ECLETISMO - As novas formas de se relacionar com o sagrado incluem meditação e movimentos esotéricos (Metropolitan Museum/Divulgação)
O futuro será marcado por pessoas que buscarão experiências transcendentais sem necessariamente seguir entidades divinas
“Para onde vai a Igreja?” Essa era a pergunta que resumia o grande
embate da década de 60, que contrapunha bispos progressistas a
conservadores. Os católicos haviam recém-saído de uma reviravolta
interna, o Concílio Vaticano II (1962-1965), um marco na modernização
litúrgica e doutrinal. A assembleia em Roma tinha proposto a
participação do bispado nas decisões da Santa Sé, de maneira semelhante
ao que acontecia nos primórdios eclesiásticos. Aposentou o latim e
permitiu que a missa fosse celebrada no idioma de cada país, tirou a
obrigação do uso da batina e abriu espaço para movimentos sociais. “Este
não deverá ser um concílio para combater erros, mas para pôr a Igreja
em dia”, disse o papa João XXIII, ao inaugurar o evento. Estar em dia
para a Igreja era o mesmo que dizer reaproximar-se do devoto.
Mas não foi bem o que ocorreu no Brasil, o país com a maior
concentração de católicos do mundo. O número de fiéis só caiu nas
décadas seguintes. Na época do concílio, 91,8% dos brasileiros
declaravam-se seguidores da religião. Hoje, eles não chegam a 65%. Em
contrapartida, os protestantes ocuparam um espaço fenomenal. Na década
de 70 eram 5,2%, e hoje são 22%. A maior conquista aconteceu justamente
nos lugares perdidos pelos católicos: as periferias das grandes cidades,
as prisões. Foram os protestantes, portanto, que de fato conseguiram se
comunicar com o fiel.
A dança demográfica impulsionará um fenômeno
que é ainda incipiente mas já começa
a crescer: o dos crentes sem religião
Um segundo revés para a maior religião do planeta foi o crescimento
dos ateus que aderiram ao “novo ateísmo”, vertente surgida nos anos
2000. Os novos ateus não apenas descreem de Deus, mas também condenam o
que consideram os males da crença. “A fé até pode ser benigna no nível
pessoal, mas no plano coletivo, quando se trata de governos capazes de
fazer guerras ou desenvolver políticas públicas, é um desastre
absoluto”, diz o neurocientista Sam Harris, um dos maiores defensores do
novo ateísmo e autor de A Morte da Fé (2004).
Deus será possível,
mas não necessário.
A eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como papa
Francisco, o primeiro pontífice latino-americano da história, pode ser
uma luz na tentativa católica de segurar a sangria de fiéis, por
representar um aceno à simplicidade. Ainda assim, não há milagre no
horizonte, e o catolicismo brasileiro dificilmente se manterá como antes
nos próximos anos. Se a distribuição das crenças seguir no ritmo nas
duas últimas décadas, em 2040 a fatia de protestantes será cerca de 5
pontos porcentuais superior à dos católicos, e os ateus chegarão a um
total de 13%. A dança demográfica impulsionará um fenômeno hoje ainda
incipiente, mas que começa a dar os primeiros sinais em boa parte do
mundo: o dos crentes sem religião. São aqueles que se consideram abertos
à questão religiosa, porém não estão vinculados a regras de um credo.
“O ateísmo e a fé se revelam como os dois lados de uma mesma moeda”,
disse Marco Rizzi, professor de literatura cristã da Universidade
Católica do Sagrado Coração, de Milão, ao jornal italiano Corriere della Sera.
As novas formas de se relacionar com o sagrado incluem práticas de
meditação e os movimentos esotéricos. É como se as pessoas estivessem
mais preocupadas em buscar algo que as ultrapasse, que lhes dê um
sentido, do que com a ideia da existência ou inexistência de um deus.
Deus será possível, mas não necessário.
--------------Reportagem Por
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601 pg.183
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