PARADOXO - Sergio Moro: a alta popularidade do ministro da Justiça o
fortalece e o enfraquece ao mesmo tempo (Cristiano Mariz/.)
Em entrevista, o ministro diz que não será candidato em 2022 e fala da libertação de Lula, do julgamento do STF sobre 2ª instância e das mensagens vazadas
O restaurante requintado no centro de Brasília ainda estava vazio quando Sergio Moro
chegou para almoçar na última quarta-feira. Para o ministro da Justiça,
nem isso é ato corriqueiro. Dois dias antes, sua assessoria fizera uma
precursora no local, verificou as entradas e as saídas, observou a
configuração das mesas e concluiu que era preciso reservar quatro — uma
para o ministro e seus convidados, uma para a equipe de segurança e
outras duas que deveriam permanecer vazias formando um raio de
isolamento em torno da mesa principal. Os agentes são os primeiros a
entrar no estabelecimento. Moro aparece em seguida. Duas senhoras logo o
reconhecem e o cumprimentam efusivamente. O maître indica a mesa,
localizada estrategicamente num dos cantos. O ministro se senta, mas
parece incomodado com o fato de ficar de costas para dois homens que
ocupam uma das mesas que deveriam estar vazias. Falha. A menos de 2
metros de distância, os seguranças, atentos, não tiram os olhos dos
intrusos. Isso já é parte da rotina do ministro mais popular de Jair Bolsonaro, embora muita coisa tenha mudado nestes primeiros nove meses de governo.
As ameaças contra ele, por exemplo, se intensificaram. O
ministro não gosta de falar sobre o assunto, porém admite que os
cuidados com a segurança precisaram ser redobrados. Os desafetos que
colecionou ao longo de cinco anos de Operação Lava-Jato ganharam o
reforço de facções criminosas como o PCC. “Sempre recebi ameaças, mas
agora toda cautela é necessária, porque estamos enfraquecendo essas
organizações”, ressalta. Ele teme principalmente pela família. “Vocês
viram o absurdo que fizeram com a minha filha?” O ministro se refere ao
curta-metragem que circulou pela internet que conta a história do
sequestro da filha de um certo ministro “Célio Mauro”, tramado para
exigir a liberdade do ex-presidente “Luiz Jararaca da Silva”. No filme,
dentro do cativeiro há mensagens em favor da liberdade do verdadeiro
Lula. Por ordem de Moro, a Polícia Federal abriu inquérito para
investigar o caso. “Está cheio de louco por aí. É bom ter cautela”, diz.
O ex-juiz também tem sido alvo de múltiplas especulações. No início
do governo, ele era o talismã, a âncora que deixava claro o compromisso
do presidente Bolsonaro com o combate à corrupção. Em Brasília, o
ministro conheceu a outra face do poder. No Congresso, enfrenta a
resistência dos parlamentares, muitos deles envolvidos até o pescoço com
a Lava-Jato. No Supremo Tribunal Federal (STF), assiste ao que pode vir
a ser o desmantelamento dos principais pilares que sustentaram o
sucesso da operação. Mas é de dentro do próprio governo que surgem os
maiores fantasmas. Moro é alvo da desconfiança de alguns aliados, muitos
deles despachando em gabinetes importantes no 3º andar do Palácio do
Planalto, bem pertinho do presidente, de onde pipocaram informações de
que o ministro já foi demitido, já levou descomposturas humilhantes do
chefe e, a mais recorrente, de que estaria pavimentando o caminho para
disputar a Presidência da República em 2022 — no que seria um ato
imperdoável de traição a Bolsonaro, que se anunciou candidato à
reeleição.
Essa hipótese, combinada com uma série de acontecimentos políticos,
tem provocado fissuras na relação entre dois grupos que caminharam
juntos desde a eleição — os bolsonaristas e os lavajatistas. O primeiro
vê no segundo a ameaça a um projeto de poder. O segundo vê no primeiro
sinais de afastamento do compromisso de priorizar o combate à corrupção.
“É tudo intriga”, diz o ministro. Moro garantiu que não vai disputar a
Presidência da República, que Bolsonaro é seu candidato em 2022 e que as
relações entre os dois são “ótimas”. A maior preocupação do ministro,
no momento, é com o futuro da Operação Lava-Jato, especialmente com o
STF, que está julgando ações que podem pôr a perder boa parte do
trabalho já realizado pela força-tarefa e beneficiar corruptos notórios,
como o ex-presidente Lula e o ex-deputado Eduardo Cunha. Sobre a
declaração do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que
iria matar o ministro Gilmar Mendes e depois se suicidar, revelada por
VEJA na semana passada, foi lacônico: “É difícil acreditar nessa
história”.
O almoço terminou por volta das 14 horas. Um pouco antes disso, um
garçom pediu para tirar uma foto ao lado do ministro. “Lá em casa o
senhor tem seis votos”, disse o rapaz. Moro, que havia acabado de
garantir que não será candidato a nada, sorriu meio sem graça, mas não
retrucou. Paciente, posou ao lado de outros dois funcionários do
estabelecimento que lhe pediram a mesma coisa. Àquela altura, o
restaurante já estava lotado — e o ministro ainda passou pelo
constrangimento de cruzar todo o salão sob aplausos dos clientes, aos
quais ele retribuiu com acenos de agradecimento. A seguir, os principais
trechos da entrevista a VEJA.
“MEU CANDIDATO EM 2022 É O PRESIDENTE BOLSONARO”
Bolsonaristas mais radicais acreditam que Moro está usando o
governo como trampolim para uma futura candidatura à Presidência da
República. O ministro diz que não tem perfil de político e que essa
hipótese nunca lhe passou pela cabeça
“Eu digo ao presidente que essas notícias sobre uma eventual
candidatura minha são intrigas. Ele sabe que eu não vou ser candidato.
Primeiro por uma questão de dever de lealdade. Como é que você vai
entrar no governo e vai concorrer com o político que o convidou para
participar do governo? Também não vou me filiar ao Podemos nem vou ser
candidato a vice. Não tenho perfil político-partidário. Meu candidato em
2022 é o presidente Bolsonaro e pretendo fazer um bom trabalho como
ministro até o fim.”
“QUAL FOI O EXAGERO DA LAVA-JATO?”
Acusado de parcialidade na condução da Lava-Jato, o ministro
vê ataques direcionados para minar os resultados da operação, rebate o
discurso de que houve seletividade no que se refere aos alvos das
investigações e comenta as revelações feitas pelo ex-procurador Rodrigo
Janot, que afirmou ter tentado matar o ministro Gilmar Mendes no STF
“Não houve excesso, ninguém foi preso injustamente. Opinião de
militante político não conta, pois desconsidera as provas. A sociedade
tem de consolidar os avanços conquistados pela operação. As pessoas
falam em excessos, mas qual foi o excesso da Lava-Jato? Essa entrevista
do ex-procurador Janot é coisa dele. Não tem nada a ver com Curitiba. É
difícil acreditar nessa história. Agora vem essa discussão de que a
ordem das alegações finais seria um erro da Lava-Jato. Os avanços
anticorrupção não são de propriedade de juízes ou procuradores. É uma
conquista da sociedade, do país. É o país que perde com eventuais
retrocessos.”
“NÃO HÁ ILEGALIDADE NAS MENSAGENS”
A divulgação de mensagens captadas ilegalmente nos celulares
dos procuradores da força-tarefa levantou suspeitas e gerou acusações de
atuação imprópria e de parcialidade do então juiz Sergio Moro
“No caso das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil e por
outros veículos, mesmo que elas fossem verídicas, não haveria nelas
nenhuma ilegalidade. Onde está a contaminação de provas? Não há. É uma
questão de narrativa. Houve, sim, exagero da imprensa. Esse episódio
está todo superdimensionado. A Polícia Federal está investigando as
pessoas que invadiram os celulares. Não está descartada a hipótese de
que houve interesses financeiros por trás desse crime. Esses hackers,
pelo que já foi demonstrado, eram estelionatários. Mas nada vai mudar o
fato de que a Operação Lava-Jato alterou o padrão de impunidade da
grande corrupção. As pessoas sabem diferenciar o que é certo do que é
errado.”
“LULA ESTÁ PRESO PORQUE COMETEU CRIMES”
Condenado a vinte anos de prisão por corrupção e lavagem de
dinheiro, o ex-presidente pediu ao Supremo Tribunal Federal que decrete a
suspeição de Moro. Se isso acontecer, Lula, que está preso há mais de
um ano, poderá ser solto e seu processo voltar à estaca zero
“Estou bem tranquilo com minha consciência quanto ao que fiz. O
ex-deputado Eduardo Cunha também diz que é inocente. Aliás, na cadeia
todo mundo diz que é inocente, mas a Petrobras foi saqueada. Sempre que
há um julgamento importante, dizem que a Lava-Jato vai acabar, que tudo
vai acabar. Há um excesso de drama em Brasília. As pessoas pensam tudo
pela perspectiva do Lula, embora seja possível que o julgamento do STF
sobre a ordem das alegações finais leve à anulação da sentença sobre o
sítio de Atibaia. Lula está preso porque cometeu crimes.”
“O STF TEM DE AVALIAR BEM AS CONSEQUÊNCIAS”
A confirmação pelo Supremo de que condenados poderiam começar
a cumprir pena antes de a sentença transitar em julgado acelerou o
processo de punição dos condenados e catalisou as investigações da
Lava-Jato. Suspeitos passaram a fechar acordos de delação diante da
perspectiva de acabarem atrás das grades a curto prazo. Neste mês, o STF
vai analisar novamente a legalidade das prisões em segunda instância e,
se voltar atrás, poderá impor o maior de todos os reveses à Lava-Jato,
na avaliação do ministro da Justiça
“A eventual mudança de entendimento do STF sobre a prisão em segunda
instância é o que mais me preocupa. Espero, respeitosamente, que não
ocorra. O Supremo terá de avaliar bem as consequências de uma eventual
reversão sobre o movimento anticorrupção e sobre a esperança das pessoas
por um país mais íntegro e mais justo. Agora, como tenho uma formação
de agente da lei, de juiz, entendo que toda crítica deve respeitar a
instituição, sendo o STF fundamental para a democracia.”
“NUNCA CHEGUEI PERTO DE PEDIR DEMISSÃO”
O ministro diz que demorou um pouco a entender o
funcionamento de algumas engrenagens em Brasília mas se surpreendeu com a
máquina de intrigas. Diz que é vítima de muitas teorias conspiratórias e
que não consegue identificar com precisão a origem delas
“Brasília é uma cidade onde as intrigas ganham uma dimensão irreal.
As mais recentes afirmavam todo dia que eu estava saindo do governo. Há
dentro do governo, no Congresso e no Supremo interesses múltiplos que
nem sempre são convergentes, mas não entendo muito a lógica dessas
intrigas. Toda relação de trabalho tem seus altos e baixos. Minha
relação com o presidente é muito boa, ótima. Nunca cheguei perto de
pedir demissão. As pessoas inventam histórias. Sei que é mentira, o
presidente sabe que é mentira. Não sei direito de onde essas intrigas
vêm.”
“TENTATIVA DE ME INDISPOR COM O PRESIDENTE”
Moro, no entanto, admite que parte dessas intrigas tem origem
dentro do próprio governo, inclusive da Polícia Federal, que está sob a
jurisdição do Ministério da Justiça
“Esse caso envolvendo o deputado Hélio Negão (aliado e amigo do presidente Bolsonaro)
é curioso. Um delegado do Rio de Janeiro recebeu a informação de que um
tal Hélio Negão estaria envolvido numa fraude previdenciária. A
descrição da testemunha dava conta de que o suspeito tinha
características físicas completamente diferentes das do deputado.
Espalhou-se que a Polícia Federal estava investigando ilegalmente o
deputado com o aval da cúpula. Foi mais uma tentativa de me indispor com
o presidente.”
“A INTIMIDAÇÃO ACABARÁ EXISTINDO”
O Congresso derrubou uma sequência de vetos do presidente
Bolsonaro e reativou parte da Lei de Abuso de Autoridade, que prevê
punições até de prisão para juízes e membros do Ministério Público que
exorbitarem de suas funções
“Até entendo os motivos que levaram à edição da lei pelos
parlamentares: um receio quanto a abusos. O risco, porém, é o efeito
inibidor, principalmente juízes, promotores e policiais deixarem de
cumprir o seu dever por receio de ser indevidamente responsabilizados.
Esse temor pode impactar a segurança pública. A intimidação acabará
existindo, e isso não é excesso de drama. Mas não acho que houve uma
vingança do Congresso em resposta à Operação Lava-Jato, como alguns
defendem.”
“QUEM ME CONSIDERA VILÃO ESTAVA DO OUTRO LADO DA LEI”
Muitas das propostas que o Ministério da Justiça apresentou
no chamado pacote anticrime acabaram sofrendo alterações no Congresso.
Moro descarta a possibilidade de estar sendo vítima de boicote ou
retaliação por parte dos parlamentares
“O combate à corrupção é uma conquista da sociedade nos últimos anos.
O Brasil foi elogiado no mundo inteiro pelos avanços. Algumas pessoas
me dizem que recuperaram o sentimento de dignidade de ser brasileiro. É
um erro pensar que o combate à corrupção é uma batalha da Lava-Jato.
Essa é uma tarefa que cabe ao governo, ao Congresso, ao Judiciário, à
sociedade civil e à imprensa. Sou apenas um agente da lei, mas cumprir a
lei pode ser às vezes um desafio contra interesses poderosos. Os
avanços contra a corrupção foram produto de ação institucional. Quem me
considera vilão estava do outro lado da lei.”
“QUAL É O RISCO À DEMOCRACIA?”
O ministro diz que as políticas implementadas pelo ministério
já tiveram impacto no dia a dia da população e critica quem vê nas
ações e propostas do governo ameaças à democracia
“O balanço desses primeiros meses de governo é positivo. A taxa de
homicídios tem caído. Sete mil pessoas deixaram de perder a vida. A
queda da taxa de homicídios também é trabalho do governo federal. As
organizações criminosas estão na defensiva e enfraquecidas. As celas
onde estão presos integrantes de organizações criminosas não respondem
mais a um comando central. Falam em risco à democracia. É um exagero. O
governo não tem o controle do Congresso, não tem o controle do
Judiciário. A imprensa fala o que ela quer. Qual é o risco à
democracia?”
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Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655Fonte: https://veja.abril.com.br/politica/sergio-moro-brasilia-e-cheia-de-intrigas/
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