Carlos Gerbase*
Helen
(Maura Tierney) e Noah (Dominic West) em "The Affair"Reprodução /
IMDB
Série norte-americana está em sua quinta e última temporada
A série norte-americana The Affair está em sua quinta e última
temporada. Desde que comecei a acompanhar a história do casal Noah e Helen
Solloway, fiquei encantado com a complexidade da narrativa, que muda de acordo
com o ponto de vista da personagem que a está contando. Em vários momentos, não
há certeza sobre o que de fato aconteceu. Os criadores da série, Sarah Treem e
Hagai Levi, conseguiram a proeza de traduzir em ficção audiovisual um dos
principais dramas da vida contemporânea: a derrota das certezas.
A modernidade ocidental está baseada na supremacia da ciência sobre a
religião. O francês René Descartes inaugurou a era da razão, vinculando nossa
existência ao pensamento material, e não à fé. Descartes ainda acreditava na
alma, mas esta era entendida como um sinônimo de consciência. O inglês Isaac
Newton complementou o cartesianismo ao estabelecer as bases da física moderna,
com ideias e equações que explicam como as coisas se movem (ou ficam paradas).
De maçãs a planetas, tudo é lógico e matemático.
O cinema é filho da modernidade. A televisão é neta. Filmes e séries, em
sua grande maioria, contam histórias que “aconteceram assim”. Não à toa, as
lentes das câmeras são chamadas de objetivas. O problema é que nossa
compreensão do universo ficou muito mais complexa e subjetiva. A relatividade
restrita de Einstein e o modelo atômico de Rutherford e Bohr, aliados ao
princípio da incerteza de Heisenberg, minaram as certezas modernas. Para usar a
famosa metáfora de Schrödinger, um gato numa caixa fechada pode estar vivo ou
morto, dependendo do observador. Essa é uma das bases da física quântica. (Perdão
pelas simplificações!)
A verdade dos eventos em The Affair é como o gato de Schrödinger.
Os roteiristas da série dão mais um passo e colocam, numa perspectiva quântica,
algumas das polêmicas mais quentes da atualidade. O feminismo, por exemplo, é
dissecado e várias vezes retorcido nessa última temporada. Nada disso
funcionaria, é claro, se não houvesse excelentes atores, e aí entram em cena
Maura Tierney (espetacular), Dominic West e Ruth Wilson. Tenho certeza de que,
quando a série acabar, suas personagens e suas histórias, tão incertas quanto
humanas, continuarão habitando minha memória por um longo tempo.
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* Carlos Gerbase é um cineasta brasileiro. Integrante por 24 anos da
Casa de Cinema de Porto Alegre, deixa a produtora em 2011, juntamente
com Luciana Tomasi, para criar a Prana Filmes. É também professor de
cinema na PUCRS e escritor. Colunista quinzenal da ZH
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/carlos-gerbase/noticia/2019/10/the-affair-traz-as-telas-um-caso-quantico-ck2b2c6zs0ah001r2hh65vp8k.html
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