Retrato do padre alemão Paulo Suess, que vive desde 1966 no Brasil
e vai integrar a comitiva brasileira no Sínodo da Amazônia
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Padre alemão defende que casados sejam ordenados sacerdotes na Amazônia e que mulheres assumam papel de diaconisas
O padre alemão Paulo Suess, 81, chegou ao Brasil
há mais de 50 anos sem saber falar nada de português. “Eu queria ir para
onde estavam os pobres. A gente via pela televisão”, relembra o
teólogo.
Passou alguns meses em Belém para estudar o idioma. Preparado, partiu
para a região do Baixo Amazonas, onde permaneceu por pouco mais de dez
anos, de 1966 a 1976. Lecionou teologia em Manaus, atuou na Pastoral da
Terra e no Cimi (Conselho Missionário Indigenista), onde é assessor
teológico.
Ligado à Diocese de Augsburgo, na Alemanha, está cedido para a
Arquidiocese de São Paulo. O padre costuma celebrar missas na Paróquia
Santa Rita de Cássia, na capital paulista. Escreveu livros, o mais
recente é "Projeto Missionário" (Paulinas, 2019), que trata da teologia
do papa Francisco.
Suess ajudou a elaborar o documento de trabalho do Sínodo para a Amazônia,
evento convocado pelo papa Francisco que reunirá 250 bispos no Vaticano
a partir deste domingo (6). O documento da Repam (Rede Eclesial
Pan-Amazônica) foi elaborado após escuta das demandas de indígenas,
ribeirinhos e moradores da região —composta por nove países.
O teólogo integra a comitiva brasileira no evento. Suess, assim como o
papa, defende que a igreja precisa “ter um rosto indígena”. Para isso, precisa ampliar sua atuação na região. “Tem que passar de uma igreja de visita para uma igreja de presença”, diz.
Essa presença, porém, só será viável com o ordenamento de indígenas e
ribeirinhos, permitindo o sacerdócio aos casados. As mulheres também
precisam ser reconhecidas, com ordenação de diaconisas, posição que não
equivale a de um padre.
Os ritos da igreja podem incluir rituais indígenas, defende. A
inclusão pode ser a partir também das vestimentas. “Não precisa ser o
colarinho romano, pode ser outro sinal distintivo que caracteriza o
indígena como padre. Porém não vai acontecer de hoje para amanhã. É um
longo processo”, diz.
Qual o significado do Sínodo para a Amazônia? A
própria palavra indica. Sínodo quer dizer “caminhar juntos” (do grego,
syn significa juntos e hodos significa caminho). Precisamos resolver
questões em conjunto escutando o povo. O método pastoral do papa
Francisco é escutar o povo. Os bispos são mestres e discípulos. Como
discípulos, precisam escutar. Nunca se fez uma escuta tão ampla como
para esse encontro. Se escutou os índios, os ribeirinhos, os moradores
das áreas das dioceses dos nove países pan-amazônicos, foram milhares de
pessoas ouvidas.
Por que a Igreja quer estar mais presente na Amazônia?
Existe um problema geográfico, da distância das comunidades, e um
problema pastoral. A igreja chega nesses lugares às vezes uma vez por
ano e faz uma missa. Em alguns lugares, tem a palavra de Deus, mas não
tem a eucaristia. Sem a eucaristia, não é possível construir uma
comunidade cristã. Já se discute e se faz o apelo para que existam
sacerdotes que vivam lá, que possam ser casados e que possam celebrar a
eucaristia. Isso vai ser discutido no sínodo.
Isso acabaria com o celibato? Isso não quer dizer
que não haverá celibato. Mas que nesses lugares distantes poderiam ter
sacerdotes casados. Já falamos nisso há 50 anos. Onde há essas lacunas,
as seitas que não têm cuidado com a cultura indígena se fazem presentes.
São elementos estranhos e colonizadores em muitos casos.
Como a igreja pode estar presente e ao mesmo tempo respeitar os ritos indígenas?
Tem que passar de uma igreja de visita para uma igreja de presença. A
Amazônia tem uma enorme diversidade. Os povos indígenas têm suas
culturas, seus direitos de celebrar seus sacramentos. É um grande
desafio para a igreja buscar o equilíbrio entre essa diversidade. É
preciso construir uma igreja com rosto indígena. O papa também disse
isso.
Esses povos têm seus ritos, como os de nascimento, adolescência e
casamento. A igreja poderia assumir muitos elementos dos ritos dos
indígenas para a celebração. Inclusive nas roupas. A vestimenta não
precisa ser o colarinho romano, pode ser outro sinal distintivo que
caracteriza o indígena como padre. Porém não vai acontecer de hoje para
amanhã. É um longo processo.
Qual é o papel das mulheres nesse contexto de busca por inclusão? Com
o tempo, vai ocorrer o que já acontece na sociedade civil para igualar
as mulheres. Temos ainda dificuldades. O primeiro passo seria ordenar
como diaconisas [figura diferente da do padre, mas que pode exercer
algumas funções limitadas] as mulheres que já têm um papel pastoral.
Nesses lugares distantes, as mulheres não ficam limitadas às tarefas de
limpeza, mas de reza, de convocação.
A
igreja não pode menosprezar esse potencial das mulheres. Ordená-las
como diaconisas é um passo possível, que depende dos bispos. Em torno do
sínodo, já se está fazendo um terror sobre heresia. Um setor da igreja
está divulgando, mas não tem nada disso. Na época de Jesus, a sociedade
era patriarcal. Nem ele conseguiria mudar isso. Leva tempo, mas precisa
ser enfrentado.
Por que a ecologia é uma pauta da igreja? Tudo está interligado. O sínodo trata da vida e do território dos povos indígenas. Defendemos os indígenas e ajudamos quando estão ameaçados.
Como sabemos, estão ameaçados. A floresta é invadida por fogo,
madeireiras e vacas. A natureza é explorada pelos exageros da
civilização. Precisamos de uma reeducação.
Nossa civilização gasta mais do que está à disposição, vemos a
mudança climática, as geleiras derretendo. Nossos filhos vão ter que
enfrentar essa realidade no futuro. A Amazônia é importante para
preservar a vida.
Ser cristão hoje é defender o ambiente? Já
tivemos muitas Campanhas da Fraternidade sobre ecologia, água, floresta.
Não se separa mais a vida terrestre e transcendental. A natureza é um
presente que Deus nos deu. O papa escolheu o nome de Francisco, que se
fez pobre como os pobres, defendeu a natureza e é padroeiro da ecologia.
Se queremos a vida, não podemos destruir a natureza.
O sínodo tem sido atacado em um contexto político em que o presidente Bolsonaro criticou o cacique Raoni na ONU e tem prometido revisar as demarcações indígenas. O que pensa disso? O bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson, declarou recentemente que o discurso [de Jair Bolsonaro] na ONU foi uma vergonha para todos nós. De fato, foi uma vergonha para todos nós.
O desenvolvimento à custa da destruição da natureza e expropriação das terras indígenas é insustentável. A promessa de não demarcar novas terras indígenas é até inconstitucional. O “dia do fogo” estava marcado para queimar a Amazônia. O governo sabia e não fez nada. O fogo era para limpar a área e colocar o gado. Isso atinge também os consumidores de gado, precisamos repensar nossos hábitos de alimentação.
O desenvolvimento à custa da destruição da natureza e expropriação das terras indígenas é insustentável. A promessa de não demarcar novas terras indígenas é até inconstitucional. O “dia do fogo” estava marcado para queimar a Amazônia. O governo sabia e não fez nada. O fogo era para limpar a área e colocar o gado. Isso atinge também os consumidores de gado, precisamos repensar nossos hábitos de alimentação.
Os ataques ao sínodo também partem da própria igreja, de uma
ala conservadora. O que pensa desse movimento que acusa o papa de
heresia? Esse mau entendimento, pelo que vejo, parte de gente
jubilada, já fora do cargo. Parte de gente que se fixou em coisas de um
século atrás, coisas que aprenderam no passado. A teologia pastoral
latino-americana às vezes foi perseguida na Europa e mal-entendida.
Podemos tentar conscientizar com palavras e gestos. O diabo está
sempre atrás quando acontece uma coisa boa e grande [como o sínodo],
sempre foi assim. Rezo pelo papa para que não perca a calma. Ele foi
eleito por Deus para nos guiar nesse momento.
Paulo Suess, 81
Nascido em Colônia, na Alemanha, se mudou para a região da Bavária, por causa da Segunda Guerra Mundial. Após ser ordenado padre, veio para o Brasil nos anos 1960. Depois de aprender português, passou dez anos na região do Baixo Amazonas. Doutor em teologia, é ligado à Diocese de Augsburgo, na Alemanha, mas está cedido para a Diocese de São Paulo. Assessora o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e a Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica). Autor de diversos livros. O mais recente, "Projeto Missionário" (Paulinas, 2019), trata da teologia do papa Francisco.
Nascido em Colônia, na Alemanha, se mudou para a região da Bavária, por causa da Segunda Guerra Mundial. Após ser ordenado padre, veio para o Brasil nos anos 1960. Depois de aprender português, passou dez anos na região do Baixo Amazonas. Doutor em teologia, é ligado à Diocese de Augsburgo, na Alemanha, mas está cedido para a Diocese de São Paulo. Assessora o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e a Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica). Autor de diversos livros. O mais recente, "Projeto Missionário" (Paulinas, 2019), trata da teologia do papa Francisco.
O Sínodo da Amazônia
O que é
Sínodo é uma reunião do episcopado da Igreja Católica com o papa em que são discutidos assuntos específicos e pré-determinados, que auxiliarão na governança da instituição. No Sínodo da Amazônia, a igreja deve tratar principalmente da evangelização na região, mas temas ligados à proteção de povos indígenas e ao meio ambiente também devem ser abordados
Sínodo é uma reunião do episcopado da Igreja Católica com o papa em que são discutidos assuntos específicos e pré-determinados, que auxiliarão na governança da instituição. No Sínodo da Amazônia, a igreja deve tratar principalmente da evangelização na região, mas temas ligados à proteção de povos indígenas e ao meio ambiente também devem ser abordados
Quando
O evento reunirá 184 bispos no Vaticano a partir deste domingo (6), com encerramento previsto para 27 de outubro. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 250 participantes, dos quais 35 são mulheres.
O evento reunirá 184 bispos no Vaticano a partir deste domingo (6), com encerramento previsto para 27 de outubro. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 250 participantes, dos quais 35 são mulheres.
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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/e-preciso-uma-igreja-com-rosto-indigena-diz-teologo-sobre-encontro-no-vaticano.shtml - Acesso 07/10/2019
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