quinta-feira, 16 de março de 2023

Nas redes sociais, as adolescentes de esquerda sofrem mais

 Marcelo Coelho*

Pesquisas de psicologia social têm um efeito engraçado. Aparece um dado surpreendente e científico. Seguem-se provas e raciocínios bastante lógicos. Depois de fisgado, o leitor passa a aceitar mais do que é razoável

No mundo político, muitas coisas podem acontecer de repente: uma revolução, por exemplo. Na véspera, o rei ainda se segurava no poder. No dia seguinte, sai do jogo.

Tudo é mais impreciso no mundo dos comportamentos sociais. Mudanças acontecem, mas nem sempre dá para apontar um fato específico que lhes sirva de causa. A pílula anticoncepcional foi provavelmente um desses disparadores, na década de 1960.

Em matéria de depressão entre adolescentes, tudo indica que houve também um gatilho, claramente identificável. Em 2012, no máximo em 2013, deu-se um salto; veja, na introdução deste artigo em inglês The politics of depression: Diverging trends in internalizing symptoms among US adolescents by political beliefs - ScienceDirect um apanhado das pesquisas sobre o assunto.

A taxa de “negatividade” entre os jovens americanos, que estava parada em 1,8 mais ou menos (não me perguntem o que é isso) de 2005 a 2011, começou a subir feio, e sem oscilações, a partir de 2012.

Nada de covid naquela época. A jornalista Michelle Goldberg, do jornal New York Times, e o psicólogo social conservador Jonathan Haidt, neste artigo, Why the Mental Health of Liberal Girls Sank First and Fastest (thefp.com), apontam a razão: foram as mídias sociais. Em 2012, o Facebook comprou o Instagram; foi também o ano em que as selfies explodiram.

Curiosamente, quem mais revelou sentimentos negativos foram as meninas de esquerda; rapazes de direita se deprimem menos. São eles, também, os que passam menos tempo nas redes sociais.

Jonathan Haidt, que é conservador, tira a conclusão que lhe convém. O próprio conteúdo das mensagens de esquerda lidas pelas meninas, diz ele, estimula sentimentos depressivos. Como, por exemplo, o de porem a culpa nos outros, o de se vitimizarem, o de se acreditarem frágeis e despreparadas para enfrentar todo tipo de coisa ofensiva e politicamente incorreta que encontrem pelo caminho.

Nesse raciocínio, cada vez que a faculdade avisa que determinado item da bibliografia (“Moby Dick”, por exemplo) pode perturbar os alunos porque contém crueldade contra os animais, a jovem “politicamente correta” vê confirmadas suas impressões de que ela não aguentará o tranco.

Curiosamente, quem mais revelou sentimentos negativos foram as meninas de esquerda; rapazes de direita se deprimem menos. São eles, também, os que passam menos tempo nas redes sociais

Será verdade? Será que o “politicamente correto” faz mal para as pessoas, destruindo-lhes a autoestima e a vontade de viver?

Calma lá. Essas pesquisas de psicologia social têm um efeito engraçado. Aparece um dado surpreendente e científico. Seguem-se provas e raciocínios bastante lógicos. Só que, depois de fisgado, o leitor passa a aceitar mais do que é razoável.

Vamos aos poucos. Quais são os sentimentos negativos que compõem essa taxa de negatividade, que cresceu tanto depois de 2012? Surgem quando a pessoa entrevistada concorda, por exemplo, com as seguintes frases: “sinto que não tenho nada do que me orgulhar”; “sinto que a minha vida não é muito útil”. “Às vezes acho que não sou nem um pouco bom/boa nas coisas que faço”.

Poxa, penso eu. É claro que, quanto mais a pessoa perde tempo nas redes sociais, mais se sente culpada por isso. Como todo adicto, o adolescente tem toda razão ao dizer que sua vida não tem nada de útil.

Claro que, se as jovens de esquerda passam mais tempo na internet do que um rapaz fascista, elas se sentirão então mais culpadas e menos úteis. O garotão mobilizou mais adrenalina, endorfina ou coisa que o valha treinando futebol americano ou praticando na academia de tiro.

A questão é saber por que as jovens de esquerda passam tanto tempo na internet. Nem sei se isso pode ser generalizado para fora dos Estados Unidos. Nesse ponto, muitas causas podem ser aventadas.

Mas não é isso o que o psicólogo social procurou. Ele toma o caminho inverso. Sabe que as jovens de esquerda gastam tempo na internet; associa o fato ao “conteúdo de esquerda” que pode ser encontrado lá, e então conclui que é o conteúdo de esquerda, e não o tempo gasto na internet, o que mexeu com a cabeça delas.

Meio furado, acho. Só que eu já estava quase aderindo ao raciocínio de Jonathan Haidt. E já estava ficando deprimido. É o que acontece quando pego, sem saber, conteúdos de direita na internet.

O “politicamente correto” pode ser vitimizador e produzir exagerada sensibilidade para coisas supostamente ofensivas. Acontece que, quando levado a extremos, é um detonador de militâncias tão fáceis quanto aquelas que se organizam em torno de bandeiras de direita.

O extremista, o militante, esse não se deprime. Talvez quem se deprima, vendo tanta coisa absurda nas redes sociais, seja exatamente a parte mais normal da população. Numa coisa, portanto, concordo com as pesquisas: quanto menos Instagram, Whatsapp e TikTok, melhor para todo mundo.

Marcelo Coelho é jornalista, com mestrado em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo). Escreveu três livros de ficção (“Noturno”, “Jantando com Melvin” e “Patópolis”), dois de literatura infantil (“A professora de desenho e outras histórias” e “Minhas férias”) e um juvenil (“Cine Bijou”). É também autor de “Crítica cultural: teoria e prática” e “Folha explica Montaigne”, além de três coletâneas com artigos originalmente publicados no jornal Folha de S.Paulo (“Gosto se discute”, “Trivial variado” e “Tempo medido”).

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2023/Nas-redes-sociais-as-adolescentes-de-esquerda-sofrem-mais

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