Um amigo de meu filho, de 35 anos, me contou que
numa reunião com professores e pais, na escola de seu filho de sete anos
(escola esta frequentada por ele, assim como pelos meus filhos até o
vestibular), um pai cobrou que na nota fosse levado em conta o conteúdo
“dentro das possibilidades do seu filho”. Há uma recusa ao
amadurecimento no ar.
Na mesma escola, anos atrás, numa reunião dessas, ouvi uma mãe cobrar
da escola que “heroínas femininas fossem usadas em sala de aula para
que as meninas fossem empoderadas”, e, da mesma mãe, “que a escola
deveria dar mais atenção à África do que à história romana, grega,
hebraica e mesopotâmica”.
Pensei como deveria ser um saco, para uma professora, depois de um
dia inteiro de aulas, ter que aturar pais metendo o bedelho no que não
entendem e, literalmente, enchendo o saco.
Sim, o mundo está bem chato. O sapiens está saturado de ruídos.
Espécie pré-histórica, evoluída num cenário do alto do Paleolítico, em
meio à preponderância do silêncio, agora, com iPhones na mão, assola o
mundo com opiniões. Falam muito da destruição do ambiente; temo que o
sapiens se destrua falando demais.
Exemplos dessa pedagogia contra o amadurecimento já estão na
universidade. E logo estarão nas empresas. Pais e psicólogos atacarão o
RH das empresas com ameaças de processos jurídicos, como já ensaiam nas
escolas e universidades, porque essas empresas não estarão levando em
conta a “economia da autoestima” de seus filhos estagiários.
Exagero? Não exagero. O mundo marcha a passos largos para o
retardamento mental como uma opção pedagógica. Frase insensível à
vulnerabilidade das pessoas?
Há um culto da vulnerabilidade por aí. Pais e profissionais cada vez
mais fazem pressão para que as instituições de ensino relativizem normas
de avaliação em nome de ficar “dentro das possibilidades” de seus
filhos.
Entre as várias hipóteses possíveis, julgo que a raiva reprimida de
ter que perder tempo, dinheiro e saúde cuidando dos filhos faz com que
muitos pais exagerem nas provas de “amor e cuidado” com eles, exigindo
que o resto do mundo os ame, como eles mesmos não são capazes.
Exagero? Talvez um pouco, mas não muito. Lanço mão de uma tática
argumentativa chamada hipérbole (quando você exagera num argumento para
defender uma hipótese que está aquém da afirmação exagerada), por causa
do desespero que dá ver os pais destruírem a vida dos filhos fazendo
deles zumbis adictos de formas institucionais de distribuição de
autoestima.
Fala-se muito de educação, mas ela já foi para o saco há muito tempo.
A fúria de fazer o mundo melhor nos destruirá a todos. O esvaziamento
dos vínculos familiares pressiona o Estado e as escolas para cumprir o
papel de pais narcisistas e de saco cheio. Aliás, todo mundo está de
saco cheio, o Sapiens não se aguenta mais. Uma espécie pré-histórica
perdida na redes.
Entre 1990 e 2010, o termo “estudantes vulneráveis” passou de 55
referências para 1.136. De 2015 a 2016 houve 1.407 referências ao mesmo
termo. A fonte é LexisNexis Database. Quem a cita é o sociólogo Frank
Furedi, no seu mais novo livro, “What’s Happened To The University? A
Sociological Exploration of its Infantilisation” (o que aconteceu com a
universidade? Uma exploração sociológica de sua infantilização, ed.
Routledge, 214 págs.), sem tradução no Brasil. Proponho a leitura para
pais, professores e pesquisadores do assunto.
A conclusão do autor, que se dedica a esse campo, no mínimo, desde
2004, quando publicou seu “Therapy Culture” (cultura da terapia), também
sem tradução no Brasil, é que ao optarmos por uma narrativa da
vulnerabilidade, optamos por estudantes infantis.
Numa linguagem exagerada, estamos criando uma sociedade de inseguros
afetivos e cognitivos. Os idiotas da tecnologia acham que porque existem
crianças de três anos que mexem em iPads, elas são mais inteligentes.
Numa espécie de lamarckismo para idiotas, pensam que, como os pais usam
muito iPads, os filhos nascem sabendo mexer neles.
Furedi devia ser leitura obrigatória para quem pede para a escola
levar em conta, na avaliação, as possibilidades do filho. E o pior é que
esse pai se acha o máximo. Um dos efeitos colaterais da maior
escolaridade é que a pessoa fica menos cuidadosa em assuntos que não
domina. Fiéis às bobagens fragmentadas que leem, enviesadas por modinhas
do Face, esses pais jogam o amadurecimento dos filhos no lixo.
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Excelente texto, realmente se não acordarmos poderá ser tarde demais.
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