Luiz Felipe Pondé*
Será possível haver sexo sem escândalos? Suspeito que não. Sexo é pântano
Mais um caso de escândalo envolvendo sexo e
religião. Será possível um dia haver sexo sem escândalos? Suspeito que
não. O sexo é sempre um pântano. Mas, temo , um dia, no futuro,
chegarmos à condição segura de não desejarmos mais nada. Veganismo
sexual radical.
Sexo e poder então! Eis a mistura perfeita para o pântano. Tão
perfeita que a indústria do filme pornográfico tem nela um dos seus
clássicos: meninas na escola, mulheres buscando trabalho ou aceitando
dinheiro em troca de boquetes no cantinho de lojas de roupas (o inverso
também ocorre: poderosas se aproveitando de homens que precisam de
algo).
Quando esse poder vem pelas mãos da fé, então! Toda pessoa que tem fé
em algum líder espiritual se abre para o abuso de algum tipo. Isso não
implica que todo líder espiritual abuse da fé de seus seguidores.
A fé é uma força transformadora da vida. Como toda força, é um risco
contínuo. O caso mais recente, envolvendo o médium mais famoso do
Brasil, João de Deus, é uma prova disso. O caso serve para entendermos
um pouco alguns aspectos da religião para além da teologia em si.
A crença em milagres é um clássico em religiões (sei que nem toda
denominação religiosa prima por essa crença). Acreditar que passiflora e
pedras energéticas funcionam é indicação de que algo em sua forma de
ver o mundo não funciona. Crer que alguém que faz uma cirurgia
espiritual curará seu câncer é sinal de desespero.
Uma vez adentrado o terreno da crença de que alguém possui poderes
paranormais, você adentra o terreno do risco de que essa pessoa se
aproveite de você, fazendo você comprar coisas, fazendo você fazer
coisas de cunho sexual ou mesmo “colonizar” seus sonhos, sua vida, sua
grana, seu futuro.
O mundo da fé é habitado por um número gigantesco de picaretas do
espírito. Isso não implica, vale dizer, que toda vivência religiosa seja
objeto de picaretas do espírito. Existem picaretas na ciência também:
as universidades e a indústria da ciência estão aí para mostrar para
quem quiser ver.
No caso específico, veremos várias facetas da religião em sua
dimensão social e psicológica em jogo. Muitos dos que adoravam o médium
em questão começarão a atirar pedras nele agora (as pessoas adoram
atirar pedras nos outros, principalmente os que se julgam representantes
do bem).
Logo virá a memória dos que permanecerão fiéis a ele a famosa
passagem de Pedro no Evangelho, negando Jesus três vezes após sua
prisão.
Dirão: “Olha aí os traidores! Até ontem estavam aqui rezando e
pedindo ajuda. Agora, porque umas moças da TV falaram mal dele, estão aí
negando sua fé”.
E podemos perguntar: de onde virá essa defesa? Uma hipótese possível
(mas não única, claro) é a econômica. A cidade que gira ao redor da
economia da fé no médium vai quebrar.
Pessoas que vendiam quartos, refeições, água, gasolina, sexo, enfim, vão quebrar.
Religião precisa de sustentação econômica como qualquer empresa ou
ser humano. Defender o médium será um forma de defender seu negócio
porque ele é um negócio.
Nesse movimento, alguns ensaiarão teorias espirituais: sua (a nossa) carne é fraca, mas o espírito ainda assim tem uma missão.
Será que haverá dinheiro e disposição para esse povo todo que diz ter
sido um dia curado por ele vir à luz “provando” seus poderes
espirituais? Será que, se vier a ser “provado”, que mesmo sendo um
abusador, ele permanece um “homem de Deus”, seu culto resistirá, mesmo
ele preso (o do Lula tem resistido...)?
Julgo essa hipótese a mais interessante em termos espirituais. As contradições da alma são infinitas.
Mas, temo, não iremos tão longe. Somos seres preguiçosos, a menos que
nossos pecados nos estimulem a algo. Suspeito que João de Deus
desaparecerá e as mesmas pessoas que o adoravam vão procurar outros para
adorar, porque quem gosta de adorar algo sempre acha o que adorar. A
idolatria é uma compulsão no gênero humano.
A religião é pré-histórica. Tem valor evolucionário. A vida não tem
um sentido maior, e esse fato se materializa em elementos concretos como
perdas, sofrimentos, frustrações diversas. Não se trata de um problema
abstrato.
Sei que tem gente que não precisa disso. Mas aos ateus também se deve
prescrever uma certa dose de humildade. Sei que você pode deixar de
acreditar em Deus, mas cuidado para não passar a acreditar em qualquer
bobagem do tipo ciência, natureza, política, história —ou, pior, crer em
você mesmo ou crer no desejo. Eita coisa ridícula!
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