminas. Muitos com campanhas
caras. É, na verdade, um erro de marketing comum: adotar uma visão de
dentro para fora, sem levar em conta as perspectivas dos públicos-alvo e
sem criar um posicionamento claro, que tenha ressonância.
E o candidato-laxante? Como temos visto nesta e nas últimas
campanhas, é possível desconstruir os concorrentes, promovendo
associações ou narrativas negativas. No fundo, é uma batalha para
solidificar percepções na mente do eleitor.
Desconstruir o adversário competitivo, com o objetivo de torná-lo um
laxante na visão de quem vota, é o sonho de quase todo candidato. Na
prática, há iniciativas corretas (por exemplo: expor apoios políticos ou
erros de gestão) e as antiéticas (empregar narrativas que explorem o
medo), ainda que algumas das últimas possam funcionar.
No frigir dos ovos, todos os candidatos sonham em conquistar o apoio
dos indecisos. Porém, somente o candidato-analgésico consegue expor de
forma clara a resposta para a pergunta de ouro do marketing: o “what is in it for me?”
(o que tem nisso para mim?). Mesmo que, em determinado momento da
disputa, o que tenha nisso para mim seja apenas fazer parte da onda que
está elegendo o candidato mais popular.
Marketing, em sua essência, é troca, ainda que, no caso do voto, a
troca seja pela expectativa de um mundo melhor (para o eleitor). Mais do
que homo narrans, somos homo marketus, sempre
buscando benefícios superiores ao custo que incorremos nos diversos
contextos sociais – seja dinheiro, tempo, atenção ou reputação. No
mercado do voto, como na vida, eliminar a dor é um benefício superior a
tomar uma vitamina. Laxante? Só muito a contragosto.
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* Hamilton Carvalho, 46 anos, estuda comportamento humano e sistemas
sociais complexos. É doutor em Administração pela FEA-USP, mestre em
Administração pela mesma instituição, membro da System Dynamics Society e
da Behavioral Science & Policy Association.
Fonte: https://www.poder360.com.br/opiniao/eleicoes/seu-candidato-e-analgesico-vitamina-ou-laxante/
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