Nelson Costa Ribeiro, professor da Universidade Católica Portuguesa, está em Porto Alegre, no âmbito do projeto Capes-Print, para dar curso no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. Na terça-feira, 7 de março, ele ministrou a aula inaugural do PPGCOM sobre um tema candente: “A centralidade do jornalismo em tempos de incerteza”. Um espírito dado a fórmulas poderia dizer: o jornalismo está morto. Viva o jornalismo. Foi uma bela palestra. Acossado pelas fake news e pela tecnologia que afeta o seu ecossistema, o jornalismo experimenta uma metamorfose colossal. Como sairá dessa mutação?
O palestrante lembrou que as marcas nunca estiveram realmente interessadas em financiar jornalismo, mas eram obrigadas a apoiá-lo para difundir seus interesses publicitários junto aos públicos. Esse modelo de negócios está em transformação. A guerra, contudo, continua. Entre os bons exemplos que usou para mostrar os impasses do atual momento do jornalismo, Ribeiro destacou uma notícia falsa espalhada pela Meta – marca dona do Facebook e do Instagram – para desacreditar o TikTok. A mentira foi facilmente comprada por veículos da mídia tradicional. Em que consistia? Numa falsa campanha: gravar um vídeo dando um soco num professor para veicular na plataforma chinesa.
O jornalismo tropeça nas próprias pernas por querer andar mais rápido do que sua sombra. Não tem tempo para checar as informações que mais o sensibilizam. Quando vê, está atolado em falsificações que o comprometem. O professor Nelson Costa Ribeiro lembrou também que o mentiroso pode mentir sobre a própria mentira. Foi o caso de Donald Trump dizendo que criou a expressão “fake news”. Era uma fake news. Que jornalismo, enfim, queremos e podemos ter? Ainda cabe fazer o jornalismo de inspiração norte-americana baseado na ideia de objetividade e da divisão equânime do espaço midiático entre os atores de determinado acontecimento? Ou, diante das mentiras que podem afetar até mesmo o resultado de uma eleição, o jornalista deve intervir?
A temática abordada por Nelson Costa Ribeiro me é muito próxima. Pluralista, fui marcado e condenado como esquerdista, comunista ou petista, por recusar o obscurantismo bolsonarista. No jornalismo da grande mídia gaúcha receber o rótulo de esquerdista significa exclusão perpétua. O estranho nisso tudo é que continuo apegado a ideia aprendida em faculdade – que também ensino aos meus alunos – de independência. Se eu fosse escrever um texto sobre a relação do presidente Lula com a Nicarágua de Ortega diria que o mandatário brasileiro precisa condenar abertamente o seu velho amigo como ditador. Boa parte da esquerda me odiará por esta visão. Da mesma forma, não tenho a menor dúvida de que Putin é o agressor, a Ucrânia, a vítima. O jornalista precisa estar livre para contrariar a todos.
Claro que o preço desta postura pode ser simplesmente o ostracismo. Independência e solidão são complementares. Nelson Costa Ribeiro descreveu com precisão a crise do jornalismo atual. Ao mesmo tempo, deixou implícito que precisamos como nunca de jornalismo. O Brasil das joias para Michele Bolsonaro é a prova disso. Quem além da imprensa poderia trazer à tona o escândalo do presentinho de R$ 16 milhões dado pelos saudistas ao Brasil? Jornalismo continua sendo, como dizia George Orwell, publicar o que alguém gostaria de esconder, especialmente os poderosos de plantão com ricos segredos.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário na PUCRS,
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-jornalismo-em-tempos-de-incerteza/
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