Juremir Machado da Silva*
O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) teve uma vida movimentada.
Amava a natureza, mas viveu em grandes cidades, tornou-se uma celebridade,
teve livros queimados por causa das suas ideias revolucionárias e conheceu o
desconforto não se dobrar às regras da sua época. Precisou fugir, atravessar
fronteiras e exilar-se para escapar de seus perseguidores. Teve cinco filhos,
que colocou em orfanatos alegando acreditar na educação pública por influência
de Platão. Depois disso, escreveu livros sobre como educar as crianças.
“Emílio” e “A nova Heloísa” não deixam de ser manuais de formação, moral e
virtudes para consumo de adultos necessitados de bons conselhos. Rousseau teve
influência sobre a revolução francesa de 1789 embora não recomendasse em seus
textos cortar cabeças. As suas ideias principais ainda dão bons tweets: “o
homem nasce bom e a sociedade o corrompe”; “o homem nasce livre e por toda
parte encontra-se acorrentado”.
Complexo e contraditório, Rousseau acreditava numa religiosidade
natural. Cada um pode sentir Deus no seu coração. A educação estraga os homens.
A civilização é um mal. Porém um mal incontornável. O que fazer? Estabelecer um
“Contrato Social” para organizar a vida em sociedade. O que isso significa?
Perder liberdade para obter segurança e evitar uma guerra permanente entre
indivíduos com interesses diferentes. Na terminologia de Rousseau, submeter a
vontade de todos à “vontade geral”, ou seja, o bem comum. A vontade geral não é
o que todos querem, mas o que todos devem querer para que a sociedade funcione
e seja interessante para o coletivo. Rousseau amava a vida simples, o cheiro de
terra molhada, o ar do campo.
Jean-Jacques foi um errante por falta de rivotril ou algo do gênero. A
mãe morreu quando ele era bebê. A vida compensou-o com amantes mais velhas do
que ele, mas não menos intensas. A primeira ela chavamava de mamãe. Em
contrapartida, a vida condenou-o a sofrer de cálculo renal e de perturbações
emocionais. Certa época, passou a se sentir perseguido por seu amigo David
Hume, por seu ex-amigo D’Alambert e por seu inimigo Voltaire. A paranoia corria
solta. Mas, como diri Ricardo Piglia, os paranoicos também têm inimigos.
Rousseau recebia ataques verdadeiros e combatia fantasmas sem trégua. A amizade
com Hume, que o convidara para uma temporada em Londres, terminou em barraco.
Em algum momento, encontrou paz fazendo longas caminhando e coletando amostras
de plantas. A botânica dava-lhe calma.
Felicidade fugaz – Se “Emílio” e “A nova
Heloísa” foram best-sellers, “O contrato social” deu-lhe um lugar maior na
posteridade. O mais profundo de sua alma, porém, aparece em “Devaneios de um
caminhante solitário”. É aí que fala da felicidade com a naturalidade que pode
interessar no século XXI: “O hábito de me voltar para dentro de mim me fez
finalmente perder o sentimento e quase a lembrança dos meus problemas, então
aprendi com minha própria experiência que a fonte da verdadeira felicidade está
em nós e que não depende dos homens fazer realmente miserável quem sabe ser
feliz”. A felicidade é um estado de espírito, uma paz interior que não se
compra.
É na narração do seu quarto passeio solitário que Rousseau dá um passo
importante na questão do que caracteriza a felicidade: “Talvez não sejam muitas
as coisas que um homem necessita saber necessárias para a sua felicidade, mas,
seja quantas forem, elas são um bem que lhe pertence, que ele tem o direito de
reivindicar onde quer que o encontre, e do qual não se pode frustrá-lo sem
cometer o mais iníquo de todos os roubos”. Temos direita ao nosso quinhão de
felicidade neste latifúndio. No sexto passeio, Jean-Jacques prova o quanto
valoriza a simplicidade: “Eu sei e eu sinto que fazer o bem é a mais verdadeira
felicidade que o coração humano pode experimentar”. Essa alegria maior continua
ao alcance de quase todos.
É no seu nono passeio que o caminhante solitário entrega tudo: a
felicidade permanente não lhe parece feita para os homens na terra, onde tudo
flui, tudo passa, nada permanece, tudo se desvanece. Muito antes de Karl Marx,
de Marshall Berman e de Zygmunt Bauman, Rousseau já avisava que tudo se
desmancha no ar, que nada é sólido para sempre, que a existência é líquida:
“Ninguém pode garantir que amarará amanhã o que ama hoje”, diz. A advertência é
dura: “Todos os nossos projetos de felicidade são ilusões”. Eis o que ele
recomenda: aproveitemos os momentos de alegria sem fazer grandes projetos, pois
estes não passam de loucuras: “Eu vi poucos homens felizes, talvez nem tenha
visto, mas eu vi frequentemente corações alegres”. Nada lhe trouxe mais
satisfações do que ver esse contentamento.
Presta atenção, leitor em busca de eternidades, a este alerta frugal: a
felicidade não tem luminoso externo: “Para conhecê-la seria preciso ler no
coração do homem feliz”. Tarefa imensa. Já o contentamento, a satisfação, a
alegria “pode ser lida nos olhos”. Contagia quem vê. O sonhador pergunta: “Pode
haver prazer mais doce do que ver um povo inteiro se entregar a alegria em um
dia de festa e todos os corações florescerem sob os raios do prazer que
atravessam fugazmente, mas com intensidade, as nuvens da vida?” Ser feliz é
desfrutar dessa alegria natural e passageira.
Em “O contrato social”, Rousseau pôs a pedra fundamental da felicidade
de uma nação: “Não possuindo o soberano outra força além do poder legislativo,
não age senão por leis, e não sendo as leis mais do que atos autênticos da
vontade geral, o soberano não pode agir senão quando o povo está reunido”. O
povo reúne-se a cada reunião dos seus representantes.
O homem em estado de natureza é simples, indica Rousseau. A civilização
produz desejos que não são inteiramente saciados. Num momento de reconstrução,
aos 44 anos de idade, Rousseau radicalizou: abandonou meias brancas, espada,
relógio, dourados e peruca. Ficou nu. Declarou-se solenemente que não se
guiaria mais pelos “insensatos julgamentos” alheios. O que teria de abandonar
hoje: i-phone, carro e cartão de crédito?
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* Jornalista. Sociólogo. Escritor. Prof. Univeristário.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/12/11434/rousseau-viver-naturalmente/
Imagem da Internet
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