Juremir Machado da Silva*
Há quem garanta que toda a história da filosofia não passa de
uma nota de rodapé da obra de Platão (428 a.C.-347 a.C.). Depois dele,
todos seriam seus comentadores com maior, menor ou nenhuma
originalidade. Bom de matemática e de reflexão, Platão era um homem de
ideias. Ele se chamava Aristócles. Mas, robusto que era, foi apelidado
de Platão por seu treinador de lutas. Na época, pensar e lutar não se
excluíam. Após uma temporada na Sicília, onde tentou fazer a cabeça de
Dionísio I com suas teses sobre o rei-filósofo, voltou para casa,
comprou um colégio e fundou sua “academia”.
Platão retornaria duas vezes à Sicília para tentar influenciar
Dionísio II. Na última, teve de correr para não perder a vida. Ele
acreditava realmente que o poder deveria ser exercido por quem pensasse.
Com pendor autoritário, nos termos de hoje, só entregaria a gestão da
coisa pública a especialistas. Não lhe passava pela cabeça que fosse uma
boa ideia dar poder de decisão a quem não estivesse preparado para
decidir. Ele foi tão famoso que lhe eram atribuídos textos que não
escrevera. Austero, desconfiava das artes, que enganavam os sentidos.
Didático, escreveu quase toda a sua obra em diálogos. A sua maior sacada
foi a teoria das ideias ou teorias das formas. Para ele, a verdade mais
profunda, a realidade mais real, estava na ideia de uma coisa e não na
sua fugitiva materialidade.
O bom trato do interesse público só aconteceria quando os filósofos
fossem reis ou os reis conseguissem filosofar. Poder e filosofia
deveriam coincidir pelo bem da república. Platão idealizou o déspota
esclarecido. O leitor atual talvez exclame: como um gênio podia ser tão
ingênuo! Os tempos eram outros embora não fossem assim tão diferentes do
nosso. A compreensão do poder como campo de certa malignidade só se
tornaria clara mais tarde. No fundo, Platão tinha uma ideia de república
como república das ideias. Ele sabia, contudo, que chegar ao poder
tornava má a maioria dos homens.
Felicidade – Platão projetava uma sociedade tão
justa e equilibrada que haveria disputa para não governar. Ele se ocupou
de ética, política, epistemologia, matemática e de quase tudo que lhe
chamou a atenção. A felicidade não poderia escapar do seu radar. Ser
feliz, na sua ótica, não era apenas viver conforme os ensinamentos da
ciência, mas “possuir a ciência do bem e do mal”. Os gregos não
brincavam em serviço. Queriam definições claras e práticas. Ele fazia
frases que hoje seriam consideradas piegas: “A música dá uma alma aos
nossos corações e asas ao pensamento”. Todo mundo sem saber em algum
momento plagia Platão: “O amor é cego”.
Arguto, ele antecipou descobertas da psicanálise: a falta é que nos
forma. O que não temos e não somos constitui o objeto do amor e do
desejo. Não ter e não poder ter tornam infeliz. O que é realmente a
felicidade para Platão? O que lhe dava alma e asas além da música? Um
conjunto de atitudes, posturas e disposições. Em primeiro lugar, deve-se
buscar a simplicidade de caráter sem se tornar simplório, aliando
bondade e beleza num espírito leve. Reprimir os sentimentos não ajuda. É
importante saber nutrir e administrar as mais fortes paixões. Fora
disso, cai-se na aridez e na esterilidade. Cada ação deve ser orientada
por um horizonte: o bem. Voltamos ao ponto de partida: o que é o bem? No
que diz respeito à vida adequada, logo feliz, justiça e sabedoria.
Platão era um devoto da razão.
Ser feliz é definir e desejar o belo e obter meios para alcançá-lo.
Saber correr atrás de alma pura. O amor, por exemplo, é desejar o que
pode fazer bem sem fazer mal aos outros. Uma medida que leva em
consideração o vínculo e a virtude. Mênon, em diálogo com o impagável
Sócrates, tem uma visão prática: a virtude de um homem consiste, quando
se trata da coisa pública, da vida na cidade, de fazer o bem aos amigos,
o mal aos inimigos e de sair incólume. Essa sinceridade pragmática não
parece muito republicana agora. Mênon entendia que a virtude da mulher
estava em bem cuidar do interior da casa e obedecer ao marido. Sócrates
questionava-o cruamente.
Homens e mulheres só encontram a felicidade na justiça e na
temperança. O parâmetro platônico do bem e da felicidade nunca deixa de
considerar a autorreflexão: ele prefere ser alvo de injustiça do que
cometer uma, o que lhe parece mais grave. Alcançar a felicidade pode ser
muito difícil e penoso. Platão trata de estimular os que desanimam:
todo sofrimento, quando se está em busca das coisas belas, também é
belo.
O extraterrestre pode estar perplexo. Que filósofo é esse que se
exprime como qualquer pessoa? Pode até se perguntar estupefato: sempre
fui platônico e não sabia? É por meio de Sócrates que Platão mais fala
da felicidade. Sócrates e Calícles discutem sobre a moderação. Afinal, o
que é melhor, ficar com o que se tem ou correr atrás do que não se tem?
O desejo nunca acaba. Satisfeito um, vem outro. Uma corrida desenfreada
pelo prazer enlouquece. Uma vida sem desejo vira um deserto. Nada se
faz sem ambição. Em cada um de nós coexistem o desejo de prazer e o
sofrimento do desejo.
Ser feliz é desejar a felicidade sem se tornar escravo dela----------------
* Jornalista. Escritor. Sociólogo.
Fonte: Jornal Correio do Povo, 15/09/2018. https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/09/11174/platao-uma-ideia-de-felicidade/
Ser feliz, na sua ótica, não era apenas viver conforme os ensinamentos da ciência, mas “possuir a ciência do bem e do mal”.
ResponderExcluirOla meu amigo que artigo maravilhoso que palavras profunda que nos de fato refletir de que o amor nao se define so em palavras e sim em posturas e atitudes ..
muito obrigado por nos da a chance de obter essas informaçoes que sao perolas em meio ao lixo que a sociedade tem descarregado no seu semelhante ,,,