“Ad Astra”, último filme do Brad Pitt,
é uma pérola espiritual e psicológica. Raras são as vezes que esse
diálogo não descamba para o banal. O diretor James Gray criou um diálogo
elegante. Nesse sentido, “Ad Astra” se assemelha a um filme feito por Terrence Malick, o melhor cineasta em atividade no que tange à espiritualidade.
Todo filme que trata da exploração espacial no futuro flerta com o mundo espiritual.
O mundo espiritual é aquele para o qual nos desviamos quando escapamos do cotidiano imerso nas pedras que catamos todo dia.
O universo é, por si só, um enorme segredo cheio de escuridão,
silêncio e medo. Suas infinitas dimensões o põem no lugar de maior
protagonista do conceito de sublime em Kant: ficamos maravilhados com
nossa insignificância.
Para ficar em poucos exemplos no âmbito da filmografia relacionada, desde “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrik, “Solaris” (1972), de Andrei Tarkovski e “Interestelar”
(2014), de Christopher Nolan, a temática da exploração espacial e da
espiritualidade nos faz perguntas essenciais: haveria algo a descobrir
sobre nós mesmos nas viagens espaciais?
Apesar de “2001: Uma Odisseia no Espaço” trazer Hal 9000,
a inteligência artificial mais famosa do cinema, e isso ser naquele
momento um grande trunfo tecnológico do filme, Hal 9000 ficou famoso
mesmo pelo seu lado humano: seu erro, seu medo, sua vingança.
O que percebemos em filmes que põem em diálogo o universo e a
espiritualidade é que a tecnologia, “enquanto inovação” (termo
orgasmático no mundo corporativo) é sempre coadjuvante.
No mínimo, será a primeira coisa a envelhecer no filme. Por isso,
tecnologia (como restaurantes e comida) nunca é, de fato, luxo, para
quem entende um pouco do conceito de luxo, que é o que permanece, quando
tudo mais desaparece.
Deus é puro luxo.
Em “Ad Astra”, colonizamos a Lua com voos comerciais, quem sabe da
Latam, da Gol e da Azul. Marte tem humanos que nunca vieram à Terra e lá
nasceram. Estamos em guerra na Lua por recursos naturais, o que nos faz
sentir estranhamente em casa quando vemos o filme. Os pecados são parte
daquilo que chamamos de lar, por isso os utópicos são sempre infantis.
O personagem de Brad Pitt está em busca do pai, interpretado por
Tommy Lee Jones, um suposto herói mundial que desapareceu num projeto
Lima, que visava buscar algum sinal de vida inteligente para além de
Marte.
Quando pai e filho finalmente se reúnem, na órbita de Netuno, o desenlace se dá (sem spoilers demais, por favor).
É evidente o paralelo entre procurar vida inteligente e procurar
respostas para nossa solidão cósmica. Ao final, é sempre uma procura por
Deus ou deuses (para os menos sofisticados), uma procura pela causa
incausada do Aristóteles, princípio que tudo move, sem nunca ser
movido.
O universo, pela sua vastidão, escuridão e silêncio (e nossa
ignorância sobre ele), é o habitat natural para a dimensão estética
dessa busca.
Voltando ao elemento psicológico do enredo. A busca do protagonista
também é pelo seu pai desaparecido há 30 anos, que abandou a família na
Terra. A criança abandonada que vive no filho adulto e corajoso fala
desse silêncio infantil que nos mantém todos presos a determinantes
psicológicos —às vezes, insuperáveis.
O amadurecimento é, muitas vezes, uma forma de tristeza a ser transformada em companheira do percurso adulto. Kierkegaard dizia no século 19 que todo autoconhecimento verdadeiro se inicia com
alguma forma de entristecimento. Esse é um fator essencial que o debate infantil sobre felicidade raramente entende.
Brad Pritt é um homem triste no filme, que segue à risca as normas da sua vida profissional. E a humanidade inteira é uma humanidade cansada. Esta é uma das belezas do filme: seguramente, como diz o filósofo Byung-Chul Han, somos uma sociedade do cansaço.
A esperança é que, como diziam Albert Camus e Emil Cioran, o cansaço pode se transformar numa forma inesperada de virtude. E o amor, na última fronteira da vida adulta: poder trabalhar e amar é o clímax da saúde mental (Freud).
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*Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP. O amadurecimento é, muitas vezes, uma forma de tristeza a ser transformada em companheira do percurso adulto. Kierkegaard dizia no século 19 que todo autoconhecimento verdadeiro se inicia com
alguma forma de entristecimento. Esse é um fator essencial que o debate infantil sobre felicidade raramente entende.
Brad Pritt é um homem triste no filme, que segue à risca as normas da sua vida profissional. E a humanidade inteira é uma humanidade cansada. Esta é uma das belezas do filme: seguramente, como diz o filósofo Byung-Chul Han, somos uma sociedade do cansaço.
A esperança é que, como diziam Albert Camus e Emil Cioran, o cansaço pode se transformar numa forma inesperada de virtude. E o amor, na última fronteira da vida adulta: poder trabalhar e amar é o clímax da saúde mental (Freud).
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Foto:
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2019/10/a-busca-pela-transcendencia.shtml
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