Ana Torres Menárguez Madri
Tal Ben-Shahar (Ramat
Gan, Israel, 1970), doutor em Psicologia e Filosofia pela universidade
de Harvard, onde foi professor por 25 anos, soma outros tantos estudando a felicidade.
Como muitos especialistas, acredita que o grande inimigo do bem-estar
seja o estresse, do qual 94% dos universitários norte-americanos
padecem. "É a nova pandemia global", diz, em alusão ao qualificativo
empregado pela Organização Mundial da Saúde. Os médicos o chamam de "assassino silencioso",
conta. Mas o psicólogo israelense acredita que durante anos estivemos
olhando para o lado errado; não é preciso estudar os fatores que o
provocam, e sim as condutas que não o curam. "Deixamos de dar
importância ao descanso, à recuperação, e não basta o sono", observa.
Nesta
semana, ele participou do EnlightED, um evento sobre o futuro da
educação e sua relação com a tecnologia, organizado em Madri pela South
Summit, Fundação Telefónica, IE University e Fundação Santillana.
Pergunta. Existe um sistema imunológico psicológico? Há pessoas que têm maior tendência à tristeza?
Resposta.
A genética faz a diferença. Por exemplo, eu não nasci com uma genética
ligada às emoções positivas. Quando criança sentia ansiedade, assim como
meus pais e avós; sofremos dela geração após geração. O fato de ser infeliz
me levou ao interesse por esse campo: a ciência da felicidade. Nos anos
70, nos Estados Unidos, foi feita uma série de investigações sobre
gêmeos com genes idênticos. Foram separados ao nascer, criados em países
diferentes, com economias diferentes. Passados os anos, observou-se que
havia muitas semelhanças quanto aos seus níveis de bem-estar, seu
comportamento e inclusive suas paixões. Em média, a felicidade depende
50% da genética, 40% das escolhas pessoais e 10% do ambiente. Esses
percentuais podem mudar em situações extremas, como uma guerra.
P. Como se medem os níveis de felicidade no cérebro?
R. Há
padrões cerebrais associados à felicidade, à depressão e à raiva. Não é
só uma parte, e sim múltiplas que trabalham de forma conjunta. Um
exemplo é o córtex pré-frontal: a parte esquerda está associada às
emoções positivas, e a direita às negativas. É importante conhecer as
descobertas neste campo para entender que, com nossa conduta, podemos
melhorar os níveis de bem-estar.
P. Há um boom, centenas de best-sellers sobre o tema. Estamos mais preocupados em tentar ser felizes?
R.
Não, é algo ancestral. Há 2.500 anos, Aristóteles escrevia sobre isso. A
Bíblia também trata desse tema. Sempre foi parte do nosso pensamento. A
diferença é que agora temos mais tempo livre, e a isso se somam certas
expectativas irreais quanto à vida. O resultado é que nos sentimos
infelizes porque não entendemos o que é a felicidade.
P. O que é a felicidade?
R. Não
é possível estar feliz sempre. As emoções negativas, como a raiva, o
medo e a ansiedade, são necessárias para nós. Só os psicopatas estão a
salvo disso. O problema é que, por falta de educação emocional,
quando as sentimos as rejeitamos, e isso faz que se intensifiquem e que
o pânico nos domine. Se bloquearmos uma emoção negativa, igualmente
bloquearemos as positivas. É preciso sentir o medo e sermos conscientes
de que vamos em frente mesmo com ele. Não é resignação, e sim aceitação
ativa. Quando meu filho David nasceu, um mês depois comecei a sentir
ciúmes dele. Minha esposa lhe dedicava mais atenção que a mim. Às vezes
as emoções se polarizam, chegamos a extremos, e nem por isso somos
melhores ou piores pessoas. Somos humanos.
P. Segundo um recente estudo da agência europeia Eurofound, os níveis de estresse estão aumentando na escola, e a transição dos jovens para a vida adulta se complica pelas expectativas de seus pais e as pressões da sociedade.
R. As
expectativas têm um papel-chave na felicidade. A mais perigosa é
acreditar que se pode estar constantemente na crista da onda. A obsessão
por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas. Nos
últimos anos as redes sociais influíram bastante;
ver as caras sorridentes dos outros, suas idílicas relações a dois, um
trabalho exemplar. Quando sentimos tristeza ou ansiedade, essas imagens
reforçam nossa ideia de que estamos fazendo algo de errado. Mas nada
disso é real, todos vivemos numa montanha russa emocional. É inevitável,
e não é ruim.
P. A depressão ameaça 14% dos jovens europeus entre 15 e 24 anos, segundo o último relatório do Eurofound, e lideram o ranking países como a Suécia
(com uma taxa de 41%), Estônia (27%) e Malta (22%). Na Espanha, onde a
taxa de desemprego juvenil é mais elevada, está abaixo de 10%. O que
está falhando?
R. Vou
lhe dar outro exemplo. Nos Estados Unidos, a cada cinco anos se medem
os níveis de saúde mental, que costumam variar 1% para cima ou para
baixo. No último período, os resultados foram muito diferentes: entre
adolescentes, os níveis de depressão
cresceram até 30%. Um dos motivos é que estão diminuindo as interações
cara a cara, substituídas pelo smartphone. As relações pessoais são um
antídoto contra a depressão.
P. No século XIX, trabalhava-se até 18 horas por dia, e nenhuma lei impedia de fazê-lo 24 horas se fosse necessário. Hoje temos maior qualidade de vida. Qual é a raiz da insatisfação permanente?
R. A
expectativa dos trabalhadores na vida era prover suficiente comida à sua
família para sobreviver. Hoje pensamos em ganhar mais dinheiro, nas
férias sonhadas... Hoje você pode fazer tudo; mesmo que tenha um emprego
interessante e goste de seus colegas, não é suficiente. Como pode
escolher e mudar, nunca está satisfeito.
P. Como a escola pode nos preparar para saber o que é a felicidade?
R. É
preciso ensinar a cultivar relações sadias, a identificar propósitos e
sentido no que fazemos. E o mais importante: a encontrar tempo para o
descanso. As pesquisas demonstraram que esse é o grande problema, que
não nos recuperamos do estresse. Não vale ler best-sellers de autoajuda,
é preciso uma ação. No trabalho, fazer uma pausa de 30 minutos a cada
duas horas, ou de 30 segundos se você trabalhar na Bolsa, mas desconectar e respirar.
Tirar um dia de folga. Aprender que a felicidade não é um código
binário, de um a zero, e sim um sobe e desce. É uma viagem imprevisível
que termina quando você morre.
--------
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/03/estilo/1570124407_210391.html#?sma=newsletter_brasil_diaria20191008
Nenhum comentário:
Postar um comentário