Juremir Machado da Silva*
Mas os teus passos eram meus
Estranhamente como um sinal
Estranhamente de tão normal
Os teus passos eram os meus.
Fim de ano me torna nostálgico. Gosto cada vez mais de palavras e de
frases que ecoam nas tardes como velhos relógios de parede. A gente ouve
e sente uma melancolia sem motivo. Dói como uma lembrança de nossos
melhores dias. Sei que avanço lentamente para trás como um trem que só
existe para enfeitar a paisagem e corre sobre os trilhos feito um cão em
busca do seu dono. Não me queixo nem sofro. Fotos na parede da memória
não sangram. Apenas dão um ar outonal, como uma sala de vidro escuro
sempre com o ar-condicionado ligado, aos momentos de hesitação e medo.
Estou velho para falar com os jovens e jovem para conversar com os
velhos. Minhas palavras são acordes num instrumento que jamais serviu
para fazer boa música.
Encontro beleza nessas palavras e nessas frases que se afundam no
tempo como imensas paredes num desfiladeiro de faroeste. Sei que muitos
se espantam com estes devaneios, estas abstrações que se espiralam como
redemoinhos em antigas chácaras, e até se perguntam: está sem assunto?
Curiosamente é o assunto que mais me pega, aquele que me faz retesar a
corda até sentir meus dedos feridos. Então me pego contemplando o poente
como quem busca na silhueta dos prédios distantes uma mensagem de amor.
Eu queria escrever o mundo, descrever a alma, capturar as profundezas
do ser que caminha pela rua ensimesmado às voltas com o que nunca saberá
dizer.
Fim de ano me deixa perplexo. Sinto o tempo
passar entre os meus dedos como uma lufada de vento frio em pleno verão.
Fantasmas ressurgem das entranhas do passado e sorriem na volta da
esquina. Vozes se cruzam e se vão empurradas por brisas do anoitecer.
Imagens embalsamadas se estampam nos muros de construções decadentes num
rendilhado de sol e sombra. Abro minha caderneta e tento cercar o
vivido numa cadeia de acontecimentos, de fórmulas, de conceitos, de
recordações inclassificáveis e urgentes. Ninguém poderá escrever o que
eu sinto, esta agridoce sensação de ver um menino se afastando no
retrovisor com o sorriso que era meu.
Não me sinto triste. Quem pode se sentir triste vendo o sol nascer e
morrer para de novo nascer e morrer com a mesma alegria de dezembro?
Outro dia, dormi no ônibus. Quando acordei, no subúrbio, a cidade me
afagava com seu cotidiano mais terno e verdadeiro. Lembrei dos meus
primeiros tempos na capital. Espreguicei-me como se estivesse na cama,
espichei as pernas e empreendi a longa viagem de volta como quem se
descobre para viver. De uma casa, com janelas coloridas, escapava uma
melodia de Chet Baker. Deixei como uma gaivota as minhas pegadas na
areia da solidão. Lentamente vi a cidade se redesenhar a traços de giz
enquanto me acomodava para sonhar.
– Não vá perder o ponto, professor – me disse uma moça.
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* Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/12/11447/cronica-meus-passos/
Imagem da Internet
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