José de Souza Martins*
Os
resultados das pesquisas eleitorais, nestes dias finais da campanha, vão
confirmando uma tendência histórica da política brasileira: a do binarismo
ideológico. A dispersão de votos pelas dezenas de partidos encobre a tendência
binária que sob eles resiste como reguladora oculta da nossa mentalidade
política.
Ainda estamos divididos entre os que foram subjugados pelo mandonismo local e a dominação pessoal e os residualmente esclarecidos que podem exercer a crítica dos projetos políticos na perspectiva da esperança e do possível. A ideologia pendular PT x PSDB revitalizou o binarismo e limitou gravemente nosso horizonte político.
Ainda estamos divididos entre os que foram subjugados pelo mandonismo local e a dominação pessoal e os residualmente esclarecidos que podem exercer a crítica dos projetos políticos na perspectiva da esperança e do possível. A ideologia pendular PT x PSDB revitalizou o binarismo e limitou gravemente nosso horizonte político.
No
interior dos próprios partidos políticos essa polaridade é visível. É o caso do
Partido dos Trabalhadores. Está no desencontro das opções eleitorais entre sua
figura simbólica mais expressiva, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
e o partido. Nas consultas, os números em favor de Lula são muito maiores do
que os números em favor do PT. Não só agora.
O PT vai
bem quando os eleitores reconhecem a convergência dos dois. Vai mal quando se
separam, quando os eleitores que se identificam com Lula não se identificam com
os candidatos do partido. Dá certo quando o partido pega carona no carisma de
Lula. Ou seja, o PT dá certo quando não é partido, quando é apenas agrupamento
de acólitos do líder, mas não agentes de afirmação de uma doutrina e de uma
teoria de superação das contradições sociais. As que afligem aqueles que
esperam ter suas carências devidamente consideradas pelo partido num ideário de
desenvolvimento social como condição do desenvolvimento econômico.
Isso tem
acontecido também com outros partidos. Com o próprio PSDB, como experiência
partidária oposta à do PT. O partido deu certo enquanto se manteve aglutinado
em torno da personalidade referencial do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso e do que ele representa como teórico do poder e do processo político
brasileiro. Não deu certo quando quis dele se distanciar, criando núcleos
internos de poder divergente.
Em boa
parte, isso ocorreu porque Fernando Henrique Cardoso, radicalmente diferente de
Lula, é um adversário do poder pessoal, tem uma referência solidamente
social-democrática de sua orientação política. O partido se fragilizou quando
começou a se fragmentar, especialmente em São Paulo, quando deixou de reconhecer
aquilo que FHC representava como pensador das possibilidades do partido e do
processo político.
Lula, ao
contrário, é a orientação de si mesmo, de modo competente alinhado com o
imaginário popular do poder. Lula é culturalmente bilíngue: ele compreende as
manhas e debilidades do poder político. Coisa que, em geral, os petistas não
compreendem porque fragilizados pela diversidade de doutrinas divergentes e até
incoerentes do PT. Ao mesmo tempo, Lula compreende a linguagem popular, as
ocultações do silêncio dos simples e da eloquência do não dito. Coisa que
nenhum outro político brasileiro sabe fazer. Mas conhecimento inútil para quem
está preso.
Nesse
sentido, mesmo que não o saiba, Bolsonaro é uma versão superficial e equivocada
de Lula. Porque quer falar a linguagem popular das esquinas e da rua sem
conhecê-la como linguagem de sobressignificados que é. Expressa a raiva da
classe média, mas não conhece o que é propriamente a língua do povo. Reafirmar
estigmas depreciativos sobre a mulher, ou sobre os que não fazem parte de uma
imaginária classe média branca e intolerante, comprova a distância enorme que
há entre o candidato e essa fala peculiar e difícil. Sem o saber, passou a
falá-la quando foi esfaqueado e hospitalizado. Mesmo que não saiba e não
queira, a compaixão popular falou em seu nome a língua que ele não conhece nem
decifra.
Nela não
conhece nem reconhece o bilinguismo do povo brasileiro, a a dupla linguagem a
que fomos condenados desde nossas origens como povo que falava sua própria
língua, mas foi obrigado pelos poderes da dominação colonial a falar a língua
do conquistador, a língua da subjugação, a versão superficial da língua do
mando e portanto da compreensão superficial das contradições e embates da vida.
É a língua da inautenticidade, do ser que não somos nem temos conseguido ser.
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*José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de A Sociologia como Aventura (Contexto
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/5889447/nosso-binarismo-ideologico 28/09/2018
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