Lya Luft*
Sempre admirei os mais velhos quando diziam "pensei que
já tinha visto tudo, mas sempre surge uma novidade boa ou péssima". A
velhice me parecia, e parece agora que faço parte, uma época de
serenidade, certa sabedoria, certa benevolência, certa liberdade. Digo e
faço coisas que não faria nem diria aos 30 ou 40. Certa vez traduzi um
livrinho cujo título era algo parecido com "Vou vestir vestido roxo".
Algo assim. Depoimentos de várias mulheres velhas (por que o medo da
palavra?) dizendo que agora podiam usar chapéu florido, ou vestido roxo,
ou se divertir pisando na poça de água, sem que alguém venha criticar.
Sim, existem certas liberdades. Posso, como adorava
fazer em criança e na juventude mas nem sempre me deixavam, ficar longo
tempo vendo a paisagem, sonhando, pensando, lendo, enquanto alguma coisa
se faz no meu interior mais interior. Quem sabe, personagens de um novo
livro. Quem sabe, um pouco de tranquilidade a mais. Quem sabe, entender
algo que parecia absurdo. Dou de ombros para coisas que me fariam
arrancar os cabelos décadas atrás.
Mas, mesmo assim, cada dia vejo que não vi tudo. Por
exemplo, notícias de maldade mesquinha que ataca pessoas em seu momento
de dor. Parece mentira, mas é real. Parece impossível, mas longe disso.
Sempre há quem se regozije com a dor alheia. Sempre há gente cuja única
vantagem é conhecer ou inventar fraquezas de outros.
Também há quem diga que a grave crise de mudança de
clima não existe: arrogantes e ignorantes, combinação explosiva. O
presidente de uma nação poderosa acaba de admitir que, mesmo que
cientistas mostrem pilhas de provas dessa perigosa ameaça para o mundo, a
inteligência dele e sua intuição lhe dizem que é bobagem. O mudo que se
exploda. E nós junto.
Por outro lado, em lugar de mais benevolente, me
impaciento mais com certas mazelas, maldades e maluquices. Endeusar
criminosos; louvar como coisa natural e quase obrigatória alguns dramas
sexuais; querer que os filhos brinquem com bonecas e as filhas com
carrinhos de brinquedo - como se isso fosse aliviar e resolver
individualidades; professores humilhados e fisicamente atacados; velhos
políticos mais-do-que-raposas-espertas reeleitos, mantendo privilégios -
apesar de muitas mudanças que já começam, graças a Deus. Pobreza e
miséria aumentando e alguns dizendo que nunca estivemos tão bem.
Amizades desfeitas por razões ideológicas - como se o humano e pessoal
importassem menos do que conceitos, ignorância, petulância ou
radicalismos.
Enfim, a coisa vai ficando cansativa e mesmo assim
vemos que não vimos tudo. Mas lembro que também vimos, vemos, coisas
muito positivas: solidariedade, afeto, preocupação com o próximo,
honradez; famílias que gostam de conviver... professores amados pelos
alunos... médicos salvando vidas e pacientes lembrando-se disso...
funcionários querendo fazer bem seu trabalho... patrões que não pagam só
o mínimo necessário se podem pagar mais... enfim, gente sendo gente.
Isso me faz concluir que, se achei que já tinha visto tudo, às vezes há
surpresas boas logo ali na esquina.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=3dae7d02b063d20a593ed61053bf966c
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