Pirro, Epicuro, Zenão
Crer faz ser feliz? Ou duvidar é mais
saudável? Se creio, posso me sentir amparado. Se duvido, posso me sentir
livre. Pirro (365-270 a.C) duvidava de tudo. Ele não tinha certeza nem
sequer de que se jogar num precipício poderia ser fatal. Tudo podia ser
mera imaginação ou pela primeira vez não acontecer. A verdade é que
Pirro duvidava do nosso poder de conhecer as coisas. Esse tipo de
raciocínio é sempre paradoxal: se duvido de tudo, duvido também da
dúvida, logo tenho certeza de que duvido. Pirro aparentemente tinha uma
convicção: desejar traz infelicidade. Se nada sabemos com certeza,
melhor não ficar dando uma de dono da verdade. Se desejar traz problema,
pois acabamos não alcançando o desejado, melhor viver sem muitas
ambições, usufruindo do que se tem sem maiores dores.
Talvez fosse realizável na época de Pirro. Mas como não desejar num
mundo mobilizado pelo desejo? O capitalismo é o regime do desejo. Saber e
desejar andam juntos. O desejo de saber move o mundo. Outro cético,
Agripa, que viveu uns 300 anos depois de Pirro, queria a prova da prova.
A sua questão básica era: o que prova que uma prova é uma boa prova?
Podemos adaptar o que ele pensava: o que prova que a felicidade é a
felicidade? Atribui-se a Agripa uma cadeia interpretativa chamada de
“cinco tropos”: dissensão (tudo é incerto ou tudo é opinião), progressão
infinita (toda prova precisa ser provada), relação (tudo depende do
ponto de vista), suposição (tudo é hipotético) e circularidade (a
verdade gira num círculo vicioso). Se tudo é relativo, como tenho
certeza do que é a felicidade?
Sempre o desejo – A resposta mais simples ainda
parece ser esta: porque me sinto bem. O que é se sentir bem? Epicuro
(341-270 a.C.) teve a sua escola de filosofia, o Jardim, onde convivia
com seus discípulos. Ele era prático. Queria ensinar e aprender a viver
melhor. Abordava as questões mais sensíveis. Por exemplo, a morte. Se
não estarei presente na minha morte, por que me preocupar com ela? Se
não sofro pelo que veio antes de mim, por que sofrer pelo que virá
depois de mim? Epicuro era um moderado. A sua lição básica era o
comedimento. Esses gregos eram tão geniais que chegam a parecer
ingênuos. Como controlar o desejo quando este é incontrolável?
Epicuro era feliz escrevendo e conversando. Ele era filho de um
gramático e de uma mágica. Vegetariano, abria exceção para um pedaço de
queijo. Bebedor de água, permitia-se um cálice vinho. Epucurismo virou
sinônimo de orgia. Segundo consta, porém, Epicuro e sua turma pouco se
esbaldavam nos prazeres de cama e mesa. O mestre morreria de cálculo
renal. Na vida, não se sentia carregando pedra. Acreditava que cada ser
humano podia se controlar e administrar sua vida com prudência e
sabedoria. Diógenes, um dos seus discípulos, gravou num pórtico o que
seriam os quatro remédios (ou venenos), o chamado “tetrapharmakon”,
extraído da Carta a Meneceu, um dos textos sobreviventes de Epicuro: não
temer os deuses; não temer a morte; aspirar à felicidade; suprimir a
dor. A felicidade é o prazer, o seja, a inexistência de dor. A
felicidade está na ataraxia, essa tranquilidade da alma, essa paz de
espírito. Existem desejos inúteis, como o de glória, e irrealizáveis,
como o desejo de imortalidade. Simples.
Epicuro tem razões na sua racionalidade que o enigma do humano
desconhece: a amizade é um bem; o amor é um perigo que o sábio evitará. O
importante, segundo Epicuro, era começar a filosofar (pensar) cedo e
nunca parar. A filosofia ajuda a moderar os apetites e a curar dos
desejos insanos. A duração insignificante da vida, segundo o filósofo,
cujas ideias correram o mundo do seu tempo, recomenda parcimônia e
humildade. A “Carta a Meneceu” é a constituição da felicidade de
Epicuro. Nela, o mestre ensina o homem a ser sábio, isto é, a ser
simples, a meditar, a ser prudente e parcimonioso, a se relacionar com
os deuses e com a morte, a saber viver.
Eis tudo nas palavras do filósofo: “Todo prazer constitui um bem por
sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do
mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas. Convém,
portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o
critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um
bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem”.
Dá para usar?
Os estoicos radicalizariam as coisas. A felicidade estaria na
virtude. E no autocontrole absoluto. O prazer seria o inimigo a
combater. Adeptos de uma racionalidade universal, os estoicos pregariam a
contenção dos sentimentos, a disciplina rigorosa e a capacidade de
resistir ao sofrimento. Zenão de Cítio (363-263 a.C.) é o pai da
criança. A felicidade estaria na negação das paixões terrenas. Outra
designação para os desejos que perturbam. As paixões enlouquem. De
resto, para que lutar e sofrer pelo que não depende da nossa vontade? O
homem estoico é tão racional e prático que só pode ser um super-homem.
Estoicismo vem de pórtico, o pórtico pintado em Atenas onde Zenão
filosofava. Felicidade ou domesticação? O que ensinavam esses gregos, o
possível e desejável ou o impossível e árido?
--------
* Escritor. Prof. Universitário. Sociólogo. Jornalista
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/09/11211/a-tranquilidade-da-alma/
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário