Juremir Machado da Silva*
Quem foi Nicolas Chamfort?
Os mais apressados só querem as ideias de um pensador. Não custa
tentar saber quem está por trás de ideias que andam soltas por aí. Um
bebê enjeitado ou o filho de um padre? Tudo é controvertido em relação à
sua origem. Pela certidão de nascimento, na paróquia de Saint-Genès, em
Clermont-Ferrand, na França, ele seria o filho, nascido em 6 de abril
de 1740, do comerciante François Nicolas e de Thérèse Croiset. O filho
do proprietário de um mercadinho. Outra certidão faz dele o rebento,
nascido em 2 de junho de 1740, de pais desconhecidos, batizado
Sébastien-Roch. O fruto dos amores impossíveis de alguma dama da
nobreza. A verdade é que ele recebeu o mesmo nome de uma criança morta
nascida em 5 de abril. Qual o mistério profundo? Ele seria o filho de
Pierre Nicolas, cônego da
Catedral de Notre-Dame de Clermont-Ferrand, e da bela Jacqueline de
Montrodeix. Nicolas e Thèrese fizeram a gentileza de adotá-lo para
livrar o religioso de um pecado mortal.
Quanta infelicidade trouxe o sexo proibido ao longo do tempo! Quanta
felicidade trouxe uma noite de amor! Talvez para dar continuidade aos
mistérios da sua vida, depois de tentar migrar para os Estados Unidos,
adotou o sobrenome Chamfort. Em lugar de Sébastien-Roch Nicolas, Nicolas
Chamfort. Aluno brilhante, ganhou bolsas de estudo e empurrões. Bom de
frases, logo estava publicando em jornais e chamando atenção de
notáveis. Tornou-se secretário de Madame Elizabeth, irmã do rei Luís
XVI. O resto é biografia. Inclusive a eleição para a Academia Francesa,
em 1781. Mais ainda a participação na Revolução Francesa de 1789 como
secretário de Mirabeau e guru intelectual de Tayllerand. Presenciou os
Estados Gerais, em Versalhes, vibrou com a tomada da Bastilha e até
escreveu para o autor, o abade de Sieyès, o título do seu famoso
panfleto, “O que é o Terceiro Estado?” A resposta era um terremoto:
“Tudo. O que é que tem sido até agora na ordem política? Nada. O que é
que pede? Tornar-se alguma coisa”. Jorrou sangue. Cabeças rolaram com
perucas e tudo mais.
Chamfort queria mais. A revolução precisava, na opinião dele,
radicalizar-se. Era tudo ou nada. Melhor, era do nada ao tudo. Escreveu
seus “Quadros da Revolução”. Nomeado bibliotecário da França, caiu em
desgraça e foi preso, ao ser deletado por um funcionário da Biblioteca
Nacional, por ter comemorado a morte do radicalíssimo Marat, que não
tomava lado nem poupava quem quer que seja no seu jornal “O Amigo do
Povo”, esfaqueado numa banheira por Charlotte Corday. Já havia feito
frases suficientes para não ser esquecido. Foram só dois dias de prisão,
em setembro de 1793, mas o sensível escritor não suportou. Libertado,
tentou matar-se com um tiro no rosto. Não foi feliz. Quis completar o
serviço com um cortador de papel. Não conseguiu. Só foi morrer em 13 de
abril de 1794.
Ser feliz – Chamfort imortalizou-se com seu livro
“Máximas, pensamentos, temperamentos e anedotas”. Um apanhado de frases
no ar com língua viperina e a leveza de um beija-flor ou o peso de uma
ave batida por um tiro. Ele era um homem de temperamento amargo e duro.
Praticava um pessimismo delicioso. Perguntaram-lhe: “Como ser feliz?”
Teria respondido: “Não sei”. E depois escrito: “Somos felizes ou
infelizes por uma profusão de coisas que não aparecem, que não se dizem e
que não se podem dizer”. Aos que corriam atrás da felicidade, advertia:
“O prazer pode apoiar-se sobre a ilusão, mas a felicidade repousa sobre
a realidade”. Se isso parecia um estímulo, temperava brutalmente:
“Felizes os que nada esperam, nunca serão desiludidos”.
Para quem gosta de autoajuda, deu a sua dica: “Não é fácil encontrar a
felicidade em nós mesmos e é impossível encontrá-la em outro lugar”.
Para quem prefere falar em desenvolvimento pessoal, usou uma imagem:
“Robinson na sua ilha, privado de tudo e forçado aos trabalhos mais
penosos para garantir a sua subsistência diária, suporta a vida e até
usufrui, segundo confessa, de vários momentos de felicidade. Suponha que
ele esteja numa ilha encantada, provida de tudo o que é agradável à
vida, e talvez a ociosidade tivesse tornado a sua existência
insuportável”. A felicidade é estar ocupado. Riram dele. Os miseráveis
da sua época passavam a vida ocupados com a infelicidade de trabalhar de
sol a sol e de ter pouco para comer.
Frasistas com Chamfort eram chamados de moralistas. Sintetizavam em
boas fórmulas para consumo alheio o que não conseguiam ou não pretendiam
fazer. Chamfort pregava a simplicidade: “Dá-se com a felicidade o que
se dá com os relógios; quanto menos complicados, menos se avariam”. Na
juventude, Chamfort confessou o que fazia feliz: dormir, mulheres,
filosofia, honra e fama. Era bonito. Uma doença venérea derrubou-o.
Penou por meses. Ficou feio e impotente. Amou, depois disso, duas
mulheres, a viúva Buffon e a bailarina Julie. Se rolou amor, faltou
sexo. Terrível para que, como Chamfort, sustentava que “contemplação
normalmente torna a vida miserável. Deveríamos agir mais, pensar menos e
parar de assistir à nossa própria vida”.
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* Jornalista. Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/12/11393/nicolas-chamfort-mantem-os-pes-no-chao/
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