Empresas investem na ampliação e no aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos e científicos para estender a vida com qualidade
Viver, viver cada vez mais e melhor, preferencialmente para
sempre, é uma das buscas eternas do ser humano. É procura que, desde os
primórdios do conhecimento traduzido em palavras, alimentou pensadores,
escritores e poetas. Houve o rei sumério Gilgamesh, cuja epopeia,
registrada em tabuletas, nos idos de 2000 a.C., narrava a descoberta de
uma planta que concedia imortalidade a quem a ingerisse. Houve Titono,
melancólico personagem da mitologia grega que pediu a Zeus a eternidade
mas se esqueceu de encomendar também a mocidade permanente. No século
XVI, o conquistador espanhol Juan Ponce de León navegou pelos novos
mundos em sucessivas expedições ao encontro da fonte da juventude. O
Dorian Gray de Oscar Wilde, em 1890, vendeu sua alma para não
envelhecer. E assim seguimos, numa ambição desenfreada, incansável,
longuíssima, que Carlos Drummond de Andrade resumiu com bonita ironia em
1954: “E como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno. Eterno!
Eterno! O Padre Eterno, a vida eterna, o fogo eterno”.
O que as belas letras criaram, porque a imaginação é
infinita, começa agora, enfim, a pousar no mundo real das pesquisas de
ponta e das realizações científicas. Não existe movimento mais
interessante na medicina, hoje, do que os avanços no campo da imortalidade,
e não há nessa afirmação nenhum exagero (ainda que estejamos longe,
muito longe, da vitória final). Apenas no ano passado, Apple, Amazon,
Google, Microsoft e Facebook aplicaram grande parte de seu faturamento
nos Estados Unidos — algo em torno de 150 bilhões de dólares, o
equivalente a 600 bilhões de reais — no chamado mercado da longevidade.
O Google fundou a Calico, acrônimo em inglês para California Life
Company, cujo objetivo, atrelado a frondoso 1 bilhão de dólares de
investimento, informa o site da empresa, é nítido: “Além da genética,
nós nos preocupamos com as características do envelhecimento, a energia
celular, as respostas do organismo ao stress. Nossas principais áreas
terapêuticas incluem a cardiologia, a oncologia, a neurodegeneração e a
inflamação crônica, porque a incidência dessas condições aumenta
acentuadamente na velhice e está associada a alta mortalidade”.
Nas palavras do professor israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens: uma Breve História da Humanidade,
“a morte já é opcional”, embora essa condição possa estabelecer um novo
tipo de desigualdade, e haverá quem não tenha onde cair morto: o fosso
entre os que poderão pagar pela eternidade e os que padecerão sem acesso
aos tratamentos inovadores. O gerontologista britânico Aubrey de Grey é
autor de uma celebrada provocação: “O ser humano que terá 1 000 anos já
nasceu, está vivíssimo entre nós”. Segundo ele, daqui para a frente
“nosso corpo será tratado pela medicina como a engenharia lida com uma
máquina — quebrou, conserta-se”. Harari e De Grey bebem da fonte de um
guru desses novos tempos, embora a expressão “guru” tenha caído na vala
das platitudes: o americano Raymond Kurzweil, diretor de engenharia do
Google, conselheiro de Bill Gates, que se intitula inventor e futurista.
Ele é o criador de um conceito com a força das grandes ideias, a
“singularidade”, segundo a qual em 2029, logo ali na esquina, a
humanidade terá os recursos de inteligência artificial necessários “para
que máquinas alcancem a inteligência humana, inclusive a inteligência
emocional”.
Kurzweil acredita que será possível implantar no cérebro um
computador do tamanho de uma ervilha para substituir neurônios
destruídos pelo Parkinson. E então, depois disso, para que morrer? Há
quem enxergue, no futuro desenhado por Kurzweil, um amontoado de
estultices, utopias que jamais verão a luz do dia — não é o caso do time
de executivos bilionários do Vale do Silício, para quem o santo graal é
a vida eterna, concreta e objetivamente.
Para além das inventivas fronteiras californianas, o Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT) fundou o Laboratório de
Envelhecimento, conhecido como AgeLab e dedicado à elaboração de
tecnologias para prolongar a existência. Um dos projetos a todo o vapor
hoje por lá é fazer com que jovens fortes e vigorosos sintam no próprio
corpo as mudanças fisiológicas deflagradas a partir dos 70 anos. Óculos
turvos dão a sensação de amarelecimento da visão que acompanha a idade.
Um cinto amarrado ao pescoço imita a mobilidade reduzida da coluna
cervical. Um conjunto de faixas ao redor dos cotovelos, pulsos e joelhos
simula rigidez. Luvas especiais afetam a acuidade tátil. Sapatos de
plástico com solado irregular desequilibram o caminhar. A ideia é
antecipar soluções que auxiliem organismos ainda jovens na prevenção de
problemas futuros. Diz Joseph Coughlin, pai do AgeLab: “Na virada do
século XX para o XXI, criamos o maior presente da civilização — trinta
anos extras de vida —, e não sabemos como lidar com isso. Agora que
estamos vivendo mais, como planejaremos o que vamos fazer?”.
A extensão da vida é uma possibilidade real — e já vem acontecendo.
Na ponta do lápis, um brasileiro nascido em 1919, um século atrás,
portanto, viveria até 34 anos, em média. Quem nasce hoje, salvo as más
surpresas que a vida apronta, pode chegar tranquilamente aos 76 anos. E
há um ineditismo: pela primeira vez existe mais gente no planeta com
mais de 65 anos do que com menos de 5. Vive-se mais em decorrência da
melhora no saneamento básico, do desenvolvimento de remédios puxados
pela penicilina, das vacinas e do cuidado na alimentação, bem como em
razão da prática de atividades físicas.
Tudo isso é mais do que sabido. O que se pretende, neste instante — e
eis uma espetacular primazia —, é dar uma esticadinha e, quem sabe,
evitar o inelutável desfecho. Em uma reportagem de 2017 da revista The New Yorker,
considerada um manifesto que abriu alas e deu nome aos bois dessa
novíssima onda científica, o jornalista Tad Friend dividiu o grupo de
titãs que investem na imortalidade em duas grandes famílias: os healthspanners, que sonham com o prolongamento da vida saudável, mas somente se ela for realmente saudável; e os immortalists, para os quais sempre existirá um dia seguinte, interminavelmente. Os healthspanners
são majoritários, âncoras de um olhar inédito na história da medicina,
que pode realmente revolucioná-la: é possível atacar algumas doenças
intervindo no processo natural de envelhecimento — em outras palavras,
tratando o envelhecimento em si, de maneira a retardar o surgimento dos
males e, insista-se, colando qualidade de vida onde antes havia
decrepitude. É esse o espaço de atividades mais produtivo.
Há quem pense de forma mais ambiciosa e cujo objetivo seja nada menos
que a perenidade — custe o que custar. Diz Arram Sabeti, fundador de
uma companhia de tecnologia especializada em alimentação, a ZeroCater:
“A proposição de que podemos viver para sempre é óbvia, e não viola as
leis da física. É natural que cheguemos lá”. Há algum exagero nesse
raciocínio, porque natural mesmo é querer tempo suplementar, segurar o
relógio até onde der. Duas áreas hoje se destacam no prolongamento da
vida dos seres humanos: a dos cuidados com o coração (60% dos problemas
cardíacos surgem em pessoas acima dos 56 anos) e a da atenção ao câncer,
e a íntima ligação com o sistema imunológico (70% dos incidentes
oncológicos despontam depois dos 60 anos). Há zelo especial também com o
cérebro e a fase terminal em UTIs (conheça o que já existe e o que virá em breve nos quadros desta reportagem).
“Nos próximos dez anos, dentro do atual ritmo dos avanços, a medicina
será capaz de curar 90% dos cânceres em fase inicial e 50% dos que
estão em estágio avançado”, diz Fernando Maluf, diretor do Centro de
Oncologia da Beneficência Portuguesa e membro do comitê gestor do
Hospital Albert Einstein. Deu-se, há duas semanas, no Brasil, um
extraordinário passo nessa direção. O mineiro Vamberto Luiz de Castro,
de 62 anos, foi o primeiro paciente no país a receber um tratamento
totalmente individualizado contra o câncer — um linfoma não Hodgkin de
alto risco. Castro já havia sido submetido a quatro terapias diferentes,
e nenhuma funcionara. Agora, por meio de um método conhecido como
CAR-T, que associa imunoterapia a engenharia genética, ele renasceu.
Cerca de vinte dias depois do início do acompanhamento, feito no
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, com dinheiro da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a doença regrediu a
patamares ínfimos. É o futuro, vivido hoje.
Episódios bem-sucedidos como esse tendem a ser comuns. Brotam aqui e
ali, em toada de permanente progresso. As apostas seguintes já podem ser
levadas à mesa. Haverá celebração, nos próximos meses, em torno de dois
terrenos de exploração:
– A rapamicina, um imunodepressor usado contra o
processo de rejeição a órgãos transplantados e que se mostrou eficiente
no bloqueio de uma enzima que acelera a divisão celular, atalho para o
envelhecimento; em camundongos, a substância aumentou a expectativa de
vida em até 38%. A medicação começou a ser testada em seres humanos.
– A metformina, remédio prescrito tradicionalmente
para o diabetes, que serve também como corretor de DNA defeituoso; um
time de pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP descobriu
recentemente uma relação entre o uso da droga e a redução nos casos de
câncer de pescoço e cabeça.
Como tudo é questão de tempo, e não se deve perder o fio da meada (o
que se investiga é o infindável ou um modo de fazer a travessia com
dignidade), quanto antes os problemas forem detectados, melhor. O nome
do jogo é monitoramento, com dedicada participação do doente e recursos
de medicina remota. “A interação entre as duas áreas é de tal
importância que fez surgir um novo campo da ciência para melhorar a
longevidade dos pacientes: a cardio-oncologia”, afirma Ludhmila Abrahão
Hajjar, professora de cardiologia do Instituto do Coração da Faculdade
de Medicina da USP e coordenadora nacional de cardio-oncologia da Rede
Américas. No modelo nem tão antigo assim, os dados de todo doente eram
coletados apenas em consultas e ficavam armazenados em imensos
computadores. A atualização era feita a mão, na visita seguinte. Hoje,
as informações estão disponíveis no smartphone ou em relógios
inteligentes, meio caminho andado para a prevenção. A Dasa, a maior rede
de medicina diagnóstica da América Latina e a quinta maior do mundo,
inaugurou uma tecnologia que pretende integrar o cuidado com o enfermo
por todos os lados. Imagine uma pessoa indo ao laboratório para fazer um
ultrassom do fígado. O diagnóstico diz que ela tem gordura no órgão. Os
dados são transferidos tanto para o médico quanto para o paciente. A
partir de então, um programa de inteligência artificial, que já tinha
informações prévias do doente, como peso, idade e hábitos de vida, além
dos vícios, cruza todas as informações científicas possíveis sobre a
doença em si e as relaciona com o doente. Ele prevê, dentro do quadro
analisado, o futuro da gordura do fígado: vai se transformar em fibrose,
cirrose, câncer ou simplesmente não vai evoluir? “Estamos vivendo a
maior transformação comportamental da história da medicina”, diz Ben-Hur
Ferraz Neto, cirurgião do aparelho digestivo e especialista em uso de
inovações na saúde. “Ferramentas de monitoramento a distância com alerta
imediato aos médicos deverão ser os métodos ideais para o diagnóstico
precoce e o tratamento eficiente das principais doenças”, afirma Roberto
Kalil Filho, professor titular de cardiologia da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo e diretor de cardiologia do Hospital
Sírio-Libanês.
Não há dúvida de que a ciência vem possibilitando a extensão da vida
humana. Mas, curiosamente, a fé também ajuda. Existem trabalhos que
escrutam, minuciosamente, o peso da prática da religião e da
espiritualidade na longevidade. A Universidade Estadual de Ohio, nos
Estados Unidos, mostrou recentemente que frequentadores de ritos
religiosos que estimulam sentimentos como gratidão e atividades como
oração ou meditação (independentemente do credo) tiveram a vida
prolongada em quase uma década. A tese foi comprovada em dois estudos
que avaliaram 1 600 obituários. Foram isolados todos os outros fatores
de risco. Em breve, serão feitos estudos com devotos em vida.
Essa reviravolta — os investimentos dos gigantes do Vale do Silício, a
fervura dos laboratórios e a saúde na palma da mão, além de uma boa
dose de espiritualidade — compõe pílulas de renovada esperança em busca
da vida eterna por aqui mesmo. Na Terra.
CORAÇÃO
– AS NOVIDADES
Órgão em 3D. O músculo cardíaco será desenvolvido
por meio de impressora tridimensional. Criado por cientistas da
Universidade de Tel-Aviv, o dispositivo carregará o material genético do
paciente e substituirá os transplantes. O protótipo pioneiro foi
apresentado há apenas seis meses (foto acima). O modelo, pouco maior que
a ponta do polegar, tem o tamanho de um coração de coelho. Outras
versões já foram fabricadas — mas a israelense é a primeira a ser
confeccionada com todos os vasos sanguíneos, ventrículos e câmaras,
usando uma tinta feita a partir de substâncias biológicas naturais. O
desafio agora é criar um órgão compatível com o tamanho do corpo humano.
– PARA QUANDO
Dentro de dez anos
SISTEMA IMUNOLÓGICO
– AS NOVIDADES
Contra o câncer. Na oncologia, as células de defesa
do corpo combaterão os mais diversos cânceres, de forma totalmente
individualizada. Nos próximos dez anos, a medicina será capaz de curar
90% dos tumores em fase inicial e 50% daqueles em estágio avançado.
Na infectologia. Um remédio desenvolvido para
pessoas acima dos 65 anos (o RTB101), da empresa americana de
biotecnologia resTORbio, estimula o corpo para que ele não sofra com
doenças infecciosas, como gripe e pneumonia, que levam 1 milhão de
idosos aos hospitais a cada ano, apenas no Brasil.
– PARA QUANDO
Contra o câncer: em dez anos
Contra infecções: em dois anos
Contra infecções: em dois anos
TERAPIA INTENSIVA
– AS NOVIDADES
Canções de ninar. A incidência de morte nas UTIs
hoje é de 20%. O objetivo é que não passe de 5%. Para isso, a indústria
investe em duas frentes. Uma delas pretende evitar ao máximo o stress do
paciente, que dificulta o tratamento. O Hospital de Genebra, na Suíça,
está testando um modo de monitorar a reação cerebral de bebês com a
estimulação por meio de música. Detector de bactérias. O Instituto de
Tecnologia Guwahati, na Índia, aposta em um dispositivo eletrônico capaz
de diagnosticar o tipo exato de bactéria instantaneamente. O feito
evitará a principal causa de morte nesta área do hospital, a sepse —
infecção generalizada.
– PARA QUANDO
Música: em dois anos
Detector de bactérias: em cinco anos
CÉREBRO
– AS NOVIDADES
Derrame. Uma em cada cinco pessoas acima dos 65 anos
é acometida da doença. A Cleveland Clinic, em Ohio, está desenvolvendo
uma técnica que usa estímulos cerebrais para eliminar suas sequelas. No
primeiro teste, uma mulher teve os movimentos de um dos braços
recuperados.
Alzheimer. A Universidade de Tübingen, na Alemanha,
investe em um teste que detecta a doença dezesseis anos antes de os
sintomas aparecerem. Ele rastreia o nível da proteína NfL, que compõe a
estrutura interna das células nervosas. A presença da NfL em alta
quantidade é indício de que os danos ao cérebro associados ao Alzheimer
já começaram.
– PARA QUANDO
Derrame e Alzheimer: em dez anos
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