sábado, 29 de setembro de 2018

A tranquilidade da alma

Juremir Machado da Silva*
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Pirro, Epicuro, Zenão

      Crer faz ser feliz? Ou duvidar é mais saudável? Se creio, posso me sentir amparado. Se duvido, posso me sentir livre. Pirro (365-270 a.C) duvidava de tudo. Ele não tinha certeza nem sequer de que se jogar num precipício poderia ser fatal. Tudo podia ser mera imaginação ou pela primeira vez não acontecer. A verdade é que Pirro duvidava do nosso poder de conhecer as coisas. Esse tipo de raciocínio é sempre paradoxal: se duvido de tudo, duvido também da dúvida, logo tenho certeza de que duvido. Pirro aparentemente tinha uma convicção: desejar traz infelicidade. Se nada sabemos com certeza, melhor não ficar dando uma de dono da verdade. Se desejar traz problema, pois acabamos não alcançando o desejado, melhor viver sem muitas ambições, usufruindo do que se tem sem maiores dores.

Talvez fosse realizável na época de Pirro. Mas como não desejar num mundo mobilizado pelo desejo? O capitalismo é o regime do desejo. Saber e desejar andam juntos. O desejo de saber move o mundo. Outro cético, Agripa, que viveu uns 300 anos depois de Pirro, queria a prova da prova. A sua questão básica era: o que prova que uma prova é uma boa prova? Podemos adaptar o que ele pensava: o que prova que a felicidade é a felicidade? Atribui-se a Agripa uma cadeia interpretativa chamada de “cinco tropos”: dissensão (tudo é incerto ou tudo é opinião), progressão infinita (toda prova precisa ser provada), relação (tudo depende do ponto de vista), suposição (tudo é hipotético) e circularidade (a verdade gira num círculo vicioso). Se tudo é relativo, como tenho certeza do que é a felicidade?

Sempre o desejo – A resposta mais simples ainda parece ser esta: porque me sinto bem. O que é se sentir bem? Epicuro (341-270 a.C.) teve a sua escola de filosofia, o Jardim, onde convivia com seus discípulos. Ele era prático. Queria ensinar e aprender a viver melhor. Abordava as questões mais sensíveis. Por exemplo, a morte. Se não estarei presente na minha morte, por que me preocupar com ela? Se não sofro pelo que veio antes de mim, por que sofrer pelo que virá depois de mim? Epicuro era um moderado. A sua lição básica era o comedimento. Esses gregos eram tão geniais que chegam a parecer ingênuos. Como controlar o desejo quando este é incontrolável?

Epicuro era feliz escrevendo e conversando. Ele era filho de um gramático e de uma mágica. Vegetariano, abria exceção para um pedaço de queijo. Bebedor de água, permitia-se um cálice vinho. Epucurismo virou sinônimo de orgia. Segundo consta, porém, Epicuro e sua turma pouco se esbaldavam nos prazeres de cama e mesa. O mestre morreria de cálculo renal. Na vida, não se sentia carregando pedra. Acreditava que cada ser humano podia se controlar e administrar sua vida com prudência e sabedoria. Diógenes, um dos seus discípulos, gravou num pórtico o que seriam os quatro remédios (ou venenos), o chamado “tetrapharmakon”, extraído da Carta a Meneceu, um dos textos sobreviventes de Epicuro: não temer os deuses; não temer a morte; aspirar à felicidade; suprimir a dor. A felicidade é o prazer, o seja, a inexistência de dor. A felicidade está na ataraxia, essa tranquilidade da alma, essa paz de espírito. Existem desejos inúteis, como o de glória, e irrealizáveis, como o desejo de imortalidade. Simples.

Epicuro tem razões na sua racionalidade que o enigma do humano desconhece: a amizade é um bem; o amor é um perigo que o sábio evitará. O importante, segundo Epicuro, era começar a filosofar (pensar) cedo e nunca parar. A filosofia ajuda a moderar os apetites e a curar dos desejos insanos. A duração insignificante da vida, segundo o filósofo, cujas ideias correram o mundo do seu tempo, recomenda parcimônia e humildade. A “Carta a Meneceu” é a constituição da felicidade de Epicuro. Nela, o mestre ensina o homem a ser sábio, isto é, a ser simples, a meditar, a ser prudente e parcimonioso, a se relacionar com os deuses e com a morte, a saber viver.

Eis tudo nas palavras do filósofo: “Todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem”. Dá para usar?

Os estoicos radicalizariam as coisas. A felicidade estaria na virtude. E no autocontrole absoluto. O prazer seria o inimigo a combater. Adeptos de uma racionalidade universal, os estoicos pregariam a contenção dos sentimentos, a disciplina rigorosa e a capacidade de resistir ao sofrimento. Zenão de Cítio (363-263 a.C.) é o pai da criança. A felicidade estaria na negação das paixões terrenas. Outra designação para os desejos que perturbam. As paixões enlouquem. De resto, para que lutar e sofrer pelo que não depende da nossa vontade? O homem estoico é tão racional e prático que só pode ser um super-homem. Estoicismo vem de pórtico, o pórtico pintado em Atenas onde Zenão filosofava. Felicidade ou domesticação? O que ensinavam esses gregos, o possível e desejável ou o impossível e árido?
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* Escritor. Prof. Universitário. Sociólogo. Jornalista
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/09/11211/a-tranquilidade-da-alma/
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