O jornalista Seth Kugel fala sobre a busca por experiências mais autênticas de viagem e dos desafios do Brasil para se tornar uma potência no turismo
Em 2004, o jornalista americano Seth Kugel
cruzou a pé a fronteira da cidade de Letícia, na Colômbia, até a
amazonense Tabatinga. De lá, embarcou em um cruzeiro pelo Rio Amazonas
com destino a Manaus, trajeto que durou quatro dias e lhe proporcionou,
entre conversas e leituras bíblicas, um salto de fluência na língua
portuguesa — útil nos dois anos em que morou em São Paulo como
correspondente do site Global Post. Foi mais uma das experiências
surpreendentes do profissional formado pelas universidades Yale e
Harvard, que atuou no jornal The New York Times por oito anos, à
frente das colunas Weekend in New York (Fim de Semana em Nova York) e
Frugal Traveler (Viajante Econômico). No livro Rediscovering Travel: A Guide for the Globally Curious
(Redescobrindo a Viagem: um Guia para os Globalmente Curiosos, em
tradução livre), lançado em novembro nos Estados Unidos, ele relata
andanças pelo mundo para mostrar como simples férias podem se tornar
recordações indeléveis, tema da entrevista a seguir.
As pessoas estão viajando mal? Perdemos um
pouco o senso de aventura e ousadia que os viajantes tinham antes, e a
culpa é principalmente da indústria, que está nos tratando como bebês ao
propor, por exemplo, que a pessoa “compre experiências”. O Airbnb usa
essa expressão em seu site (na página oficial brasileira, “reserve acomodações e experiências únicas”). Uma experiência é algo ocasional. Não está à venda como um serviço, um tour.
Como tornar uma viagem mais surpreendente? Acho que a
maioria das pessoas deseja viajar para conhecer o mundo, sair dessa
fatia restrita onde mora e deparar com outras ideias, outras formas de
viver, outros tipos de sociedade. Para isso, você tem de traçar planos
apenas para metade do tempo que vai despender. Se for ficar dez dias em
uma cidade, faça programas para cinco deles. Deixe o restante do tempo
livre para decidir quando chegar lá, porque é impossível saber antes
como você vai se sentir no local. Se quiser comprar um city pass para
conhecer as atrações principais, que seja para dois dias, não para dez. E
depois se abra para uma viagem mais espontânea. Tente também falar com
muitos locais, tantos quanto for possível — não com as pessoas do hotel,
mas sim com as que encontrar na rua, no metrô, nos restaurantes —,
conversar com outros turistas e ver o que eles fizeram, do que gostaram,
e não tenha medo se seu inglês não for perfeito. Outra coisa: procure
economizar. Em geral, quando gastamos menos dinheiro, somos forçados a
ser mais espontâneos. Em vez de pagar um tour que dura um dia inteiro,
você pode planejar seu roteiro usando a internet. Além disso, escolha
destinos menos comuns. Nos Estados Unidos, muitos brasileiros vão para a
Flórida, mas perdem outras ótimas atrações.
Quais destinos americanos podem ser mais explorados para quem quer ir além de Miami?
Os parques nacionais no oeste, a exemplo do Yellowstone e do Yosemite, e
a região sul do país, que tem muita cultura, uma atitude bem receptiva
com os visitantes, como as cidades de Nova Orleans (no Estado da
Louisiana), Savannah (na Geórgia), as da Carolina do Sul. Em qualquer
país é importante sair das grandes capitais e ir para o interior.
“Conheci na Amazônia uma menina de 15 anos que estava
fugindo do marido violento. Onde se aprende mais sobre o Brasil? Com um
monte de turistas em
volta do Cristo Redentor?”
O chamado fomo (fear of missing out, ou medo de perder alguma coisa) torna as viagens menos interessantes?
Vou falar do ponto de vista do turista brasileiro, que por vezes está
muito focado em destinos famosos e é suscetível à pressão dos colegas
quando sai de férias. Já fui a Paris cinco vezes e acho que nunca subi
na Torre Eiffel. Se pensar assim: “Só quero ir para a torre, ver a Mona Lisa
e postar foto posando nesses dois lugares, voltar para o Brasil e falar
para meus amigos como eu vi essas atrações”, tudo bem. Se você vir uma
foto de alguém diante da Mona Lisa, é uma mentira. Para começar, não é
possível chegar muito perto dela: o visitante do Museu do Louvre fica
tentando conseguir um clique sem exibir as outras 50 000 pessoas que
estão lá. Você está mostrando uma mentira ao mundo. As pessoas veem isso
e vão lá replicar a mesma farsa.
Em seu canal do YouTube, Amigo Gringo, há muitas dicas para
não ser um “babaca” no exterior. O senhor já se percebeu nesse papel?
Todo turista que viaja para outro país é um babaca. Essa é mais ou
menos a ideia do canal. Nas minhas primeiras experiências, passei um
semestre em Paris, e fui um babaca o tempo todo. Posso dar vários
exemplos. Estava hospedado na casa de uma família francesa e tomei um
banho de mais de três minutos. Foi como se o mundo tivesse acabado: a
madame ficou irritada porque eu estava gastando muita água quente no
chuveiro. E olhe que nem sou brasileiro, que toma banho várias vezes ao
dia. Outra situação: eu me encontrava do lado de um rio em Toulouse,
havia uns jovens tocando instrumentos e eu disse: “Ah, adorei essa
música, como se chama?”. O cara respondeu: “Bonjour” (bom dia).
Eu realmente achei que aquele fosse o nome da canção. Depois aprendi
que não se pode falar com as pessoas informalmente sem dizer bonjour
e toda essa cerimônia que o francês faz para começar uma conversa. Na
China, as pessoas são muito curiosas. Em um museu de Xangai, o segurança
pediu meu passaporte e ficou lendo todas as páginas e dizendo: “Nossa,
maravilhoso, olhe só esses carimbos”. Isso é uma violação de privacidade
para mim, que sou americano, mas para os chineses é absolutamente
normal.
E no Brasil? Quando me mudei para São Paulo, eu não
tinha muita paciência para a burocracia. Algo deu errado em alguma
agência do governo, e eu me destemperei. Nova-iorquinos ficam irritados e
demonstram isso, mas aprendi que agir dessa forma não funciona muito
bem no Brasil. Na verdade, o mundo é muito grande e todos estão
acostumados a agir conforme as regras de comportamento da pequena parte
onde moram. Quando a pessoa sai dessa bolha, ela vai ser inadequada em
algum momento, não tem como. Acho importante admitir que cometeu um
erro, explicar que você é de outro lugar. No geral, a população local é
simpática e entende que se trata de alguém de outra cultura, pelo menos
se existe um pedido de desculpa.
E quanto aos brasileiros quando viajam? Eles não
pagam mais micos que as pessoas de outras culturas. Há algumas coisas
que chamam atenção, mas são um pouco bobas, como usar tênis brilhantes
de academia na rua, fazer o gesto “joinha”, que nos Estados Unidos é
algo considerado brega, ou ficar tirando fotos com esquilos. O que mais
me incomoda é alguém marcar e desmarcar um compromisso. Dizer que vai
fazer algo e depois desaparecer ou cancelar. Quando fui morar no Brasil,
tive grande dificuldade em entender que um plano nem sempre é um plano —
não raro, trata-se de uma sugestão. Ah, e há uma coisa que não
compreendo: a obsessão por compras. Vir a Nova York só para comprar não
parece fazer muito sentido. Vale dizer que os brasileiros têm uma
inteligência social bastante sofisticada. São bons de falar com as
outras pessoas e, em geral, os estrangeiros amam a sociabilidade de
vocês.
“Viajar pelo mundo procurando lugares com
drinques de 15
dólares é um equívoco.
Se quer conhecer o bairro descolado de cada
cidade,
ótimo, mas não confunda isso
com cultura local”
O senhor tem um longo relacionamento com o Brasil. Como isso começou?
Fui salvo da ignorância. Brasileiros gostam de acreditar que americanos
não sabem nada do Brasil, e eles estão certos. Dei aulas a imigrantes,
então conheço muito bem o espanhol. Até que um amigo me disse que eu
deveria aprender português, por estudar a América Latina. Percebi que
não conhecia muita coisa sobre o país, embora soubesse que a capital não
é Buenos Aires. Um dia eu estava planejando minha viagem para melhorar o
português e um belga no Bronx sugeriu um roteiro de barco até Manaus.
Ele me deu a melhor dica: “Leve uma gramática, fique na sua rede
estudando e todo mundo vai querer ser seu professor”. E foi o que
aconteceu. Na minha opinião, é como um spa dos pobres. É tão relax
porque não tem nada para fazer, mal existe sinal de celular. Uma vez a
cada quatro dias você vai ver os botos-cor-de-rosa, e só. Nem mosquito
tem. Entrei em um barco de evangélicos. Passavam muito tempo estudando a
Bíblia, mas alguns eram semianalfabetos e pediam que eu lesse
para eles. Conheci nesse barco da Amazônia uma menina de apenas 15 anos
que queria me ensinar, e ouvi a história dela: estava fugindo do marido,
que era violento. Onde se aprende mais sobre o Brasil? Com um monte de
turistas em volta do Cristo Redentor ou ouvindo histórias de vida como
essa? Não foi uma coisa que planejei, não comprei essas experiências.
Ouvi uma ideia e estava aberto a ela. Daí acontece o inesperado, que é o
melhor de uma viagem. Sou um típico nova-iorquino judeu não praticante,
e não ficaria lendo a Bíblia em outra situação. Mas, quando você viaja,
tem de suspender um pouco suas ideias típicas de como as pessoas devem
agir.
Em um relatório sobre competitividade no turismo do Fórum
Econômico Mundial de 2017, o Brasil aparece em primeiro lugar em
potencial de recursos naturais, mas fica na 27ª posição entre 136
países. Onde erramos? A estrutura de transporte não ajuda. Se
eu quiser ir para o lugar que considero o mais maravilhoso do Brasil, os
Lençóis Maranhenses, como faço para chegar lá saindo de Nova York? Não é
muito fácil. Outra coisa: as maravilhas do Brasil não são bem
divulgadas. Todos sabem que é bom assistir ao Carnaval, ir para o Rio de
Janeiro, talvez para a Amazônia. Mas quase ninguém conhece Minas
Gerais, que possui as melhores cidades históricas do país, comida única,
beleza natural e gente legal. E o nível de inglês na área de serviços
no Brasil está melhorando, mas ainda é problemático. Trata-se do idioma
internacional de turismo. Não estou dizendo que isso é justo, apenas que
funciona assim. Houve uma ocasião em que fiz um experimento no
Aeroporto de Guarulhos. Tentei alugar um carro e teria desistido se não
falasse português. Uma vez, um profissional de turismo brasileiro foi a
Nova York e não conseguiu fazer a apresentação em inglês. Fora isso,
existe a questão da segurança, que preocupa turistas.
Em seu livro, o senhor destaca que toda grande cidade tem
hoje seu Williamsburg, bairro nova-iorquino cheio de cervejarias
artesanais e lojas de produtos orgânicos. Hipsters tornam o turismo mais
sem graça? Acho inacreditável a obsessão que turistas que
visitam Nova York têm por Williamsburg, bairro do Brooklyn. Eles estão
procurando o lugar que existia anos atrás. Ainda é uma região legal, mas
um espaço de hipsters ricos; não existe mais a cultura genuína de
antes. Viajar pelo mundo procurando lugares com drinques de 15 dólares e
pensar que você está experimentando a cultura local é um equívoco. Ri
muito de uma reportagem feita por um cara de Nova York que estava em
busca da experiência hipster em Porto Rico e, no fim da matéria, disse
que era exatamente como estar no Brooklyn, só que com praia. Se você tem
tempo e quer conhecer o bairro mais descolado de cada grande cidade,
ótimo, mas não vá confundir isso com cultura local.
---------------- Publicado em VEJA de 2 de janeiro de 2019, edição nº 2615
Reportagem Por Luísa Costa 28 dez 2018,
Fonte: https://veja.abril.com.br/entretenimento/esqueca-os-postais/
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