Outro dia ouvia uma colega, muito inteligente e
bonita, me dizer da “gastura” que sentia em ouvir pessoas falando sobre
suas qualidades intelectuais, realizações e títulos. Estando eu presente
no momento desse infeliz “self marketing” que causou a “gastura” no
estômago da minha jovem colega, entendi bem o que ela dizia.
O mau hábito de falar das próprias realizações sempre existiu. Mas,
hoje, é diferente: ser brega e fazer self marketing virou uma “ciência”.
Hoje, a velha máxima que “toda virtude verdadeira é tímida” se
transformou numa informação urgente.
Toda virtude verdadeira é tímida. Sempre. Sim, sei que somos seres de
contínua baixa autoestima, e que o mundo prima por nos ferrar todo dia:
gorda, burro, brocha, histérica, mal amado, enfim, adjetivos feitos
para destruir a já frágil autoestima que temos. E que, portanto, muitas
vezes nos faz cair na tentação de reafirmar nossos feitos na cara dos
outros. Mas há uma diferença quando fazemos isso em claro momento de
desespero e quando fazemos isso achando que estamos abafando. O caso
comentado pela minha colega era este segundo caso.
Por que toda virtude verdadeira é tímida? Antes de tudo, porque a
vocação constante à vaidade que nos assola deixa a virtude insegura com
relação a si mesma. Esta dinâmica, entre a dúvida da virtude x a certeza
da vaidade é tema, por exemplo, da clássica polêmica da graça entre
Santo Agostinho (354–430) e Pelagius (360–420).
Outro traço da virtude é ser desatenta consigo mesma. Por isso,
alguns afirmam que a maior de todas as virtudes seria a humildade, uma
vez que esta é o oposto simétrico da vaidade. O cotidiano da virtude não
é checar a si mesma continuamente no espelho para ver o quão bem
sucedida ela tem sido em ser ela mesma. Essa desatenção consigo mesma é
traço essencial da virtude. Associada a ela está a percepção de
“naturalidade” que toda virtude verdadeira transparece.
Somos naturalmente “equipados” com a capacidade de identificar a
leveza com a qual alguém age de modo virtuoso. Assemelhando-se à
manifestação da graça, a leveza da virtude tímida e natural equipara-se à
beleza sem vaidade.
Essa “naturalidade” da virtude está descrita por Aristóteles (384
AC–322 AC) quando em seu “’Ética a Nicômaco” ele diz que a virtude deve
se transformar numa segunda natureza.
Não se trata de negar o esforço consciente em busca do comportamento
virtuoso, segundo o filósofo. O esforço é real e consciente. Portanto, a
timidez da virtude não é fruto de sua inconsciência como comportamento.
A timidez é fruto da naturalidade (segunda natureza, nos termos do
filósofo) que caracteriza uma virtude madura.
Timidez aqui é quase uma metáfora, não para a insegurança enquanto
tal, mas para a virtude instalada no cotidiano do virtuoso que se deixa
perceber pelo ato, e não pelo “anúncio do ato”.
A ética é uma ciência prática. A ideia de fazer marketing da ética é
como se afirmar que um círculo é quadrado. Dizer que a virtude é prática
e jamais teórica significa dizer que só o outro reconhece a virtude em
você. A virtude é da ordem do ato e não do discurso. Se você falar da
sua virtude, você jamais convencerá uma pessoa razoavelmente inteligente
e madura da veracidade da sua afirmação. Porque quem precisa anunciar
sua própria virtude é porque a prática dessa virtude não é suficiente
para ser reconhecida.
Por isso, afirma-se que a virtude é pública, jamais privada. É
silenciosa, mas sua existência é atestada pelo olhar do outro que a vê
acontecer no mundo, sem anunciar que está acontecendo. O histórico do
seu comportamento, reconhecido ao longo do tempo pelas pessoas à sua
volta (mesmo as que te odeiam), se constituirá na substância do seu
caráter. Esse caráter, ao longo da vida, se constituirá, por sua vez, no
seu destino. Por isso, afirma-se que virtude é destino. Sendo ela uma
segunda natureza, realizada no silêncio do esforço prático sem
tagarelice, a virtude (ou a ausência dela) pode se transformar numa
maldição mesmo. Nada garante que virtude traga “felicidade”.
No nosso mundo tagarela, marcado pela breguice do self marketing, a
virtude não deve ser apenas tímida, mas a própria timidez se torna, a
cada dia, uma virtude em si mesma. E esta é um animal do silêncio.
Semelhantes a ela são a discrição, a delicadeza, a elegância e a
contenção. A busca dessas virtudes como forma de sabedoria é um desafio
para o século 21. Otavio Frias Filho era um exemplo vivo delas.
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