Baco Exu
do Blues, o rapper baiano de 22 anos autor de ‘Bluesman’, um dos melhores
discos brasileiros de 2018, falou ao ‘Nexo’ sobre trabalho e inquietações
pessoais
Para o
rapper baiano Baco Exu do Blues, fazer música é uma forma de terapia. Analisar
as letras do MC é se confrontar com sentimentos como insegurança, negação,
tristeza e impulso. O ponto de vista é pessoal, mas as experiências são
compartilhadas. Muitas de suas angústias podem ser as de qualquer pessoa negra,
como quando ele canta que “querem que nossa pele seja a pele do crime”.
O trecho
faz parte da faixa que abre e dá nome ao segundo disco de Baco, “Bluesman”.
Gênero fundamental da árvore genealógica da música americana, o blues é
homenageado pelo rapper brasileiro, “o primeiro ritmo a formar pretos ricos/O
primeiro ritmo que tornou pretos livres”. Como seu antecessor, “Esu”, de 2017,
“Bluesman” já vai figurando em destaque em listas de melhores de 2018.
Consolida assim a carreira de Diogo Moncorvo, nascido em Salvador em 1996 e
que, já como Baco Exu do Blues, surgiu no cenário em 2016 com um agressivo
desafio à dominação do Sudeste no hip hop (“Sem amor pelos rappers do Rio/Nem
paixão por vocês de São Paulo/Vou matar todos a sangue frio”). Gravada em
parceria com o pernambucano Diomedes Chinaski, “Sulicídio” já tem mais de 8
milhões de visualizações no YouTube.
O novo
disco confirma Baco como um artista de repertório múltiplo, com citações que
vão de Jorge Luis Borges a Beyoncé. A parceria com Tim Bernardes em “Queima
minha pele”, uma das melhores faixas do disco, é uma das evidências dessa
diversidade que Baco busca.
Ele falou
com o Nexo pelo telefone.
Você poderia contar um
pouco da sua infância e adolescência. Tem pessoas que te marcaram ou
influenciaram em especial?
Baco Exu do Blues Fui muito marcado por meu
pai, ele foi o primeiro professor de tai-chi-chuan da Bahia. Ele aprendeu a
falar chinês sozinho, e inglês. Tinha um sítio onde se reuniam várias pessoas
para treinar com ele, aprender com ele. Então desde criança eu tive essa
referência do homem negro inteligente, o homem negro que não está dentro
daquele estereótipo ridículo que as pessoas querem colocar. Minha mãe também me
ensinou muito, me mostrou literatura [era professora de literatura], me
apresentou a música de certa forma.
Como é a cena rap de
Salvador?
Baco Exu do Blues Tem uma cena de MCs de
freestyle muito forte, e de rap muito forte. É muito boa. Mas ela fica muito
ocultada pela mídia, que não se interessa. A mídia de Salvador também ignora. E
ela existe por toda a cidade. Em todo lugar de Salvador tem batalha de rima,
tem sarau. A característica do rap de Salvador é uma agressividade, uma verdade
na voz que você não vai encontrar em outro lugar. É muito peculiar. A
agressividade de minha rima vem daí. Quando eu surgi na cena, a coisa [com] que
as pessoas sempre se identificaram muito foi com minha forma agressiva de
cantar. Isso é Salvador, na real.
"Fui muito marcado por meu
pai, ele foi o primeiro
professor de tai-chi-chuan da Bahia. Ele aprendeu
a
falar chinês sozinho, e inglês. (...)
Desde criança eu tive essa
referência do homem negro inteligente, o homem negro que não está dentro
daquele estereótipo ridículo que as pessoas querem colocar."
Como é o processo de se
expor em seu trabalho?
Baco Exu do Blues Tudo que eu escrevo, eu me
afundo um pouco na minha depressão. Existe uma linha tênue ali, entre o pico de
criatividade e a morte. É como se sempre que me afundasse, eu passasse por esse
pico e não soubesse se ia voltar ou não. Eu me interno muito, sofro muito para
escrever, porque estou aceitando as coisas que não queria aceitar. Como o fato
de ser uma pessoa pública há dois anos e tratado desde então como uma “boa
pessoa preta” em vez de uma boa pessoa.
"A psicologia tem de se reformular muito
ainda para nós negros."
Você já fez algum tipo de
terapia ou encara a música como terapia?
Baco Exu do Blues Encaro a música como
terapia. Academicamente, eu ainda vejo a psicologia como uma parada muito
branca. Não existe um debate acadêmico sobre negros e sobre como o racismo
transforma todos os negros em pessoas com saúde mental instável, saca? Não
existe esse cuidado na academia, e por isso não tem como se formar
profissionais para lidar com pessoas negras. Não é um negro que sofre, são
todos os negros. A psicologia tem de se reformular muito ainda para nós negros.
É muito difícil você parar para pensar que qualquer trauma durante a sua vida
pode gerar uma depressão e você simplesmente excluir o fato de que tem toda uma
seara de pessoas onde todo mundo sofre trauma todo dia e ignorar isso, achar
que é normal.
Tem músicas suas (‘Tem amo
disgraça’ e ‘Queima minha pele’) que descrevem situações de amor e romance.
Você acha que o rap tem dificuldade pra falar desses temas?
Baco Exu do Blues Cara, eu acho que existe é uma
dificuldade de manter uma bandeira 24 horas por dia de lutas. Quando eu falo de
amor, eu estou falando de amor isoladamente [no contexto] dos meus problemas. O
romance é um bagulho difícil para uma pessoa que tem problema de saúde mental,
porque [seu principal] problema é continuar estável. É muito doido, quem sofre
com isso vai entender melhor.
O que você leu em 2018 que
gostou?
Baco Exu do Blues A parada que mais me
chamou atenção em 2018 foi um quadrinho que se chama “Condado de Essex”. É
sobre coisas que você poderia ter feito e não fez. É sobre arrependimento.
Tinha um momento com algumas histórias interligadas e cada história tem alguma
coisa que, com certeza, [lembra algo que] você deixou de fazer em algum momento
da sua vida. E é muito doloroso perceber o que está ali exposto.
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Reportagem
Por Camilo Rocha 26 Dez 2018
Foto:
Daryan Dornelles/Divulgação Baco Exu Baco Exu do Blues surgiu da cena rap de
Salvador
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