O historiador Juan Postigo em uma rua de Zaragoza, cidade protagonista de seu livro.David Asensio
Historiador retrata subterrâneos dos séculos XVII e XVIII através de documentos da Justiça eclesiástica
Em uma rua do centro de Zaragoza
havia uma casa com as janelas sempre fechadas pela qual desfilavam
autênticas romarias de padres franciscanos entrando e saindo com chave
própria. Em uma das visitas, vários deles chegaram até a se trancar ao
mesmo tempo em um quarto com uma mulher de nome Francisca. Até que os
vizinhos disseram basta e acabaram com esse “lupanar especializado”. Uma
simples denúncia de um morador da mesma rua acabou com o prostíbulo
preferidos dos franciscanos no século XVII.
Se
esse processo não ficou enterrado em séculos de história é porque
chegou aos tribunais com todos os detalhes. Os arquivos judiciais
eclesiásticos reúnem centenas de relatos de amores proibidos, terríveis
agressões sexuais, prostituição, a à época proibida homossexualidade
e até brigas em plena missa. O historiador Juan Postigo mergulhou
durante meses no arquivo diocesano de Zaragoza para rastrear os
subterrâneos da sociedade dos séculos XVII e XVIII.
“Os documentos são realmente explícitos. Como não existiam provas
forenses, os investigadores faziam interrogatórios extenuantes que
ficaram completamente registrados”, diz o pesquisador, cujo trabalho
está no livro El Paisaje y las Hormigas (A Paisagem e as
Formigas). Como diz Postigo, muitas das práticas consideradas ilegais
eram aceitas pela sociedade, até que um ponto de inflexão as
transformava em insustentáveis e chegavam aos tribunais. No caso do
prostíbulo dos franciscanos, o detonador foi a discussão de um dos
vizinhos com o dono da casa.
Os processos judiciais mostram pequenos retratos dos costumes da
época. Um deles narra a tempestuosa relação entre um nobre e uma criada,
que acabou com a gravidez dela. Quando a mulher foi pedir ajuda ao
homem para criar o bebê ele se esquivou de suas responsabilidades, de
modo que ela recorreu a uma feiticeira moura. Um criado escutou a mulher
em plena conversa com a suposta bruxa e contou ao nobre, que
sugestionado pelas práticas mágicas começou a ter problemas para ter
relações sexuais e decidiu ajudar a mãe de seu filho.
O gênero feminino precisou entrar dentro dos padrões moralistas de uma vida dependente do marido. Se elas queriam manter idílios amorosos precisavam entrar no mundo da ilegalidade
Nas leis morais da época, o público e o privado se confundem. Os
escritos mostram denúncias contra nobres por deitarem-se com algumas de
suas criadas. E, por exemplo, uma acusação contra a mulher de um
hospedeiro por manter uma relação com um hóspede. “A sexualidade
só tinha espaço dentro do casamento, todo o resto era perseguido. Além
disso, as pessoas de diferentes classes não podiam ficar juntas e
constantemente encontramos casos de homens e mulheres que burlaram essas
normas”, diz Postigo.
O historiador define a mulher como um “agente de transgressão
permanente”, pelas rígidas regras em que estavam presas. “O gênero
feminino precisou entrar dentro dos padrões moralistas de uma vida
dependente do marido. Se elas queriam manter idílios amorosos precisavam
entrar no mundo da ilegalidade”. Também são detalhados numerosos casos
de maus-tratos a mulheres, que se tornavam assunto público somente
quando a crueldade era especialmente grave, como no caso de Agustín
Pintor, um homem que obrigava sua mulher a se prostituir, a agredia
quando os clientes se cansavam e deixavam de pagar e andava pelo mercado
com sua amante abertamente”. A pobreza tornava as mulheres dependentes
dos homens”, afirma Postigo.
Além das histórias de bairro levadas a julgamento, os
documentos dão descrições detalhadas de fatos atrozes, como tiros no
meio da noite, mães que prostituem suas filhas e agressões sexuais
a meninas. O escritor pega o assassinato dentro da basílica do Pilar do
ourives Tomás Teller, que ao acabar suas orações recebeu um tiro de
rifle de alguém que havia preparado cuidadosamente o lugar e o modo que
iria acabar com sua vida. Aconteceu na noite de 29 de agosto de 1687.
“Como os templos eram os lugares em que a sociedade cristã passava a
maior parte de sua vida, também se transformaram em cenários de crimes”,
diz Postigo.
A vizinha catedral de La Seo também abrigou contendas, como a
impressionante briga a socos de dois religiosos em plena missa de 2 de
novembro de 1747. Tudo aconteceu porque um disse ao outro que ele havia
se esquecido de ler um versículo.
Postigo extrai uma conclusão da análise dos crimes passados: “As
rigidezes impositivas só faziam com que as pessoas precisassem encontrar
brechas para satisfazer seus instintos. Muitas vezes pode ser
contraproducente deixar as pessoas presas demais”.
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Reportagem por
Patricia Peiró - Zaragoza
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