Diante da possibilidade da extinção das renas o mundo
científico se mobilizou. Só havia uma rena. Seria possível clonar a
última rena para salvar a espécie e garantir o transporte do Papai Noel?
Crianças do planeta inteiro enviaram cartas à Fundação Nobel para que
premiasse o salvador das renas. A carta de Chico, menino brasileiro,
chamou a atenção:
– Eu não sei se é possível de uma rena fazer muitas renas, machos e
fêmeas. Tomara que sim. Sei que a ciência não pode tudo, mas pode muito.
Papai Noel não precisa me trazer presente neste ano. Já tenho um
carrinho e uma bola. Salvem as renas. Peço encarecidamente aos lobos,
aos corvos e às águias que se encontrarem alguma reninha perdida por aí,
pode acontecer, não comam os olhos dela nem devorem ela mesmo que seja
natural. Precisamos de lobos, corvos, águias, renas e até de baratas,
acho, mesmo que minha tenha medo de baratas e sempre fale mal delas pra
todo mundo.
Outra carta, de uma menina baiana, Julinha, de sete anos, aproveitou
para fazer muitas perguntas e dar uma sugestão bastante polêmica.
– Quero que salvem as renas, mas me preocupo.
Será que elas sofrem puxando o trenó? Também tenho pena do Papai
Noel. Faz calor aqui na Bahia. Não seria possível permitir que ele tire a
barba e use outra roupa: sandálias, bermuda e camiseta regata? Só que
fico em dúvida: sem barba e sem sua roupa, seria ainda o Papai Noel?
Quando uma coisa deixa de ser o que é?
Chegaram cartas até nos escritórios da NASA. Os especialistas
descobriram que havia cartas de adultos sem filhos nem sobrinhos.
Percebeu-se que a crença no Papai Noel ressurge depois de certa idade
sob a forma de nostalgia. A saudade pode ser tanta que a pessoa passa a
fazer tudo o que era comum na sua infância: deixa os chinelos na porta
ou na janela e escreve ao Bom Velhinho. Os pedidos desses adultos são
ainda mais difíceis de atender. João Silvério, por exemplo, além de se
manifestar em favor da salvação das renas, pediu ao Papai Noel algo
bastante singelo:
– Papai Noel, por favor, traga de volta a minha infância.
Cientistas propuseram que as renas fossem substituídas por um
algoritmo. Foram desaprovados por crianças e idosos. Ambientalistas
saíram em defesa da salvação das renas e da libertação delas. Foi no ano
de 3034. O mundo estava diferente. O Natal era o laço do presente com o
passado. Adultos viviam na esfera especial de racionalidade, exceto
pelo desespero consumista, que era considerado por eles mesmos como
essencial para a sustentação do sistema. Crianças e idosos ocupavam
outra esfera, a do imaginário, um espaço de sonho, jogo, ficção, cores e
brincadeiras. Não havia mais carros individuais. Só transporte público
gratuito. Robôs faziam todas as tarefas repetitivas.
Todo mundo recebia um salário.
Adultos cuidavam do corpo, escreviam poesia, pintavam, praticavam
esportes e cuidavam uns dos outros. Papai Noel era o nexo com o passado.
A extinção das renas poderia cortar definitivamente esse vínculo. Sem
elas, por alguma razão simbólica fundamental e sublime, nada seria como
antes.
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* Jornalista. Sociólogo. Escritor.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/12/11440/a-ultima-rena/
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